João Cancelo construiu a carreira em nome da mãe
Defesa de 22 anos abrilhantou a sua estreia na seleção com um golo, ele que começou a afirmar-se no Valência a época passada e que em 2013 perdeu a mãe num acidente de viação
Foi uma estreia de sonho para João Cancelo ao serviço da seleção nacional. O defesa direito de 22 anos, lançado por Fernando Santos no onze inicial com Gibraltar, marcou o terceiro dos cinco golos portugueses, demonstrando a sua veia atacante. Este momento de enorme felicidade contrasta com uma vida nada fácil, fruto de um momento que o marcará para sempre.
A 5 de janeiro de 2013, então jogador do Benfica B, o lateral sofreu um acidente viação na A2 que resultou na morte da mãe Filomena - Cancelo e o irmão sofreram ferimentos sem gravidade. "Estou morto por dentro e perdi a minha razão de viver", desabafou na altura nas redes sociais, garantindo que iria ser forte e que a mãe teria razões para se orgulhar dele.
A carreira até aqui está a justificar em pleno estas suas palavras. Em janeiro de 2014, começou a sua corrida rumo à afirmação, quando foi lançado por Jorge Jesus nos últimos minutos de um Benfica-Gil Vicente, da Taça da Liga (anos antes tinha atuado num particular, também diante dos gilistas). Nessa época, só viria a ser utilizado no FC Porto-Benfica da última jornada da Liga, quando os encarnados já eram virtuais campeões nacionais, na ocasião a titular.
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A escassa utilização na equipa principal das águias não impediu uma sensacional mudança para o Valência, a título de empréstimo, no final da temporada de 2013/14. Em maio do ano passado, os espanhóis compraram o seu passe, por 15 milhões de euros.
Chegado ao Valência com apenas 20 anos, não se adivinhava uma imediata afirmação numa das principais equipas da Liga espanhola. Assim foi, tendo sido utilizado apenas em 13 partidas na sua primeira época, sob a orientação do português Nuno Espírito Santo, treinador a quem deixou um agradecimento especial no final do jogo com Gibraltar - "ajudou-me muito a estar onde hoje em dia estou".
Na temporada passada explodiu, realizando 39 partidas, 34 como titular, com três golos apontados. Nem a substituição de Espírito Santo por Gary Neville e depois por Pako Ayestarán prejudicou a sua evolução, tendo chegado a alinhar como extremo direito com o treinador inglês.
No final da última época, a imprensa espanhola chegou a apontá-lo como o substituto de Dani Alves no Barcelona. Mas permaneceu no Valência e continua bem lançado, tendo sido totalista nas duas primeiras jornadas do campeonato.
João Cancelo chegou ao Benfica em 2008, para a equipa de iniciados, proveniente do Barreirense, imitando glórias como Fernando Chalana e Carlos Manuel, entre outros. Dessa equipa de iniciados faziam parte nomes como Bruno Varela, Bernardo Silva, Hélder Costa, João Teixeira e Ricardo Horta.
Manuel Ribeiro, antigo diretor da formação do Benfica, lembra--se bem do dia em que Cancelo chegou aos encarnados. "Ele tinha 14 anos e estava muito bem referenciado pelo nosso departamento de scouting. Fui eu a conduzir as negociações e lembro-me que não foram muito fáceis, mas lá convencemos o Barreirense a libertá--lo, a troco de uma compensação financeira", refere ao DN.
Manuel Ribeiro recorda "um miúdo irreverente, mas muito bom rapaz, com uma grande capacidade de integração e uma boa disposição contagiante", lembrando o choque que sofreu com a morte da mãe: "Ficou de rastos, mas o Benfica foi impecável no acompanhamento psicológico. A força que ele demonstrou ao ultrapassar este terrível episódio mostra a sua enorme vontade em ser alguém na vida e no futebol", sublinha.
O antigo líder do departamento de formação do Benfica lembra ainda que Cancelo "sempre foi um lateral muito ofensivo" e não duvida de que "mais tarde ou mais cedo será titular indiscutível na seleção nacional", ressalvando que se trata de "um jogador alto [n.d.r: 1,82 metros], ao contrário de Vieirinha e Cédric, o que poderá beneficiá-lo".
Cancelo tornou-se anteontem o futebolista mais jovem a marcar na sua estreia pela Seleção Nacional nos últimos dez anos, sucedendo ao seu companheiro no Valência Nani, que em 2006, com apenas 19 anos, faturara num particular com a Dinamarca. E promete ser uma alternativa muito válida a Cédric e Vieirinha.