Centeno insiste na contenção salarial e salienta papel da imigração no crescimento económico
O governador do Banco de Portugal (BdP), Mário Centeno, voltou a insistir na necessidade de Portugal adotar uma política de contenção salarial – algo que tem vindo a defender há alguns anos – por forma a conseguir manter o ritmo de crescimento económico. Durante a apresentação do Boletim Económico de junho, o responsável salientou ainda a importância da imigração para o comportamento da economia nacional, sublinhando e repetindo que “sem imigração, a economia não cresce”.
Questionado pelos jornalistas, aproveitou para esclarecer que estas suas declarações não se prendem com qualquer “análise a qualquer medida política. Só estou a fazer análise económica”.
E continuou: “As entradas líquidas de imigração mantêm-se positivas, felizmente temos tido essa capacidade de manter a absorção de imigrantes. Mais uma vez, foi por alturas de 2017 que o saldo líquido demográfico em Portugal se inverteu – tinha estado uma sucessão de anos com perda de população e população ativa, e o grande contributo para essa inversão foi a capacidade do país de atrair imigrantes”.
Trabalhadores que “têm uma distribuição de qualificações muito vasta, e eu não tenho dados setor a setor, mas, claramente, essa distribuição adequa-se àquilo que são as necessidades, em termos de qualificação, a qualquer um dos setores”, justificou.
A questão da imigração é, aliás, um ponto no qual o governador tem insistido, mesmo ainda antes de o país ter sido atirado novamente para eleições legislativas.
Quanto à contenção salarial, Centeno volta a defender que só através dessa estratégia será possível mitigar os riscos que podem advir do mercado de trabalho. “Nós temos, nos últimos anos, um contributo muito superior do crescimento do emprego em setores com salários mais elevados”, começou por explicar. “Isto é particularmente verdade no setor privado, mas quando incluímos o setor público, temos esta dinâmica mais forte. É um contributo muito significativo”.
E, nesse sentido, aproveitou para repetir, “temos um contributo muito relevante para a dinâmica da economia portuguesa de trabalhadores imigrantes. Nada do que está a acontecer em termos de convergência com a Europa aconteceria se não fosse o contributo da imigração para a nossa sociedade. É muito importante compreender isto, porque é muito importante compreender as razões pelas quais a nossa economia cresce”.
E, ainda sobre isto, salientou que “a participação de trabalhadores nacionais em setores que pagam abaixo do salário médio, e isso é natural, porque houve um aumento da escolaridade nas nossas gerações mais novas, tem levado a que se reforce o emprego em setores, insisto, que pagam acima do salário médio”, garante o responsável.
Mário Centeno utilizou, por mais de uma vez, o adjetivo “admirável” para classificar o mercado de trabalho nacional, mas deixando sempre o mesmo alerta: é preciso que Portugal se prepare para o fim deste ciclo que está a viver atualmente. Razão pela qual, defende, é preciso que se mantenha uma estratégia de contenção nos salários. “O contributo do mercado trabalho para os preços em Portugal foi admirável. Para que continue a ser admirável temos de ter alguma contenção salarial nos próximos anos”.
Instado pelos jornalistas a explicar às famílias portuguesas o que isto significa para os seus bolsos, Centeno falou de forma pausada, refletida, mas asseriva: “estender ciclos positivos com políticas económicas às vezes é perigoso, e o seu sucesso é muito raro, sobretudo do ponto de vista de sustentabilidade. Se houver uma deterioração significativa do mercado de trabalho, por exemplo através do aumento do desemprego, vamos conhecer uma realidade que tem estado ausente [de Portugal] há cerca de 10 anos. A nossa vontade de chegar mais além deve ser medida pela posição em que nos encontramos”.
E reforçou: “Se não soubermos onde estamos, dificilmente conseguimos individualmente saber para onde vamos. Estamos numa posição muito favorável do ponto de vista cíclico. Nunca tivemos um mercado de trabalho com tanto emprego, com tantos salários pagos, com transformação tão significativa das qualificações... e como estou a usar a palavra nunca, que é perigosa porque é fácil de contradizer, o que estou a dizer é que temos de estar preparados para que esta situação não se prolongue”, avisou.
“É preciso respeitar aquilo que é a realidade que enfrentamos. Porque se não lhe tivermos respeito – e não é reverência, é compreensão – não vamos conseguir definir as políticas para o futuro, porque vão ser baseadas em realidades que não existem. Talvez o melhor exemplo disto seja o que está a ser decidido pela administração norte-americana”, disse em jeito de conclusão.
Economia cresce, PRR é risco
No Boletim Económico de junho, o Banco de Portugal estima que a economia nacional cresça acima dos pares europeus até 2027, mas avisa para os potenciais riscos. O principal: a incerteza que tem vindo do outro lado do Atlântico e a taxa de execução dos fundos europeus, nomeadamente do PRR – o supervisor está a considerar uma taxa máxima de execução, mas “há um grande risco” para os 2,2% de crescimentos previstos para 2026 se esta não for cumprida, admite Mário Centeno.
“Em 2026 a economia vai ser impulsionada, seguramente, por taxas de juro mais baixas. Esta redução vai consolidar-se nos próximos dois anos, e estamos a prever a execução completa do PRR, que é um risco nas previsões, mas é o que fizemos”.
Na mesma ocasião, o responsável aproveitou para salientar que “ultrapassámos com sucesso este processo inflacionista que foi muito perturbador e podemos estar satisfeitos porque, obviamente, o trabalho dos bancos centrais deu frutos. E porque o conjunto das nossas economias e da área do euro se comportou de forma muito diferente do que aconteceu há alguns anos.”
“A estabilidade financeira foi uma realidade, o mercado de trabalho foi o grande pilar de sustentação deste esforço coletivo de combate ao aumento dos preços e a nossa projeção prolonga o bom estado de saúde do mercado de trabalho” que cresce, ainda que de forma mais lenta, o que se prende “com a maturação do ciclo económico”, considera.
Durante a conferência de imprensa – que poderá ser a última enquanto governandor do BdP, uma vez que ainda não há informação sobre se vai ser reconduzido no cargo e o seu mandato termina no próximo mês - , Centeno escusou-se a fazer comentários sobre o que poderá reservar-lhe o futuro. Seja continuar à frente do Banco de Portugal, seja ir para o Banco Central Europeu, uma hipótese que tem vindo a ser levantada nas últimas semanas.
“Eu tenho um mandato para cumprir e que vou cumprir. Estarei sempre disponivel para o país, seja para o Governo, Portugal ou uma Universidade”, atirou apenas.