Portugal deu um salto no ensino profissional, nas últimas duas décadas, envolvendo hoje 40% dos alunos do secundário, quando não ia além dos 28% em 2006. E, apesar da perceção pública pouco favorável, a empregabilidade destes alunos é mais rápida do que a do ensino geral, mesmo que nem sempre nas áreas específicas dos cursos, tendo contribuído para aumentar o emprego e o empreendedorismo. São algumas das conclusões do estudo “A Expansão dos Cursos Profissionais em Portugal: Que impacto na educação, no emprego e no empreendedorismo”, que será tornado público esta sexta-feira, 11, pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e a que o DN teve acesso.Apesar de um balanço globalmente positivo da evolução do ensino profissional, os autores Pedro S. Martins, Luís Catela Nunes, Pedro Reis e Teresa Thomas, do Centro de Economia da Educação, da Nova SBE, lembram que Portugal ainda está a 10 pontos da média da União Europeia, que é de 50%, (enquanto os Países Baixos, Áustria, Eslovénia e Croácia atingem os 70%). E apontam algum desfasamento entre a formação e a inserção profissional - exceção feita aos cursos de informática, entre outros _ recomendando, por isso, um “melhor alinhamento dos cursos com as reais necessidades do mercado de trabalho, a nível regional”. É uma queixa antiga das empresas e confederações patronais, que, agora, enfrentam também os novos desafios da transição digital.Uma das apostas que deve merecer mais investimento, de acordo com os resultados que o estudo evidencia, está nas tecnologias e nos cursos virados para o empreendedorismo. Em contraste com os resultados de alguns cursos, “o efeito da expansão dos cursos profissionais sobre a criação de empresas e o empreendedorismo revela-se mais expressivo: decorridos três a cinco anos após a formação, regista-se um crescimento significativo no número de novas empresas nos setores relacionados com os respetivos cursos, refletindo o papel destes percursos na dinamização do tecido empresarial”, conclui o estudo da FFMS.O reforço desta abordagem mais empresarial seria, assim, oportuno, agora que Portugal já anunciou a intenção de aumentar para 55% a percentagem de alunos no Ensino de Formação Profissional (EFP) e que se prevêm para breve novas reformas e investimentos no EFP a nível europeu, uma vez que a Comissão Europeia pretende desenvolver um sistema mais atrativo e inovador.Queda drástica do abandono escolarPara já, o que é evidente, no domínio da educação, é que a expansão do EFP contribuiu para a diminuição drástica das taxas de retenção e abandono escolar e para a inclusão social. Com efeito, “entre 2000 e 2023, a taxa de retenção e abandono escolar caiu de 39% para menos de 10%, acompanhada por um aumento significativo na conclusão do 12.º ano, especialmente entre alunos oriundos de contextos socioeconómicos mais desfavorecidos”, destaca a análise.Além disso, “entre os jovens que concluíram o ensino secundário pela via profissional e não prosseguiram estudos, 72% conseguiram emprego no prazo de um a dois anos, superando os 56% registados entre os oriundos do ensino geral”. Não quer dizer que o tenham encontrado nas áreas específicas que estudaram e uma parte dessa rapidez também pode ser explicada pela maior necessidade de obter rendimentos.Isso reflete-se igualmente na taxa de inatividade que é quase metade do que a registada pelos alunos do ensino geral: “em 2023, a taxa de inatividade dos jovens entre os 25 e os 34 anos que completaram o ensino secundário pela via profissional foi de 5,6%, consideravelmente mais baixa do que a dos jovens provenientes do ensino geral (10,6%) em Portugal, e abaixo das médias da UE e da OCDE (cerca de 11%)”, aponta o estudo da FFMS.O relatório conclui que houve impactos positivos, ainda que moderados, no emprego nas profissões para as quais os cursos profissionais estão orientados: “três anos após a conclusão de um novo curso profissional, a região onde o curso foi ministrado regista um aumento médio de 20% no número de trabalhadores na profissão correspondente”. Essa correspondência não se verifica necessariamente ao nível municipal, revelando que os alunos encontram mais frequentemente trabalho nos municípios vizinhos àqueles em que obtiveram formação, sobretudo nas regiões mais populosas.Recomendações em várias frentesPorque a qualidade e adequação do ensino e formação profissional têm uma relação direta com a prosperidade individual, social e económica a a nível nacional, e absorve recursos públicos muito avultados, os autores do estudo consideram que é importante medir o seu impacto. E deixam uma vasta lista de recomendações. Começam por destacar a importância de “conceber os programas dos cursos profissionais de forma equilibrada, integrando competências académicas essenciais com formação técnica especializada, reforçando a adaptabilidade dos alunos às exigências do mercado de trabalho e às mudanças tecnológicas”.Em segundo lugar, apontam a necessidade de “estimular uma maior integração dos cursos oferecidos com o tecido económico da região em que se inserem, com o apoio das estruturas regionais intermunicipais existentes; partilha de infraestruturas entre municípios; aumentar a oferta de cursos profissionais em regiões atualmente com menos oferta; estabelecer parcerias formais entre as instituições de ensino e formação profissional e os empregadores, com vista à conceção conjunta dos programas dos cursos”.Para dar uma perspetiva mais prática, os investigadores defendem o “reforço dos estágios e os programas de formação em ambiente de trabalho, através da coordenação entre autoridades regionais e empresas ou ainda promover o empreendedorismo através de programas de mentoria, financiamento inicial e acesso a incubadoras, fomentando a criação de empresas alinhadas com a área de formação”. As recomendações incluem ainda, como combate à sazonalidade de setores como o turismo ou a agricultura, uma aposta em competências transferíveis e que fomentem a aprendizagem interdisciplinar com disciplinas do ensino geral, promovendo a empregabilidade ao longo do ano. Por último, os autores sugerem a criação de estruturas sólidas de avaliação do ensino e formação profissional, bem como ações para melhorar a imagem pública deste percurso educativo, designadamente através da divulgação de casos de sucesso. Isto porque, “apesar dos resultados positivos alcançados, persiste ainda uma perceção pública pouco favorável relativamente ao ensino e formação profissional”.Razões da expansãoTodos os cursos de EFP do ensino secundário oferecem dupla certificação: por um lado, uma componente académica, que permite aos estudantes concluir o ensino secundário e ingressar no ensino superior. Por outro, uma qualificação profissional, centrada em competências práticas e específicas para o trabalho, incluindo frequentemente estágios e formação em contexto empresarial.A grande expansão dos cursos de EFP no ensino secundário ocorrida a partir de 2006 foi desencadeada pela expansão dos cursos profissionais. De 2005/2006 a 2009/2010, a percentagem de alunos do ensino secundário inscritos em cursos profissionais aumentou significativamente, de 13% para 31%. À semelhança dos cursos gerais da via académica do ensino secundário, os cursos profissionais têm uma duração de três anos. O seu currículo combina disciplinas socioculturais e científicas com módulos tecnológicos específicos, bem como formação em contexto de trabalho.Os cursos profissionais constituem atualmente a maioria das opções de EFP no ensino secundário, com uma oferta significativa por parte das escolas públicas. Por exemplo, no ano letivo de 2023/2024, 84% dos estudantes do EFP estavam inscritos em cursos profissionais. Daquele universo, 59% frequentavam escolas públicas, o que representa um aumento significativo em relação aos 8% registados em 2000/2001.O aumento do peso do ensino e formação profissional que se regista desde o início deste século foi impulsionado por fatores muito diversos, a começar pela abundância de fundos europeus. A falta de atratividade e adequação dos percursos académicos tradicionais para alguns alunos, sobretudo os que se encontravam em risco de abandono escolar, e eram 39%, foi uma dos principais razões, a que se liga, em 2009, o aumento da idade de escolaridade obrigatória dos 15 anos (9º ano) para os 18 anos (12º ano). Isto exigiu a criação de oferta formativa com equivalência ao secundário e com competências mais especializadas para facilitar a transição para o mercado de trabalho, o que ajudou também a aumentar a adesão dos alunos.