Exclusivo DN/NYT: Pavard, o defesa francês que está a ser uma surpresa no Mundial
Defesa francês foi o marcador improvável de um dos golos da vitória dos gauleses sobre a Argentina nos oitavos de final
Foi um dos golos mais espetaculares do Campeonato do Mundo, e o que tornou mais marcante o golo de Benjamin Pavard contra a Argentina foi que poucos o viram chegar.
Há pouco mais de um ano, Pavard, de 22 anos, jogava no Estugarda da segunda divisão alemã. Convocado para a seleção francesa pela primeira vez em novembro, não era esperado que fizesse parte da lista final de 23 escolhidos pelo técnico Didier Deschamps para o Campeonato do Mundo na Rússia. E menos esperado ainda era que substituísse o lateral-direito Djibril Sidibé, como titular.
Mas lá estava Pavard no centro da ação no último sábado, deixando a sua marca e protagonizando um momento alto do Campeonato do Mundo.
Pavard marcou, quando os bleus perdiam com a Argentina por 2 a 1 no segundo tempo, aquele que foi não apenas o seu primeiro golo pela França, mas o primeiro golo da sua carreira marcado com o pé.
"Eu fiz dois golos com a cabeça, mas, quer dizer, eu nunca marco golos", disse, depois de a vitória francesa por 4 a 3 ter garantido à seleção um lugar nos quartos-de-final contra o Uruguai. "Mas a bola veio e eu não me fiz muitas perguntas. E funcionou."
O jogo França-Argentina foi emocionante, cheio de jogadas rápidas, viragens abruptas da sorte e, claro, golos. Mas se os franceses ultrapassarem esta sexta-feira (15.00) o Uruguai e continuarem em frente no Campeonato do Mundo, o golo de Pavard terá uma importância ainda maior.
A Argentina tomou conta do jogo ao assumir a liderança aos 57 minutos. Pavard estava a marcar Gabriel Mercado quando este redirecionou o pontapé de Lionel Messi, passando pelo guarda-redes francês Hugo Lloris, para fazer o 1-0.
Mas Pavard compensou memoravelmente apenas nove minutos depois, numa jogada conjunta com o outro estreante de 22 anos nos quatro defesas franceses, Lucas Hernández.
O cruzamento de Hernández, da ala esquerda, bateu duas vezes ao passar pelo centro da defesa argentina. Pavard, inclinado para a esquerda, apanhou a bola no ar com o lado de fora do pé direito.
"Recebi-a como veio", afirmou. "Eu disse a mim mesmo que tinha de lhe bater bem, e esse foi o movimento mais natural. E também disse a mim próprio que tinha de manter a bola baixa e, para isso, lançar o meu peso para frente."
Os pais de Pavard, Nathalie e Fréderic, estavam a assistir à partida em Jeumont, no norte de França, na fronteira com a Bélgica. Jeumont, com pouco menos de 10 000 habitantes, é também onde Jean-Pierre Papin, um atacante que já foi uma das maiores estrelas de França, começou a jogar.
O pai de Pavard era defesa do US Maubeuge na terceira divisão francesa antes de treinar equipas amadoras na região. Agora, trabalha num hospital. Pavard, filho único, cresceu a aprender com o pai e a observar as suas equipas, absorvendo as nuances e desenvolvendo as suas próprias ambições.
Ir atrás delas teve um custo pessoal considerável. Pavard saiu de casa aos 10 anos para treinar no programa de jovens do clube francês Lille. Ficou hospedado com uma série de famílias anfitriãs. Pavard ficou emocionado no domingo quando viu um vídeo que passou no programa de televisão francês Téléfoot e que tinha sido feito para ele pelos pais.
"Estamos muito orgulhosos e estamos a viver um momento mágico graças a ti", disse a mãe. "Boa sorte para o resto do caminho. Mandamos-te beijos e ver-nos-emos em breve."
Pavard chorou quando ouviu.
"Estes são os meus pais", disse ele. "Eles fizeram enormes sacrifícios desde que eu era muito jovem. É preciso não esquecer que eu saí de casa aos 10 anos e estava longe da minha família. A verdade é que eles viajaram muitos quilómetros por mim. Nunca poderei agradecer-lhes o suficiente por todos os esforços que fizeram.
O seu sucesso com os bleus" também é uma recompensa para eles, afirmou Benjamin.
Pavard provavelmente não estaria a desempenhar um papel tão proeminente se não fosse uma lesão no joelho direito de Sidibé, sofrida a 15 de abril, quando o Paris Saint-Germain derrotou o Mónaco, de Sidibé, por 7 a 1.
Sidibé estava em dúvida para o Campeonato do Mundo e, depois de garantir o seu lugar, quase foi para casa quando o joelho inchou novamente, já na Rússia. Sidibé começou o terceiro jogo do grupo contra a Dinamarca, depois de a França já ter conquistado um lugar nos oitavos-de-final. Pavard tinha começado os outros três jogos de França.
"Eu não pedi explicações ao treinador", disse Sidibé numa entrevista coletiva na Rússia. "Neste contexto, temos de pôr de lado os sentimentos pessoais."
Pavard, que tem o cabelo muito encaracolado, recebeu a alcunha de "Jeff Tuche" dos seus colegas franceses, devido ao pai de cabelo encaracolado da série de filmes de comédia francesa "Les Tuches". Pavard confessou estar cansado da alcunha, mas continua a entrar na brincadeira, tal como quando os seus companheiros de equipa lhe dizem, que com as suas raízes francesas de cidade pequena e os seus gostos musicais antiquados, que ele pertence a outro tempo.
Contudo, o seu jogo é totalmente compatível com as normas do século XXI, e o seu desempenho na Rússia está a começar a atrair o interesse de alguns clubes de elite da Europa, incluindo o Bayern de Munique.
Para alcançar este nível, Pavard sentiu que tinha que sair de França. Depois de jogar pouco pelo Lille durante a temporada de 2015-16, decidiu aceitar a oferta do Estugarda, apesar de o clube, em tempos poderoso, ter sido relegado para a segunda liga da Alemanha.
No mundo do futebol francês houve quem lhe dissesse que estava a cometer um erro. Pavard disse que o risco e a necessidade de se adaptar a outra cultura o ajudariam a amadurecer.
O Estugarda subiu de novo à Bundesliga na sua primeira temporada. Ele jogou em várias posições, inclusive como médio, mas após a chegada do novo técnico Tayfun Korkut no final de janeiro, Pavard começou a jogar exclusivamente como defesa central. Ele jogou todos os minutos de todos os 34 jogos do Estugarda, que terminou em sétimo no campeonato.
Mas Deschamps tem-no utilizado como lateral direito, o que faz um paralelo histórico com Lilian Thuram, companheiro de equipa de Deschamps quando a França ganhou o seu único Campeonato do Mundo, em 1998. Thuram preferia a posição de defesa central em que jogava no clube italiano, o Parma, mas o selecionador francês na altura, Aimé Jacquet, usou-o como lateral-direito. Thuram marcou duas vezes durante a vitória de França na meia-final contra a Croácia, naquele ano.
Como Pavard sensatamente salientou, não faz sentido fazer muitas comparações muito rapidamente. Thuram foi um dos melhores defesas que França produziu. Pavard está apenas a começar.
No entanto, poucos vão esquecer o seu golo contra a Argentina. Pavard brincou dizendo que tinha "matado um pombo" com uma tentativa semelhante durante o treino, mas desta vez deixou os pombos em paz.
Mas não deixou os argentinos.