Inédito no futebol português. Marega abandonou o jogo devido a insultos racistas (vídeo)

Jogador do FC Porto cansou-se dos insultos vindos da bancada e decidiu abandonar o relvado, minutos depois de ter marcado o 2-1, que valeu o triunfo aos dragões.
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Não há memória de algo assim no futebol português. Este domingo, Marega decidiu abandonar o jogo por vontade própria, depois de, alegadamente, ter sido alvo de insultos racistas. O maliano cansou-se dos insultos vindas das bancadas - até uma cadeira choveu na sua direção - e escolheu abandonar o jogo.

Os colegas de equipa, bem como os jogadores adversários e Sérgio Conceição tentaram-no demover da ideia, mas Marega estava de cabeça perdida e decidido a abandonar o relvado. Tudo isto perante a passividade do árbitro, que foi depois chamado a atenção por alguns jogadores a dizer que devia ter interrompido o jogo como mandam as regras em caso de insultos racistas.

O treinador do FC Porto teve assim de gastar uma substituição e fazer entrar Manafá aos 71 minutos, para o lugar do avançado, que minutos antes tinha marcado o 2-1, que acabou por dar a vitória ao FC Porto.

No final do jogo, Sérgio Conceição foi a voz da revolta portista:"O que tenho a dizer, perdoem-me de eu não falar do jogo, da dinâmica, das substituições... O jogo passa para segundo plano. Estamos completamente indignados com aquilo que se passou. Sei da paixão que existe aqui no Vitória pelo clube e que a maior parte dos adeptos não se revê na atitude de algumas pessoas que estavam hoje na bancada a insultar desde o aquecimento o Moussa [Marega]. Nós somos uma família independentemente da nacionalidade, da cor da pele, da altura, da cor do cabelo. Nós somos uma família. Somos humanos. Merecemos respeito. O que se passou aqui é lamentável. Lamentável."

Após estas declarações, aos microfones da SportTV, o treinador do FC Porto informou que não iria à habitual conferência de imprensa que acontece após os jogos.

O jogador não perdeu tempo a reagir nas redes sociais e com uma mensagem sugestiva. "Vão-se foder racistas", escreveu no Instagram. Marega dirigiu-se aos adeptos como "idiotas", contestando ainda o comportamento da equipa de arbitragem, liderada por Luís Godinho. "E também agradeço aos árbitros por não me defenderem e por terem me dado um cartão amarelo porque defendo minha cor da pele. Espero nunca mais encontrá-lo em um campo de futebol! Você é uma vergonha!", escreveu o maliano.

"Macaco", "preto", "chimpanzé"

Segundo fonte do FC Porto, os insultos de que o maliano foi alvo no D. Afonso Henriques variaram desde "macaco" e "preto" a "chimpanzé".

Algo que o presidente do Vit.Guimarães presente no estádio não se apercebeu. "Não me apercebi de insultos racistas, apercebi-me de atitude provocatória de um atleta para a bancada. Vamos apurar se houve esses comportamentos. Se houve vamos atuar. O caso não é inédito. O atleta já foi jogador do Vitória e também já quis abandonar uma partida e não teve nada a ver com questões de racismo. Tem a ver com o seu perfil", disse Miguel Pinto Lisboa, prometendo "tomar medidas" se algum dos adeptos vimaranenses estiver envolvido.

Menos de uma hora após o fim do jogo o Sporting veio demonstrar "solidariedade com o jogador Marega do FC Porto e repudiar qualquer ato de racismo e preconceito social". Em comunicado publicado no site oficial do clube, os leões manifestaram "ao jogador, todo o apoio" e consideraram que "as autoridades devem agir em nome de todos aqueles que pretendem elevar o desporto e a sociedade portuguesa".

Federação e Liga pedem justiça

Para o presidente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) é "grave e condenável" assistir a insultos racistas num jogo de futebol. "Os comportamentos racistas são intoleráveis numa sociedade aberta e evoluída", refere em comunicado Fernando Gomes, considerando que nenhum cidadão se pode rever "e muito menos pactuar com atitudes racistas e xenófobas". E que "os autores de insultos racistas devem ser identificados e levados perante a justiça", pois ele, "enquanto presidente da FPF, tudo fará "para que os adeptos que não respeitam o futebol fiquem definitivamente à porta dos estádios".

Já a Liga liderada por Pedro Proença lamentou o incidente com o avançado maliano do FC Porto em Guimarães, salientou que os atos de racismo "envergonham o futebol e a dignidade humana", defendendo a punição destes. "Os valores do futebol não são compatíveis com o que se passou na noite de hoje no estádio do Vitória Sport Clube em que um atleta não suportou mais os insultos que estava a ser alvo e optou por abandonar o jogo. Estes atos envergonham o futebol e a dignidade humana", lê-se no comunicado da LPFP, lembrando que tudo fará "para que este, e todos os episódios de racismo, não fiquem impunes".

Bloco de Esquerda também reagiu

A líder do Bloco de Esquerda (BE), Catarina Martins, também se referiu ao caso, defendendo que "racismo não é opinião, é crime".

"Não sigo futebol, não tenho clube e raramente acompanho o que se passa nos jogos. Mas hoje adepta de Marega me confesso. Racismo não é opinião. É crime", lê-se numa publicação na conta oficial de Catarina Martins no Twitter, partilhada pelas 20:00 de hoje.

O que recomenda a UEFA e a FIFA? "Se o árbitro se aperceber de algum comportamento racista, ou for informado disso pelo quarto árbitro, deverá interromper o jogo. Nessa altura solicitará que seja feito um anúncio pela instalação sonora pedindo aos espetadores para pararem imediatamente com todos os comportamentos racistas. Se o comportamento racista não terminar após o reinício do jogo, o árbitro suspenderá o encontro por um período razoável de tempo, por exemplo, de cinco a dez minutos, e pedirá às equipas para regressarem aos balneários. Será feito um novo anúncio pela instalação sonora do estádio. Como último recurso, se o comportamento racista continuar após o segundo reinício, o árbitro poderá dar definitivamente o jogo por terminado". Nada disto aconteceu em Guimarães.

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