A decisão do Tribunal da Comarca de Lisboa de abrir um procedimento para verificar se a insolvência da TAP SGPS foi culposa (ou seja, forçada, deliberada ou premeditada) pode acarretar fortes penalizações para administradores que passaram e ainda estão na TAP. Gestores como os ex-CEO Ramiro Sequeira e Christine Ourmiere-Widener e o atual CEO, Luís Rodrigues, mas também o administrador financeiro Gonçalo Pires arriscam o seu próprio património, ou mesmo pena de prisão em caso de processo criminal. O requerimento para que a insolvência da TAP SGPS (holding que detinha a TAP, SA, e atual Siavilo) fosse analisada e considerada irregular foi apresentado pela companhia brasileira Azul. A companhia, na altura detida por David Neeleman, acionista da TAP, está a travar um processo em tribunal contra a companhia aérea portuguesa por considerar que esta orquestrou desde 2021 um plano para, primeiro, manter a SGPS artificialmente viva (com recurso a empréstimos da TAP SA) enquanto retirava da própria holding os ativos que valiam alguma coisa.Este plano visava evitar o pagamento à Azul de mais de 180 milhões de euros (e juros) relativos a um empréstimo obrigacionista de 2016. A TAP, a Parpública e o Governo português alegam que não se tratou de um empréstimo obrigacionista, mas sim um suprimento do acionista David Neeleman. Como o DN noticiou, a Azul tem cartas do Governo da altura, assinadas pelo então ministro da tutela Pedro Nuno Santos, a garantir que se tratava de um empréstimo obrigacionista e que a companhia brasileira teria de ser ressarcida.Na própria administração da TAP que estava em funções em maio de 2021, alguns responsáveis notaram os riscos jurídicos de um primeiro empréstimo do Estado de 462 milhões de euros à TAP, S.A., a ser convertido em capital social da mesma. Na prática, esta operação diluía a posição dos outros acionistas, como a Azul. Nas atas das reuniões da administração da TAP reveladas pela CNN, um dos administradores alertou que a aprovação desse empréstimo “seria indubitavelmente suscetível de gerar responsabilidade dos administradores perante os credores e obrigacionistas da TAP, S.G.P.S”. Caso da Azul.E, por isso mesmo, o mesmo documento indica que a TAP teria de reforçar a “necessidade de ser prestada informação à Azul, de modo a mitigar o risco, de que não existe, de momento, a intenção de dissolver a TAP, S.G.P.S., e como tal os bonds [títulos de dívida] da Azul poderiam permanecer até ao fim do período de validade”. Ora uma outra ata da TAP SGPS revelada pela CNN, de dezembro de 2021, indica que os administradores debateram que seria “necessário que a TAP, S.G.P.S.” fosse “declarada como insolvente a médio prazo (2025-2026)”. Algo que acabaria por acontecer no intervalo previsto, este ano.O artigo 186 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) indica que existe uma “insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência”.Entre as ações dos administradores que podem configurar irregularidades, o CIRE lista, entre outros, as seguintes: fazer “do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto”. A segunda é a de ter “prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência”.Caso sejam considerados culpados, os administradores poderão ser condenados a uma inibição, de dois a dez anos, de exercer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa. Mas também poderão ser condenados “a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos”, incluindo com os próprios patrimónios.A pena pode ser mais grave caso seja aberto um processo criminal por insolvência dolosa (com intencionalidade). O artigo 227 do Código do Processo Penal indica que se ficar provado que os administradores criaram ou agravaram artificialmente prejuízos ou reduziram lucros podem ser “punido(s), se ocorrer a situação de insolvência e esta vier a ser reconhecida judicialmente, com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias”.