Desde 2015, o primeiro ano sem ajustamento da troika, que as contas públicas do país não registavam um défice no arranque do exercício orçamental..O Ministério das Finanças indicou ontem que, por causa da pandemia e das medidas para segurar a economia, a despesa aumentou muito e a receita caiu a pique, sobretudo nos impostos cobrados, relevando o caso do IVA..Assim, os dois primeiros meses deste ano registaram um défice de 1153 milhões de euros. Estes dois primeiros meses de 2021 são marcados pelo confinamento contra a terceira vaga da covid-19..Não é comum haver um défice logo no arranque do ano pois muitas rubricas da despesa só costumam ser acertadas mais no final do ano e a coleta de impostos só se começa a revelar desfavorável (ou não) mais a partir de março e abril, quando começam a ser feitos os primeiros acertos de impostos..Mas neste ano é diferente. Depois de um mês de janeiro ainda com excedente (mas já em queda face ao mesmo mês de 2020), o défice apareceu logo e em força com a execução de fevereiro..Em força também porque, face a fevereiro do ano passado, a situação degradou-se brutalmente. Fevereiro de 2020 foi o último mês antes de começar a pandemia..É preciso recuar seis anos para encontrar um início de ano orçamental negativo ao nível do saldo orçamental (lógica da contabilidade pública, a das receitas que efetivamente entram e das despesas que são de facto registadas)..Em fevereiro de 2015, estava Portugal a dar os primeiros passos fora das baias de segurança e das fortes restrições impostas pela troika, as contas públicas ainda registaram um défice de 229 milhões de euros. Seis anos volvidos, chega-se ao final de fevereiro com um défice cinco vezes maior..Hoje, sexta-feira, o INE deverá divulgar previsões do governo para o ano corrente ao nível do défice, da dívida e do crescimento da economia, no âmbito da primeira notificação de 2021 relativa ao Procedimento dos Défices Excessivos..Receita fiscal afunda.O Ministério das Finanças explicou que o reaparecimento do défice numa altura destas foi um reflexo de vários fatores. Um dos mais significativos foi a forte quebra da receita fiscal, que afundou 17,4%..Esta forte erosão da receita de impostos contribuiu para o desaparecimento do excedente orçamental (no ano passado, por esta altura, rondou os 1351 milhões de euros).."A degradação do défice traduz a significativa contração da receita (-11,8%) e o forte crescimento da despesa primária (+6,9%), reflexo dos impactos negativos na economia (como evidencia a redução da receita fiscal e contributiva) e das medidas extraordinárias de apoio a famílias e empresas", dizem as Finanças.."Na sequência do abrandamento da atividade económica, a receita fiscal recuou 17,4%, com a generalidade dos impostos a evidenciar quebras"..O ministério destaca a redução de 12,7% do IVA em termos comparáveis, valor que está ajustado do efeito dos planos prestacionais e da prorrogação de pagamento até 31 de março. Já os descontos para a Segurança Social caíram 2,2%..A despesa primária (sem contar com os juros da dívida) cresceu 6,9% nos dois primeiros meses em análise, com o "significativo crescimento da despesa da Segurança Social" (+13,5% ou mais 578 milhões de euros).."Excluindo as medidas específicas da covid-19, destacam-se os acréscimos na despesa com prestações sociais (6,5%), sobretudo com prestações de desemprego (37,8%)", acrescentam as Finanças..A despesa do SNS cresceu a um ritmo recorde de 10,5%, principalmente pelo aumento muito elevado das despesas com pessoal (10,1%). As Finanças acenam com "o reforço expressivo do número de profissionais de saúde em 8%" (mais 10786 trabalhadores face a fevereiro de 2020), "tendo atingido um máximo histórico a nível global e nas principais carreiras"..E sublinha ainda o "significativo aumento de 64,6% da despesa com investimento no SNS"..O ministério também deu conta dos primeiros dados sobre a despesa covid em janeiro e fevereiro. "Nos dois primeiros meses do ano, a despesa total com medidas extraordinárias covid-19 de apoio às empresas e às famílias ascendeu a 1091 milhões de euros."."As medidas de apoio às empresas e ao emprego somaram 663 milhões de euros, destacando-se o programa Apoiar (345 milhões de euros), o lay-off simplificado (135 milhões de euros) e o apoio extraordinário à retoma progressiva de atividade (116 milhões de euros)", diz a nota oficial..Do lado da receita, também em janeiro e fevereiro, "as medidas de prorrogação de pagamento de impostos, suspensão de execuções fiscais e isenção da TSU - medidas que apoiam a tesouraria das empresas e ajudam ao rendimento das famílias - ascenderam a cerca de 438 milhões de euros"..Luís Reis Ribeiro é jornalista do Dinheiro Vivo