Por entre receios e acusações de cobaias, jogadores ingleses recusam treinar

Kanté foi dispensado pelo Chelsea por temer ser infetado e ter um passado familiar suspeito; Troy Deeney não voltou por ter um bebé com problemas respiratórios e Danny Rose vê os jogadores estarem a ser tratados como ratos de laboratório.
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O medo do contágio por coronavírus está a marcar o regresso aos treinos das equipas inglesas, numa altura em que apesar de ainda não existir uma data confirmada para o regresso do campeonato, é apontado o dia 12 de junho para o retomar da competição. Mas na Premier League existe uma espécie de rebelião de alguns jogadores, que pelos mais diversos motivos estão a rejeitar treinar-se em grupo.

O Chelsea confirmou esta quinta-feira de forma oficial que N"Golo Kanté foi dispensado dos treinos do clube londrino, depois de assumir estar com receio da evolução da pandemia no Reino Unido. Mas não é um caso isolado no país. Também Troy Deeney, capitão do Watford, pediu dispensa dos treinos nesta semana.

Ambos reclamaram motivos válidos. O caso do francês do Chelsea está relacionado com uma eventual questão genética, pois perdeu o pai quando tinha 11 anos e o irmão, Niama, morreu de ataque cardíaco há dois anos. Em março de 2018, Kanté desmaiou no balneário do centro de treinos do clube londrino, apesar de exames posteriores não terem acusado qualquer problema cardíaco.

Já Troy Deeney anunciou nesta semana que não ia participar nos treinos do Watford para proteger o seu filho de cinco meses, que sofre de dificuldades respiratórias. Em ambos os casos, os clubes entenderam os motivos dos futebolistas.

Na segunda-feira, os clubes ingleses, com o OK do governo, retomaram os treinos, apesar de serem realizados com grandes limitações. Depois de uma paragem de cerca de mais de dois meses, este parecia ser um passo importante rumo à normalidade dos clubes de futebol. Só que na terça-feira, a Premier League anunciou que após a realização de 748 testes a jogadores e funcionários de clubes, foram detetados seis casos positivos - três deles no Watford, dois técnicos adjuntos e o defesa central jamaicano Adrian Mariappa.

Antes de serem conhecidos os resultados dos testes, já Troy Deeney tinha decidido que não ia regressar aos treinos. "Disse ao clube que não ia. O meu filho de cinco meses tem problemas respiratórios e por isso não quero ir treinar para voltar para casa e colocá-lo em perigo", justificou o jogador de 31 anos.

"Não posso ir cortar o cabelo até meados de julho, mas já podia meter-me num campo a saltar de cabeça com mais 19 jogadores" atirou ainda o jogador do Watford, lembrando as preocupações anunciadas há semanas por vários médicos de clubes ingleses através de um documento escrito. "As etnias negras e asiáticas têm quatro vezes mais probabilidades de serem contagiadas e o dobro de probabilidades de contrair doenças duradouras. Quando falámos através de videoconferência coloquei questões muito simples. Haverá exames complementares? Vão ser feitos exames cardíacos?", acrescentou.

O francês N"Golo Kanté chegou a participar no treino do Chelsea na terça-feira. Mas no dia seguinte já não voltou, numa decisão que foi apoiada pelo treinador Frank Lampard. O francês levou um plano de trabalhos e exercita-se em casa.

Tal como Frank Lampard, vários treinadores colocaram a decisão de treinar nos jogadores. Foi o caso de Jurgen Klopp, técnico do Liverpool, o atual líder da Premier League. "Antes do treino perguntei-lhes: estão aqui por vontade própria? Habitualmente quando assinamos um contrato somos obrigados a cumprir as regras e estar aqui, mas neste caso, se não se sentirem seguros, não são obrigados a estar aqui. Não há castigos. Respeitamos a decisão de cada um."

Cobaias, acusa Danny Rose

Em Inglaterra foram muitas a vozes críticas relativamente ao regresso aos treinos dos clubes. Uma das respostas mais duras surgiu através de Danny Rose, futebolista do Newcastle, que esta semana se mostrou muito crítico com o regresso do futebol, considerando que os jogadores estavam a ser tratados como cobaias.

"Quero muito regressar ao futebol, mas como as coisas estão a acontecer agora, onde pessoas estão lutar contra a pandemia do coronavírus... querem que os jogadores sejam cobaias ou ratos de laboratório. Vamos experimentar e ver como corre. Imagino as pessoas em casa a dizerem: 'eles ganham tanto dinheiro por isso devem voltar'. Por comentários como este, acho que não vale a pena. Vou arriscar a minha vida e daqueles que me rodeiam para entreter as pessoas?", questionou Rose no podcast The Lockdown Tatics. Craques como Sergio Agüero e Sterling também fizeram questão de mostrar a sua preocupação.

De acordo com a imprensa inglesa, pelo menos nove clubes da Premier League terão comunicado aos jogadores que estavam à vontade para decidir se queriam ou não jogar, por terem receio de contagiar familiares. Um desses emblemas foi o Aston Villa, pela voz do diretor executivo Dean Smith

"Temos de ouvir os jogadores e as suas preocupações. Temos um jogador que é asmático, temos outro cuja sogra está doente e vive com a família. Por isso, temos de ser muito cuidadosos, especialmente com o contágio, porque isto não conhece barreiras", disse.

O regresso dos campeonatos de futebol em junho faz parte da segunda etapa do plano de desconfinamento do Reino Unido, onde já morreram mais de 36 mil pessoas entre mais de 251 mil casos de infeção por covid-19 confirmados.

A Premier League foi interrompida a 13 de março devido à crise mundial de saúde pública, numa altura em que o Liverpool tinha caminho livre para ser campeão, já que lidera a prova com mais 25 pontos do que o Manchester City, de Bernardo Silva e João Cancelo.

O caso espanhol de Rafael Jiménez 'Fali'

Em Espanha, os treinos também já foram retomados. E tal como em Inglaterra, vários jogadores também revelaram receios. "Será difícil que se reinicie a competição. É possível que possamos treinar e seguir o protocolo sem coincidir com os companheiros e tomando banho em casa, mas na hora de nos reunirmos e viajar será difícil", referiu recentemente o médio do Barcelona, Sergio Busquets.

Mais contundente foi Rafael Jiménez 'Fali', defesa do Cádiz, o atual líder da II Liga espanhola, que declarou não estar disponível para competir nem sequer para treinar. "Eu não vou treinar, não vou jogar. Tenho isso muito claro desde o início. A saúde está sempre em primeiro lugar e, se é verdade que estão 100% seguros de que não vamos expor-nos ao vírus, que coloquem isso no papel. Se acontecer qualquer coisa com um jogador de futebol, que aconteça com eles também", declarou.

Após a declaração de pandemia, em 11 de março, as competições desportivas de quase todas as modalidades foram disputadas sem público, adiadas - Jogos Olímpicos Tóquio2020, Euro2020 e Copa América -, suspensas, nos casos dos campeonatos nacionais e provas internacionais, ou mesmo canceladas.

Os campeonatos de futebol de França, Holanda, Bélgica e Escócia foram cancelados, enquanto outros países preparam o regresso à competição, com fortes restrições, como sucede em Inglaterra, Itália, Espanha e Portugal, que tem o reinício da I Liga previsto para 4 de junho, depois de a Liga alemã ter sido já retomada no sábado.

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