O país das uvas vai vender mais à China. Carros e portos ficam no horizonte
Portugal, o país das uvas na tradução literal do nome do país a partir do mandarim, vai entrar no mercado da fruta do império do meio, depois de já este ano ter conseguido chegar ao termo de um processo de vários anos para garantir a passagem de exportações de carne de porco para a China. É mais uma concessão no quadro das promessas de maior abertura comercial da parte chinesa, que neste momento trava uma guerra comercial, em tréguas temporárias, com os Estados Unidos.
O setor agroalimentar é um prato forte da cooperação luso-chinesa no plano de novas concretizações de promessas de um maior relacionamento económico e comercial entre Portugal e China, com a visita do Presidente chinês, Xi Jinping, a Portugal. A deslocação, com uma delegação empresarial e política de peso, fechou com 17 acordos, esta tarde, no Palácio Nacional de Queluz. Para o futuro, ficam expectativas de investimento nas áreas de infraestruturas, automóvel e mobilidade elétrica, as grandes áreas para as quais Lisboa espera atrair Pequim.
Para o primeiro-ministro António Costa, foi dado um "salto em frente" na abertura de mercados. O ministro da Agricultura, Capoulas Santos, fechou com a China um protocolo que estabelece quais os requisitos fitossantitários a que os exportadores portugueses de uvas de mesa terão de obedecer para vencerem as barreiras das alfândegas chinesas. Já vários países europeus vendem fruta à China, inclusivamente citrinos, um mercado que tem conhecido um forte aumento das importações. Mas para Portugal será o primeiro passo neste tipo de bens.
Lisboa quer investimentos de raiz na agroindústria nacional, e tanto melhor se tiverem uma componente tecnológica. Aqui, entra A COFCO International, que anunciou a instalação de um centro de serviços partilhados para importações e exportações de bens agroalimentares em Matosinhos, no Centro Empresarial Lionesa. O acordo foi assinado com a AICEP, e a COFCO, já presente em 35 países e com um quadro global de pessoal de 12 mil pessoas, espera agora dar emprego a 150 funcionários (400 ao final de quatro anos de operações) em áreas que vão das tecnologias de informação, ao procuremen', recursos humanos e financeira.
"Permitirá não só criar 150 postos de trabalho novos em Portugal, como também termos uma entidade de serviços partilhados para apoiar a instalação em Portugal de novas empresas chinesas", destacou Costa. "Abrimos a porta não só para reforçar investimentos em ativos onde empresas chinesas já têm vindo a investir em Portugal, mas para termos novos investimentos de raiz a realizar por empresas chinesas em Portugal."
A captação de investimento para a indústria automóvel vai ter de esperar. É essa a grande campanha movida nesta altura pela AICEP junto dos fabricantes chineses, e várias empresas de veículos elétricos chinesas têm-se deslocado a Portugal a convite da Embaixada da República Popular da China para conhecerem o país. Mas o objetivo ainda poderá ter anos pela frente até à concretização.
Mais perto estará o país de obter financiamento público junto de investidores da China. Será em 2019 que a dívida pública portuguesa entra no mercado das chamadas 'panda bonds' - dívida denominada em renminbi, a moeda chinesa, e colocada diretamente no mercado financeiro chinês.
Para o governo português, é um horizonte maior permitido pela subida de alguns "degraus" na parceria estratégica global entre China e Portugal, agora reforçada com a visita de Xi Jinping. António Costa entende que a emissão de dívida soberana portuguesa na China "é de interesse mútuo para a diversificação das fontes de financiamento da economia portuguesa, mas também para colaborarmos na internacionalização do renminibi".
Para apoiar a operação, Caixa Geral de Depósitos e Banco da China assinaram também um protocolo de cooperação técnica, que garantirá não só apoio à emissão do Tesouro como também colaboração para meios de pagamento em renminbi e na atuação em mercados de língua portuguesa onde o banco português tem presença. O caminho para a colocação das obrigações já foi desimpedido pelos reguladores chineses. Falta apenas Portugal decidir o timing da operação, num momento em que a moeda chinesa conhece forte volatilidade.
Também na área financeira, o banco Millenium BCP, participado pela chinesa Fosun, formalizou um acordo com a rede chinesa UnionPay. Permitirá ao BCP emitir cartões de crédito UnionPay - a a rede de uso generalizado na China e cujos terminais são também disponibilizados no exterior do país.
O futuro da rede 5G portuguesa poderá também passar pela China. A Altice assinou um memorando com a Huawei que reforça a parceria já existente entre as duas empresas. O objetivo é adaptar as tecnologias das redes à quinta geração de comunicações e, mais à frente, trabalhar em conjunto por uma licença de espectro para esta rede, indicou Alexandre Fonseca, o CEO da Altice.
Outro acordo que reforça uma parceria já existente é o da empresa espacial portuguesa Tekever e do Centro de Engenharia e Desenvolvimento de Produto com a Academia Chinesa de Ciências para o estabelecimento em Portugal de um Laboratório de Pesquisa e Tecnologia Avançada nos domínios do Mar e do Espaço, o Starlab. O centro de I&D servirá para fabricar microsatélites, conforme já tinha avançado o ministro da Ciência, Manuel Heitor. Para António Costaé "um primeiro passo de produção industrial mista que julgamos muito promissor relativamente às relações futuras".
Também a REN irá reforçar a cooperação com a State Grid na área da investigação e desenvolvimento. E a EDP assinou um memorando sobre responsabilidade social com a China Three Gorges. Os presidentes das duas estatais chinesas estiveram na comitiva que acompanhou Xi Jinping.
O futuro ditará também se alguma empresa chinesa manifestará interesse no desenvolvimento do porto de Sines, depois de Lisboa e Pequim terem hoje assinado o memorando de entendimento para cooperação bilateral na iniciativa Faixa e Rota promovida pela China. É um entendimento em que Portugal se isola de um grande conjunto de países europeus, como Espanha, que no passado dia 28 rejeitou um acordo de molde semelhante.
Para o primeiro-ministro português, o memorando oferece no entanto uma "afirmação estratégica do papel de Portugal na articulação da iniciativa One Belt One Road [Faixa e Rota] com o conjunto da conectividade entre a Europa e a Ásia". António Costa indicou que o objetivo do governo é também que esta se reflita nas ligações aéreas. As ligações aéreas diretas entre Portugal e China encontram-se atualmente interrompidas, depois de a Beijing Capital Airlines ter abandonado a rota Pequim-Lisboa sem adiantar razões para o fim das operações onde mantinha voos com ocupações quase plenas.
Ao contrário de António Costa, o Presidente chinês não detalhou os resultados empresariais e económicos da visita, mas pôs o tom numa declaração sobretudo política. "Testemunhei com o primeiro-ministro António Costa uma série de acordos importantes de cooperação, inclusive o memorando de entendimento Uma Faixa, Uma Rota. Os dois lados ainda vão fazer uma declaração conjunta sobre o reforço da parceria estratégica global. Esta minha visita obteve resultados frutíferos, foi um grande sucesso, gerando forças motrizes para o desenvolvimento da parceria estratégica global China-Portugal. Consideramos que o relacionamento bilateral se encontra no seu melhor momento histórico".
Maria Caetano é jornalista do Dinheiro Vivo