"Pode ser que uma iniciativa judicial conduza à suspensão do mandato"
Miguel Poiares Maduro, antigo governante no executivo Passos Coelho, segue, a partir de Florença onde leciona, o momento do seu clube de sempre. Está preocupado com a temporada desportiva mas muito mais apreensivo com a sobrevivência do Sporting. Mesmo à distância vai dando assistência jurídica aos sócios que estão a tentar "repor a legalidade" e garante que dia 23 estará na Altice Arena na Assembleia Geral Extraordinária (AGE) de destituição do Conselho Diretivo (CD).
O Sporting vive momentos complicados e parece bastante fracionado. Até por ser jurista, considera que só os tribunais podem devolver a estabilidade ao clube?
Não vejo isto como uma questão de fracionamento do Sporting. Eu acredito, e é a minha perceção, que a grande maioria dos sócios tem consciência de que neste momento já não se trata de avaliar a gestão de Bruno de Carvalho. Trata-se de garantir que o Sporting continua ser um clube cuja soberania pertence à vontade dos sócios. A melhor forma de sabermos se há uma divisão ou se há a procura de tomar poder dentro do clube por um presidente contra os estatutos, contra aquilo que são os princípios democráticos da separação de poderes, é precisamente dando voz aos sócios.
E fazendo isso só com eleições. Mas os sócios têm direito a estar confusos pois parece existir duas Mesas da Assembleia Geral (MAG) e duas comissões de fiscalização. Como é que um sócio anónimo se pode posicionar perante esta realidade?
Repare, não existem duas MAG nem existem duas comissões de fiscalização. Legalmente apenas existe uma MAG e uma comissão de fiscalização, que são aquelas que resultam dos estatutos. Agora o conselho diretivo [CD] tomou determinadas decisões e é natural que crie ruído perante os sócios. A única forma de trazer clareza e segurança a esta matéria é com a intervenção dos tribunais. Enquanto o CD entendesse que as decisões da MAG, que é um órgão eleito e legitimado pelos sócios, são ilegais ou violavam os estatutos, devia ter recorrido para os tribunais, impugnado essas decisões, e não o fez. A forma como esta MAG está a lidar com isto demonstra bem a diferença de comportamento. A MAG entende que perante atos gravíssimos de violação dos estatutos a forma de lidar com isto é recorrendo aos tribunais, pois são estes que têm o poder de repor a legalidade num Estado de direito.
Será verdadeiro dizer que neste momento a próxima temporada desportiva é a menor das preocupações?
É natural que os sócios estejam preocupados com a próxima temporada desportiva, mas agora há um valor muito mais importante que está em causa e que é a sobrevivência do clube, cuja soberania pertence aos sócios. Quem manda são os sócios, não é o Dr. Bruno de Carvalho. Isso é superior a qualquer preparação de uma época desportiva, claro que todos nós nos preocupamos com isso, claro que, além disso, todos temos uma preocupação enorme com a sustentabilidade financeira do clube perante o que está a acontecer...
Está a falar das rescisões...
Exatamente, a questão do empréstimo obrigacionista, tudo isso. Todos nós nos preocupamos imenso com as consequências do comportamento do CD, a incerteza, a insegurança, a instabilidade que afetou não só a época desportiva como a sustentabilidade financeira do clube. Estamos perante uma escolha absolutamente dramática que tem que ver com a manutenção do nosso clube como um clube que funciona com princípios do Estado de direito, da democracia, e é isso que o CD está a tentar subverter e não podemos aceitar.
Na sua opinião, este é o pior momento de que se lembra da história do Sporting?
Daquilo que me recordo desde que sou miúdo, adepto e sócio, a minha resposta é sim.
Nem com Godinho Lopes foi pior?
Mesmo nessa altura não houve uma tentativa de subverter as regras estatutárias e o poder dos sócios. Se calhar a gestão desportiva e financeira podia ser mais criticável, mas não se tentou fazer um golpe de Estado. É a mesma coisa que um governo descontente com um Parlamento substituir os deputados eleitos por deputados da sua confiança. Impensável.
De que forma o sócio Miguel Poiares Maduro tem intervindo neste momento do Sporting?
Eu, tal como outros juristas, temos vindo a apoiar e a aconselhar sócios que preparam algumas das providências cautelares que visam repor a legalidade no clube. Basicamente tenho oferecido a minha competência como jurista a vários sócios, e também à MAG, que estão, por vias judiciais diferentes, a tentar repor a legalidade no Sporting. E continuarei a fazer isso. Este é um momento existencial para o meu clube, que vê estar em causa o princípio da separação de poderes.
Estará no dia 23 na Altice Arena, na assembleia geral extraordinária de destituição do CD?
Sim, claramente. Exceto se entretanto o CD cessar funções por alguma razão.
Acredita nisso?
Eu gostaria que o Dr. Bruno de Carvalho ou algum dos elementos do CD tivessem, finalmente, um rebate de consciência e percebessem a gravidade do comportamento que têm tido. Atendendo ao que se tem passado, não acho isso credível, infelizmente. Mas pode ser que algum deles ainda tenha ou que então alguma das iniciativas judiciais conduza à suspensão do mandato.
Como jurista vê Rui Patrício e Daniel Podence a voltar atrás?
Como jurista, as justificações de justa causa estão sempre ligadas a uma impossibilidade prática da manutenção do vínculo laboral. A partir do momento em que as condições invocadas para a justa causa estão diretamente relacionadas com o presidente do clube, se essa pessoa deixar de ser o presidente do clube, naturalmente que não se pode dizer do ponto de vista jurídico que continuará a ser impossível a manutenção do vínculo laboral. Dito isto, não acho que os sócios do Sporting devam decidir sobre a permanência, ou não, do Dr. Bruno de Carvalho por este fator. O que se passa é muito mais grave e tem que ver um comportamento gravíssimo ao nível da legalidade. Acredito que, por um lado, os próprios jogadores possam repensar, até porque a posição jurídica deles é totalmente diferente se o atual CD deixar de estar em funções. A fundamentação é mais frágil se este CD não estiver no poder. Mas quero enfatizar isto: não acho que os sócios devam decidir por isto. O que está em causa é uma violação dos princípios democráticos. É urgente a saída deste CD.
Tenciona envolver-se no próximo ato eleitoral, seja quando for e de que forma for?
Não prevejo isso. Não quero estar sequer a discutir esta questão por duas razões: em primeiro lugar, não antecipo cenários nem desminto qualquer coisa que seja, porque a partir do momento em que abra esse precedente, quando um dia não desmentir vão dizer que estarei a confirmar; em segundo porque neste momento estamos numa luta pela sobrevivência do clube e é nisso que nos devemos concentrar.