Acórdão do Supremo pode levar a corrida aos tribunais contra Alojamento Local
Supremo Tribunal de Justiça uniformiza jurisprudência contra Alojamento Local em prédios de habitação. Decisão agrada a proprietários mas não assusta a associação do setor.
Não é o fim do Alojamento Local (AL), mas mais um travão à sua atividade. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que uniformiza jurisprudência e estabelece que não é possível existir AL em prédios de habitação caiu que nem uma bomba num setor que se tem visto a braços com regras cada vez mais apertadas. Além da certeza - por parte de associações, advogados e de um dos próprios juízes que votou o acórdão -, de que o número de processos contra os AL vai disparar, há ainda algumas dúvidas em cima da mesa.
O jornal Público revelou, ontem, parte de um acórdão do STJ que define a "licitude de todas as explorações de AL instaladas em frações autónomas de imóveis constituídos em propriedade horizontal destinadas a habitação, ainda que registadas e com título de abertura ao público, podendo qualquer condómino isoladamente exigir a cessão de tal atividade".
Isto não significa que o AL esteja proibido e a decisão diz respeito apenas a situações de litígio em tribunal. "Temos de ter a consciência de que um acórdão não é uma lei, a lei não foi alterada e vai manter-se. Os tribunais passarão a decidir de uma forma mais uniforme do que acontecia até aqui - que se dividiam relativamente a esta matéria ", explica Vítor Amaral, advogado e presidente da Associação Portuguesa das Empresas de Gestão e Administração de Condomínios (APEGAC).
O responsável acredita que esta decisão vai potenciar o conflito entre os proprietários de AL e os restantes vizinhos. "Muitos condóminos que se sentiam descontentes e afetados com o AL vão querer reagir porque ficam escudados por esta decisão", diz.
O presidente da APEGAC defende que "é quase inevitável"que o número de processos em tribunal aumente, opinião partilhada por Margarida Osório de Amorim, sócia e advogada de imobiliário e turismo da PLMJ.
"O acórdão não pode introduzir nenhuma alteração ao regime do AL. Vai potenciar, de uma forma que nem sequer conseguimos estimar, o número de queixas e de pedidos de cessação de exploração de frações autónomas em prédios habitacionais", refere.
Já o presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP), Eduardo Miranda, tem opinião contrária e prevê que os elevados custos associados aos processos possam demover as queixas.
A lei do AL, alterada em 2018, permite já que em caso de conflito possa ser solicitado junto das câmaras municipais o cancelamento de um AL caso mais de metade dos condóminos assim concordem. Eduardo Miranda explica que em quatro anos apenas foram apresentadas 50 queixas, maioritariamente em Lisboa e no Porto e assegura que os conflitos têm sido, na sua maioria, resolvidos.
"Existe este lado teórico e jurídico da lei e existe o mundo prático. No mundo prático o que observamos é que a lei de 2018 já trouxe uma solução que é a possibilidade de o condomínio fazer diretamente a reclamação com a câmara municipal sem custos, de uma forma simplificada. Desde essa altura desapareceram as ações em tribunal porque o tribunal tem custos elevados para o condomínio e demora o seu tempo", justifica.
Vítor Amaral discorda e admite que a justiça é "cara e muitas vezes inibidora" mas acredita que "quem se sente realmente lesado" vai avançar para tribunal aproveitando os argumentos do acórdão.
Apesar de não acreditar que o acórdão do STJ tenha um real impacto no número de processos, Eduardo Miranda admite que o AL fica mais "fragilizado" e o coloca numa "grande incerteza" ficando "à mercê dos humores e das guerras do condomínio".
O presidente da ALEP pede que a lei seja revista para clarificar as dúvidas. "É uma situação que preocupa e tem de ser resolvida numa revisão da lei para clarificar e para retirar esta incerteza, para não haver esta lógica de que a qualquer momento o condómino pode entrar com uma ação e encerrar um alojamento local que muitas vezes é o ganha-pão e o sustento das pessoas".
ANP aplaude acórdão
A Associação Nacional de Proprietários (ANP) aplaude a decisão do STJ e lamenta a demora na decisão. "É triste que havendo poder legislativo e poder executivo nada tenham feito para por ordem nisto até agora. Teve de ser o poder judicial, assoberbado com imensos processos, que fez de poder legislativo e de poder executivo. Alguém falhou", acusa o presidente da ANP.
António Frias Marques diz que o acórdão vem trazer "sossego" aos prédios e aos seus habitantes. "Nos edifícios habitacionais moram portugueses que querem descansar à noite, querem ter sossego com a família e estão permanentemente a ser incomodados por grupos, normalmente de estrangeiros, que se deslocam em aviões low cost com partidas de madrugada e que acordam o prédio todo a essa hora, com as malas e os TVDE a fazer barulho e se comportam de uma forma menos própria", aponta. O líder da ANP defende que o AL é "um negócio e não uma habitação".
Já a sócia na área de imobiliário e turismo da PLMJ, Margarida Osório de Amorim, defende que o acórdão do STJ é "um travão significativo ao desenvolvimento de uma atividade bastante benéfica para o país".
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Rute Simão é jornalista do Dinheiro Vivo