Eleições presidenciais sem voto por correspondência. Emigrantes exigem opções mas "é tarde demais"
Com a segunda vaga a aproximar-se e as restrições e apelos de distanciamento social a aumentarem, surgem também algumas dúvidas em torno do processo eleitoral, onde é habitual filas e aglomerações de pessoas. As eleições presidenciais portuguesas serão num domingo de janeiro de 2021 (depois de dia 10), mas, de acordo com o Ministério da Administração Interna, há poucas soluções possíveis para minimizar os riscos e oferecer mais hipóteses de voto para os cidadãos, isto porque nuns casos seria necessário alterar a lei eleitoral, algo que ainda não aconteceu, noutros a própria Constituição da República.
Uma das alterações mais relevantes já está em marcha - foi aprovada no Parlamento dia 9 de outubro - e vai permitir que o voto antecipado em mobilidade possa ser feito não só nas sedes de distrito, mas também nas sedes de concelho (veja mais sobre a alteração no final do artigo). Essa solução foi já usada nas eleições legislativas regionais dos Açores deste fim de semana, já que no domingo anterior foi possível a mais de 3500 dos 228 mil eleitores votarem nas sedes de concelho, evitando aglomerações maiores nas sedes de distrito.
Nos Estados Unidos o voto por correspondência ganhou uma dimensão nacional e relevante este ano por causa da pandemia. Na verdade, as eleições entre Trump e Biden são já na próxima semana, a 3 de novembro, mas os 240 milhões de cidadãos elegíveis para votar (são 257 milhões com mais de 18 anos, mas nem todos fizeram o registo necessário para serem eleitores) começaram há vários dias a escolher o próximo presidente dos EUA. Até agora, a 6 dias das eleições, já votaram mais 75 milhões de eleitores, dividindo-se entre diferentes tipos de votos por correspondência, uns são devolvidos por correio, outros colocados em caixas eleitorais espalhadas por vários Estados.
Em Portugal nada disso é possível, especialmente na eleição para o Presidente da República. "De acordo com o n.º 3 no artigo 121.º da Constituição da República, na eleição para a Presidência da República o direito de voto é exercido presencialmente no território nacional", explica-nos a Secretaria Geral da Administração Interna. Ou seja, não há qualquer hipótese do voto por via postal ou com impressão remota - inclusive com apoio de tecnologia ou de envio online de boletim de voto - possam ser usadas no país ou fora dele, isto sem uma alteração constitucional no caso interno do país e alteração legislativa no caso das comunidades que vivem fora do território nacional.
Na Lei eleitoral do Presidente da República, o decreto lei 319-A/76 diz que no caso dos votos dos emigrantes "tem de ser presencial numa mesa de assembleia de voto" - costuma ser nos consulados - algo diferente do que se verifica noutras eleições nacionais. Isso invalida o voto por correspondência, que foi o método usado com as comunidades de portugueses fora do país nas Legislativas de 2019.
O Conselho Regional das Comunidades Portuguesas na Europa (CRCPE) deixa o alerta para a "importância" de assegurar "a diversidade geográfica da abertura das mesas de voto", mas também "voto por correspodência" nas próximas eleições presidenciais, "sob pena de se observar uma elevada abstenção". Mas o aviso vai mais longe e Pedro Rupio, presidente da CRCPE, admite ao Dinheiro Vivo que está preocupado por não haver voto por correspondência previsto na legislação para as Presidenciais. "Votar presencialmente no estrangeiro é muitas vezes sinónimo de deslocações de várias dezenas ou mesmo de centenas de quilómetros", lembra o responsável.
"Queremos uma combinação do voto presencial e do voto por correspondência, mas também voto electrónico à distância, em que o eleitor escolhe a opção que lhe for mais conveniente", explica Pedro Rupio, que enviou um ofício à secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, Berta Nunes, com estes pedidos. "Estamos a analisar e continuamos focados em aperfeiçoar a legislação", indica-nos a secretária de Estado, que admite que uma alteração legislativa para permitir o voto por correspondência cabe à Assembleia da República "e, agora, já deve ser tarde demais".
Com o processo legislativo na Assembleia da República suspenso até novembro, já que decorre nesta altura os procedimentos relacionados com o Orçamento do Estado, qualquer alteração que pudesse ser feita em dezembro já seria tarde demais para as Presidenciais, indica-nos o assessor parlamentar do PS, António Cancela. Além disso, nenhum partido manifestou intenções de apresentar esse tipo de proposta e o próprio PS "não vai fazer qualquer proposta nesse sentido".
Sobre o voto por correspondência usado nas Legislativas de 2019, a alteração que permitiu o recenseamento automático dos emigrantes, levou a que ficassem desde logo registados 1,4 milhões de eleitores (antes eram 300 mil). No entanto, problemas nos correios, moradas erradas, entre outros, levou a que só 158 mil pessoas tenham votado (ainda assim bem mais do que os 28 mil de 2015) e 87 mil boletins de voto tivessem sido devolvidos.
A este propósito a CNE admitiu-nos já que muitos dos problemas que aconteceram com o voto por correspondência nas últimas Legislativas podiam ter sido evitados com o tal envio online do boletim de voto para impressão no local. Mas para o conseguir também era preciso alteração legislativa, o que também não está nos planos nem irá acontecer a tempo das Presidenciais.
A Administração Eleitoral da Secretaria Geral da Administração Interna admite-nos que "tem acompanhado as soluções implementadas por outros países para as eleições realizadas em contexto de pandemia", "bem como as evoluções técnicas implementadas para apoio à realização desses atos eleitorais". E explica mesmo que a aposta da maioria dos atos eleitorais recentes "tem sido no robustecimento dos modos de votação tradicional, como o voto antecipado, o aumento do período de votação no dia da eleição, antecipando a abertura das secções de voto e atrasando o fecho, alargando o dia da eleição para dois ou mais dias, ou pela utilização da votação via postal onde a mesma é legalmente possível".
No entanto, pelo menos a parte de aumentar o número de dias do voto antecipado ficou de fora da recente alteração legislativa.
A chefe de operações na área de eleições da tecnológica Minsait/Indra, Cristina Frutos, admitia-nos há umas semanas que o projeto-piloto realizado no distrito de Évora, nas eleições para o Parlamento Europeu em 2019, com voto eletrónico presencial, "superou as expectativas", mas "não teve continuação com novos testes ou implementação". O Ministério da Administração Interna indica apenas que ele foi possível após aprovação pela Assembleia da República e "o relatório de avaliação deste projeto-piloto foi entregue à AR após o ato eleitoral cabendo à AR determinar, para futuro, o alargamento desta possibilidade".
A experiência de Évora envolveu quase 200 mil eleitores. "Demonstrou que a tecnologia é adequada e útil para as eleições - o sistema de registo centralizado funcionou na perfeição - e as pessoas não são relutantes em usá-la e o mais surpreendente foi ver muita adesão nos idosos, algo impensável há 10 anos", explica Cristina Frutos.
O tal sistema é o que permite que se vote em qualquer mesa de voto, sem ser necessário ir a uma em específico. "Isto facilita a vida dos eleitores que e garante que não há dupla votação, além da contagem dos votos ser imediata". Certo é que o teste fosse feito já em 2020, seria "muito mais amplo e com novas vertentes". A responsável lamenta apenas não ter havido sequência por parte do Estado português, com mais testes piloto. "Não basta fazer um teste, ver que foi bem sucedido e esquecer o assunto".
Tanto a CNE como a Administração Interna parecem não ter dúvidas é na impraticabilidade atual do voto online que já se verifica em países como a Estónia. Não só por ainda não haver confiança suficiente nesse tipo de tecnologia para o voto eletrónico não presencial, como pelo facto da "fiabilidade das nossas eleições atuais serem garantidas pela confidencialidade do voto e em termos a certeza se é mesmo aquela pessoa que vai votar", diz-nos a CNE.
A única alteração significativa à lei eleitoral proposta e aprovada no Parlamento já este mês diz respeito ao voto de doentes ou pessoas confinadas e em isolamento devido à covid-19. A Assembleia da República aprovou a 9 de outubro as propostas do PS e PSD que permitem que o presidente da Câmara ou alguém em sua representação vá à casa da pessoa em questão entre quatro e cinco dias antes do dia das eleições para permitir o seu voto. O PSD quer que haja um acompanhamento por elementos das forças de segurança e autoridades sanitárias. A alteração serve já as eleições presidenciais de janeiro, com o PS a querer que sejam só nessas e o PSD a preferir que se mantenham no futuro.
Tal como já referimos, foi também aprovado o tal diploma apresentado pelo PS que permite aumentar o número de locais de voto antecipado em mobilidade, de um por distrito para pelo menos um por município, já assim se evita situações de congestionamento e maior celeridade no processo, "especialmente relevante no cenário pandémico em curso". Os projetos de lei vão agora descer à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e há um compromisso entre PS e PSD para tornar os diplomas uma realidade. Segue-se uma votação final global e promulgação pelo Presidente da República.