O ganho salarial dos jovens adultos com um curso superior face aos que têm apenas o ensino secundário tem vindo a cair e está em "mínimos históricos, diminuindo de cerca de 50% em 2011 para 27% em 2022", de acordo com o relatório "Estado da Nação sobre Educação, Emprego e Competências em Portugal" da Fundação José Neves (FJN), divulgado hoje.."Se em 2011 um jovem adulto (25-34 anos) com um curso superior tinha, em média, um salário cerca de 50% superior ao de um jovem adulto com o ensino secundário, em 2019 essa diferença diminuiu para 32%", segundo a análise da FJN. Com a pandemia, em 2020 e 2021, a diferença salarial voltaria a aumentar em cerca de cinco pontos percentuais mas, depois disso, a tendência de queda voltou. "Ultrapassada a crise pandémica, o ganho salarial do ensino superior face ao secundário caiu abruptamente para 27%, em resultado da diferente magnitude na queda dos salários em termos reais destes dois grupos", sublinha a FJN no relatório. Ou seja, o ganho salarial dos licenciados face aos que não prosseguem estudos após o secundário "caiu para pouco mais de metade do registado em 2011"..Uma evolução que a não é alheia a perda de poder de compra em Portugal no ano passado. Apesar de os salários nominais terem aumentado 3,6% em 2022, os salários reais caíram 4% por força da subida da inflação. "O impacto foi sentido para trabalhadores com todos os níveis de escolaridade, mas de forma muito pronunciada entre os jovens qualificados (-6%)", sublinha o estudo da Fundação José Neves. Os jovens entre os 25 e 34 anos com o ensino superior viram o seu salário aumentar apenas 1,4% no ano passado, de 1046 para 1061 euros, " o que, ajustado à inflação, se traduziu numa perda de poder de compra de 6%, a maior na população, independentemente das suas qualificações"..Já os que possuem o ensino secundário tiveram, em média, ganhos salariais nominais de 16% entre 2021 e 2022. O que se traduz no mesmo valor do salário real nesses dois anos, de aproximadamente 920 euros, segundo as contas da FJN.."É preciso de facto aumentar a produtividade das empresas para voltar a pagar salários melhores, mas, de qualquer modo, e apesar desta diferença ter diminuído abruptamente neste período, continua sempre a compensar ter mais educação, do ponto de vista salarial", diz ao DN/Dinheiro Vivo o presidente executivo da FJN, Carlos Oliveira. Tanto mais que os dados também indicam que, dentro do ensino superior, o ganho salarial médio de quem conclui mestrado em relação a quem tem apenas uma licenciatura cresceu de 10% em 2011 para 19,3% em 2022, "o valor mais elevado alguma vez registado", sublinha o relatório. Os dados revelam também que após a pandemia, foram os jovens com um curso superior que conseguiram mais facilmente encontrar trabalho. A recuperação da taxa de desemprego após a pandemia foi total em 2022, contra a taxa de desemprego de 18% que se verificou naqueles que possuem menos qualificações. "Já entre os menos qualificados, que à partida serão também os mais novos deste grupo, a taxa de desemprego era, em 2022, ainda significativamente superior à de 2019: 13% em 2019 e 18% em 2022", sublinha a FJN.."Vemos aqui também a importância de medidas de qualificação dos jovens e do alinhamento destas qualificações com aquilo que o mercado de trabalho procura", frisa Carlos Oliveira..Nesta terceira edição do "Estado da Nação sobre Educação, Emprego e Competências em Portugal", as atenções voltaram-se ainda para o potencial de digitalização das empresas nacionais. Durante a pandemia assistimos a uma maior intensidade digital, mas no final do ano passado esta já estava em linha com a tendência de aumento verificada entre 2017 e 2019..Assim, em 2022, Portugal ocupava a 16ª posição do ranking dos países da União Europeia com maior peso do emprego em setores tecnológicos e intensivos em conhecimento, embora, como diz o relatório, continue "muito aquém dos cinco países da União Europeia com maior peso do emprego em setores tecnológicos e intensivos em conhecimento, que tinham uma média de 57% no mesmo ano"..A análise da FJN garante que a digitalização "continua a crescer a um ritmo superior ao previsto para a década", mas alerta para o facto de ainda haver um enorme potencial nesta área, que precisa de ser explorado. Tanto ao nível das empresas - 48% tem um nível de digitalização baixo - como dos trabalhadores. "Quatro em cada dez estão em empregos que não utilizam tecnologias digitais ou que fazem uma utilização muito básica"..Carlos Oliveira vai mais longe, afirmando que "quatro em cada dez adultos portugueses não têm competências digitais básicas". "Numa altura em que, de facto, este é um tema fundamental, temos ainda uma parte significativa da população ou a não utilizar no seu trabalho estas tecnologias ou a não ter essas competências para as poder usar", lamenta o responsável, apontando para a existência de "uma enorme necessidade e oportunidade". "As empresas mais digitais pagam efetivamente melhores salários aos seus trabalhadores, são muito mais produtivas e resistem melhor à pandemia", afirma..O presidente executivo da fundação diz ainda que uma empresa com um índice médio de digitalização tem cerca de 20% mais de produtividade do que uma empresa com baixo índice. Ainda neste indicador, o relatório afirma ser necessário "acelerar a formação dos portugueses para responder ao emprego dos especialistas em TIC, que cresceu a um ritmo cinco vezes superior ao do emprego geral entre 2014 e 2021". Ao mesmo tempo, é necessária uma maior integração de mulheres, que são atualmente menos representadas em profissões mais digitais. "Por cada dez pontos percentuais de índice de digitalização de uma empresa, isto reflete-se num salário superior em 4,5% também na média", afirma Carlos Oliveira, que apelida de "ciclo virtuoso" a transformação digital nas empresas, uma vez que culmina em maiores salários o que acaba por tornar as ditas empresas mais competitivas..No entanto, a utilização do digital deve começar na educação, ressalva Carlos Oliveira, recordando que apenas uma minoria dos portugueses utiliza tecnologias digitais na aprendizagem escolar. O que se deve, grandemente, a "um sistema de educação que ainda não acomoda nem metodologias, nem curricula adaptados à disponibilidade destas tecnologias"..O que remete para a necessidade, segundo o responsável, "de o país, de uma vez por todas, olhar para a educação de uma forma estratégica e não apenas para as questões conjunturais, por muito importantes que elas sejam". E justifica com a queda de 18% na área de formação de professores. "Portugal tem a classe docente mais envelhecida da União Europeia e que apesar do número de inscritos em licenciaturas ter aumentado 8% entre 2013 e 2021, nas que dão acesso á profissão de professor, houve uma queda, e isto tem muito a ver com a falta de atratividade da profissão para os jovens"..Carlos Oliveira afirma que é imperativo que o sistema de ensino nacional deixe de ser o mesmo do século XVIII e que é necessária mais inovação na educação em Portugal. "Precisamos de experimentar novos sistemas, novos modos e novas metodologias e o sistema nacional de educação tem que aprender e perceber como é que pode incorporar mais rapidamente inovação no sistema". Só assim, afirma, Portugal terá um sistema educativo que dá aos portugueses as competências que lhes vão permitir ter um futuro melhor e um país que evolui. Em resumo, conclui o responsável da FJN, é necessária uma visão da mudança e uma visão estratégica de médio e longo prazo para que tudo seja feito já em alinhamento com uma estratégia muito mais bem definida e de futuro..Mónica Costa é jornalista do Dinheiro Vivo