O rei Kazu tem 52 anos e cabelo grisalho, mas vai para a 35.ª época
Miura é um ídolo do futebol japonês. Bateu recordes e terá servido de inspiração ao criador da série infantil sobre futebol conhecida a nível mundial - Oliver e Benji. Joga no Yokohama FC e vai para a 35.ª época.
Quando fez 48 anos, os jornalistas quiseram saber até quando Kazuyoshi Miura ia jogar futebol. "Não tenho ideia. Até quando os clubes me oferecerem propostas...", respondeu o ídolo japonês, confessando que o seu desejo de ser melhor jogador não desaparece com a idade. Ele continua a espalhar talento nos relvados japoneses. A cada ano que passa, todos os dias 11 de janeiro, às 11 horas e 11 minutos, Kazu Miura anuncia que jogará mais um ano. Por isso veste a camisola 11.
Com quase 53 anos (faz dia 26) prepara-se para dar início a mais uma época, a 35.ª da carreira. No domingo, o seu Yokohama FC joga frente ao Vissel Kobe de Iniesta e o mundo já espera pelo duelo entre o génio espanhol (tinha apenas 1 ano quando a estrela japonesa começou a jogar) e Kazu, que tem um problema num quadril e está em dúvida para a estreia do campeonato japonês.
Quer jogar futebol "até morrer" e não está interessado em ser treinador, dirigente ou comentador de televisão. "O meu único desejo é ser jogador de futebol. Até morrer, se possível. Quando morrer, não quero que digam que o ex-jogar Kazu Miura morreu, mas sim que o jogador Kazu Miura morreu. Não imagino como será dizer adeus a 50 mil pessoas num estádio", disse o jogador nipónico numa entrevista ao jornal francês L'Équipe , no ano passado.
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O cabelo grisalho não engana. É sinal dos tempos passados nos relvados. Hoje pode até não ter a capacidade goleadora de outros tempos, mas ele compensa com determinação e experiência. "Preparar-me para fazer 90 minutos é o mínimo. Não posso participar em todos os jogos. Às vezes sou escolhido, outras vezes não", disse o experiente jogador, admitindo que nos últimos anos sentiu "a deterioração" da sua forma física e preparou-se para a combater.
Levanta-se às cinco da manhã para tomar o pequeno-almoço, preparado pelo seu nutricionista pessoal. Depois dos treinos, mergulha as pernas em gelo e bebe uma quantidade anormal de sumo de laranja misturada com uma água gaseificada importada de Itália. Quando o nível de ferro está baixo, vai a um restaurante comer fígado. E se aos 30 era capaz de comer um bolo inteiro sozinho, aos 50 prefere alimentos ricos em proteína e baixa gordura. Filetes de peixe e saladas temperadas com azeite são alguns dos seus segredos. Segundo um site japonês (Spollup), Kazu mede o teor de gordura corporal quatro a cinco vezes por dia.
Tudo por amor ao futebol: "Já me cansei de dizer quanto amo o futebol. Em criança era a única coisa que eu fazia. Pretendo ficar no ativo enquanto meu corpo e a minha paixão o permitirem. Estar em campo aos 50 anos junto com os meus companheiros é uma alegria muito grande. Acho que vou tentar seguir assim até os 60."
Aos 52 anos é o jogador mais velho de sempre a jogar num campeonato profissional. Honra que conseguiu em março de 2017. Então com 50 anos e 7 dias, o japonês superou o britânico Stanley Matthews (50 e 5 dias em 1965). Já o tinha superado como atleta mais velho a marcar um golo em campeonatos nacionais, aos 50 anos e 14 dias. "[Matthews] é uma lenda para nós. Não sinto que o ultrapassei. Fui mais longe, mas nunca chegarei aos calcanhares da sua carreira e de tudo o que ele conquistou. Não se trata de números, mas da maneira como jogas", comentou Miura aos jornalistas locais.
Filho de milionário jogou no Santos
Miura foi quem abriu a porta à internacionalização de futebolistas japoneses quando, aos 16 anos, resolveu seguir a rota da famosa personagem de animação Oliver Tsubasa e emigrar para o Brasil atrás do sonho de se tornar futebolista profissional. Há mesmo quem diga que foi ele quem inspirou Yoichi Takahashi a criar a personagem da mundialmente conhecida série infantil sobre futebol - Oliver e Benji. O assunto virou mito no Japão, apesar de alguma imprensa garantir que a personagem é inspirada em Musashi Mizushima, um japonês que também emigrou para o Brasil e jogou no São Paulo entre 1975 e 1985.
Seja como for, tal como a personagem, foi no Brasil que a aventura profissional do rei Kazu começou e com a mítica camisola do Santos de Pelé. Nascido em Shizuoka, no Japão, em 1967, começou a carreira nas camadas jovens do Shizuoka Gakuen, mas em 1982 mudou-se para o Brasil com a ajuda do pai. Nabuo Naya era um empresário milionário e decidiu apostar no sonho do filho, criando a Associação Nipo-Brasileira de Intercâmbio Futebolístico, que acabaria por levar o jovem Kazu para terras de Vera Cruz. Depois de alguns anos a jogar nos escalões de formação do Juventus, clube de São Paulo, estreou-se no Santos em 1985. Foi no país do ídolo Garrincha que começou a festejar golos com uma espécie de samba, ainda hoje conhecida como dança do Kazu, que em 1993 virou hit nas discotecas japonesas.
Depois voltou ao Japão para jogar no Tokyo Verdy até se aventurar na Europa. Em 1995 assinou pelo Génova (Itália) e tornou-se o primeiro japonês a jogar num campeonato europeu. Como não era opção regular, voltou ao campeonato japonês até ser de novo seduzido por um clube europeu, o Dínamo Zagreb (Croácia), clube pelo qual ganhou a liga croata. "Acho que tive bastante influência para popularizar o futebol no meu país, sim. Se eu não fosse o primeiro, acho que não teríamos tantos jogadores na Europa no momento", disse recentemente numa entrevista.
Kazu voltou definitivamente ao Japão para o nascimento da atual J-League (1993). O regresso ao país de origem não podia ter corrido melhor. Miura foi o melhor marcador e MVP da edição inaugural desse campeonato apesar da presença de craques estrangeiros como Gary Lineker e Zico ou ter sido o primeiro japonês a ganhar o prémio de melhor jogador asiático, nesse mesmo ano.
Com passagens pelos Yokyo Verdy, Kyoto Sanga e Vissel Kobe, em 2005 assinou pelos Yokohama FC. A contratação causou alguma surpresa, uma vez que os fugies tinham sido fundados há pouco tempo pelos adeptos do extinto Yokohama Flugels, que não gostaram da fusão do Flugels com o rival Yokohama Marinos e não tinham aspirações a vencer títulos. Além disso, ele tinha 38 anos e pensava-se que estaria a contar os dias para a reforma. Mas não. Mais de uma década depois, Miura continua a jogar e a representar o Yokohama FC. Acompanhou a equipa na descida de divisão e subiu com ela.
Esteve no Mundial de Clubes em 2005. Os Yokohama emprestaram-no ao Sydnei FC para jogar a prova, fazendo dupla com Dwight Yorke no ataque. Em 2012 foi cedido por uns meses... para jogar fustal. Miura jogou pelo Espolada Hokkaido no Mundial da Tailândia. Foi o atleta mais velho (45 anos) a disputar uma partida num Mundial de futsal, superando o compatriota Satoru Noda, que em 1989 jogou o mundial da Holanda com 44 anos.
Tudo isso ajudou ao crescimento de um ídolo. Kazu Miura é hoje uma das cinco maiores referências do futebol japonês a par de Honda, Kamamoto e Nakamura, só superado por Nakata (chegou a estar indicado para a Bola de Ouro).
Foi internacional por 89 vezes e marcou 55 golos. Esteve no primeiro apuramento do Japão para um Mundial de futebol (1998). Foi uma das figuras do apuramento ao marcar 14 golos na fase de qualificação... mas acabou fora dos convocados. Para surpresa geral, o herói da qualificação, com 31 anos, ficou de fora das escolhas do selecionador Takeshi Okada. "Não tenho espaço para ele no meu esquema de jogo e nem consigo pensar nele como hipótese para sair do banco", justificou o então selecionador, que não ouviu da parte do jogador qualquer palavra de desapreço.
Mesmo assim, o rei Kazu não esconde que ainda "sonha" jogar um Mundial de futebol. O próximo é em 2022 no Qatar, ano em que ele terá 55 anos...