Meios de transporte públicos dependentes de eletricidade tiveram de parar no dia do apagão. Lisboa, 28 de abril de 2025
Meios de transporte públicos dependentes de eletricidade tiveram de parar no dia do apagão. Lisboa, 28 de abril de 2025Foto: Reinaldo Rodrigues

1OUT Rede elétrica espanhola escapa a corte no rating cinco meses após o grande apagão ibérico

Moody's subiu rating soberano de Espanha, salvando a Red Eléctrica de um corte imediato. Indemnizações preocupam, mais a dívida no valor de 1,1 mil milhões de euros que vence nos próximos 12 meses.
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Cinco meses após o grande apagão elétrico de 28 de abril de 2025, que deixou às escuras Espanha e Portugal e interrompeu as telecomunicações durante quase 12 horas, a empresa que está a ser investigada como principal responsável na falha geral, a Red Eléctrica de Espanha (congénere da portuguesa REN) conseguiu escapar, uma vez mais, a um corte no rating (nota da qualidade da dívida), indica a agência de notação financeira Moody's.

A subida do rating do governo de Espanha, o principal acionista da Red, promoção que foi decidida na sexta-feira 26 de setembro de 2025, parece ter evitado uma desclassificação no nível de qualidade do crédito da empresa, pelo menos por agora.

Isto ajuda a empresa a poupar substancialmente nos juros e a contar o custo dos novos empréstimos, o que é importante pois tem volumes significativos de dívida para rolar e reembolsar aos credores.

A Red Eléctrica de Espanha recebeu no início de maio, logo depois do apagão, um primeiro aviso da Moody's, que mudou a perspetiva (outlook) do rating para "negativo". Agora, tudo se mantém: a nota continua no nível Baa1, assim como o outlook "negativo". Mas há novos avisos.

De acordo com a Moody's, esta segunda avaliação ao rating pós-apagão (concluída a 29 de setembro) "apesar do perfil de crédito do Governo de Espanha e da capacidade em suportar a Red Eléctrica terem melhorado" – reflexo da recente subida do rating soberano espanhol para A3 –, a qualidade do crédito da empresa "continua sob pressão".

"Isto deve-se ao risco ligado ao aumento dos investimentos que pode levar a um acréscimo na alavancagem financeira e aos passivos que podem surgir na sequência de eventuais pedidos de indemnização caso a Red Eléctrica seja considerada responsável pelo apagão em Espanha e Portugal a 28 de abril de 2025".

Primeiro, os analistas da Moody's reparam que "as receitas da Red Eléctrica no período de 2026 a 2031 podem não ser suficientes para suportar os elevados níveis de investimento necessários nos próximos anos".

Tendo em conta que o plano nacional da rede para 2025-2030, publicado em setembro de 2025, "prevê 13,6 mil milhões de euros em investimentos em [redes de] transmissão, um aumento de 65% face ao período anterior (2021-26)", "na ausência de medidas de reforço do balanço, o rácio dos fundos das operações (FFO) do grupo, ajustado pela Moody’s, sobre a dívida líquida pode cair abaixo do nosso limite de 14%", o valor compatível com o rating atual (Baa1).

Investigações ainda em curso

A avaliadora da dívida recorda que "as investigações sobre as responsabilidades pelo apagão que afetou Espanha e Portugal a 28 de abril de 2025 estão em curso".

"Caso as investigações comprovem a responsabilidade da Red Eléctrica no incidente, a empresa pode ser multada até 60 milhões de euros e obrigada a indemnizar os danos sofridos por terceiros. Embora o impacto financeiro da multa seja pequeno, considerando a dimensão da Red Eléctrica, as indemnizações por danos podem ser elevadas", consideram os avaliadores.

Sendo verdade que a Red tem seguros contratados para este tipo de eventos, "os sinistros podem exceder as coberturas e a empresa continuar exposta ao risco de litígios prolongados", acrescenta a agência.

A Red é controlada pelo Estado espanhol que "tem uma participação de 20% na Sociedad Estatal de Participaciones Industriales, uma holding do Governo de Espanha", diz a Moody's.

"No entanto, com base na nossa expectativa de probabilidade moderada de um apoio governamental em caso de dificuldades financeiras e de uma dependência muito elevada em relação ao incumprimento governamental, o rating Baa1 atual não inclui qualquer subida" desta nota relativa à qualidade da dívida da companhia.

Assim, "dada a perspetiva negativa, não se prevê qualquer subida do rating".

Segundo a Moody's, a 30 de junho de 2025, a Red Eléctrica tinha fundos de 573 milhões de euros em caixa e os níveis de liquidez foram reforçados na sequência de "uma obrigação verde de 500 milhões de euros emitida a 22 de setembro de 2025".

"Estes fundos proporcionam uma reserva de liquidez adequada para os próximos 12 meses", mas, em todo o caso, o grupo tem de pagar dívidas no valor de 1,1 mil milhões de euros que vencem nos próximos 12 meses, de acordo com a informação da agência de ratings.

Governo espanhol atribui culpas diretas à Red

Recorde-se que em junho, o governo de Pedro Sánchez divulgou os primeiros resultados do relatório técnico que visa apurar os contornos e as causas do grande apagão.

Na altura, a ministra da Transição Ecológica de Espanha, Sara Aagesen, esclareceu que, desse trabalho técnico, ficou a certeza de que não houve ciberataques, mas que foram detetadas "vulnerabilidades, falhas ou má configuração das medidas de segurança que podem expor as redes a riscos futuros".

Aagesen reconheceu que o sistema não tem "capacidade suficiente de controlo da tensão", uma fragilidade que a empresa Red Eléctrica tem tentado resolver desde 2021, solicitando à Comissão Nacional dos Mercados e da Concorrência (CNMC) alterações de fundo a regulamentos que considera "obsoletos". No final de 2024, a CNMC entregou uma proposta de resolução para reformar os referidos regulamentos, mas estes ainda não foram aprovados pelo executivo de Madrid.

Seja como for, a ministra atribui responsabilidades diretas à Red Eléctrica no caso do apagão pois o relatório conclui que houve planeamento inadequado do sistema, depois de uma das centrais elétricas em Espanha ter acusado "uma indisponibilidade" na véspera do apagão.

"A REE decidiu reprogramar, mas não substituir, as necessidades do parque técnico nas horas críticas do dia 28", atirou a ministra.

Segundo a governante, no referido planeamento "insuficiente" está o facto grave de uma das centrais elétricas ter sido desligada da rede nacional espanhola (e internacional, afetando diretamente Portugal com a instabilidade gerada, como se viu nesse dia), sendo que as restantes centrais em operação "não tinham capacidade para absorver toda a energia reativa prevista", explicou a ministra.

Com todo o sistema elétrico desequilibrado e por razões de alta segurança, as centrais cortaram o fornecimento de eletricidade à rede, fenómeno que se propagou quase imediatamente a Portugal, tendo em conta que o país está integrado na rede ibérica a 100%.

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