Santos abriu a porta da saída e Fernando Gomes fechou-a

Técnico colocou futuro nas mão do presidente da federação, que decidiu colocar um ponto final na ligação de oito anos e dois troféus.
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"Estás à vontade para decidir o que entenderes ser melhor". Foi desta forma que Fernando Santos colocou o lugar de selecionador à disposição, durante a reunião de terça-feira passada com o presidente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF). E Fernando Gomes decidiu colocar um ponto final numa ligação com oito anos e dois troféus (Euro 2016 e Liga das Nações 2019), apesar do técnico lhe comunicar que sentia "ter condições para continuar" no comando da seleção e considerar que a animosidade com Cristiano Ronaldo seria "ultrapassável".

A saída aconteceu ao fim de 109 jogos, 67 vitórias, 23 empates e 19 derrotas, precipitada pelos acontecimentos do Qatar. Não tanto pela eliminação nos quartos de final, diante de Marrocos, mas por não retirar o máximo proveito da melhor geração que Portugal já teve, pelo crescente desgaste da relação do técnico com alguns jogadores e essa reprimenda pública à escala mundial feita a Cristiano Ronaldo, com quem teve uma conversa acalorada em pleno Mundial 2022.

Assim que Portugal se despediu do campeonato do mundo, o selecionador disse que "a palavra demissão" não entrava no seu "léxico", mas prometera ter uma conversa com o Fernando Gomes para avaliar o futuro. O que aconteceu na terça-feira. Desde então as partes estiveram a tratar da rescisão do contrato anunciada na quinta-feira. Era selecionador desde outubro de 2014 e tinha contrato até 2024, daí que a saída seja amigável e com direito a parte dos ordenados de 2,250 milhões de euros anuais.

"Após uma das melhores participações de sempre da seleção nacional em fases finais do Campeonato do Mundo, no Qatar, a FPF e Fernando Santos entendem que este é o momento certo para iniciar um novo ciclo", pode ler-se no comunicado em que a federação agradece ao técnico pelos serviços prestados ao longo de "oito anos ímpares", acreditando que o agradecimento "é feito também em nome dos portugueses": "Obrigado Fernando Santos."

CitaçãocitacaoPepe: "Obrigado pelo trabalho, pela liderança, pelo compromisso. Pelas alegrias e vitórias ao longo destes anos. Obrigado por servir de forma exímia o futebol português e Portugal."

Chegou assim ao fim a era Santos. Nenhum treinador esteve tanto tempo no banco nacional. Fernando Santos assumiu o comando da equipa verde rubra em setembro de 2014, substituindo Paulo Bento no comando técnico, após o fracasso nesse Mundial do Brasil.

O "engenheiro" - alcunha ganha por ser licenciado em Engenharia Eletrónica e Telecomunicações - estava com um pesado castigo às costa, por ter sido expulso durante o Mundial 2014, por insultar um árbitro, enquanto selecionador da Grécia, mas isso não impediu Fernando Gomes de apostar nele para liderar a equipa portuguesa. O engenheiro tinha por isso uma dívida de gratidão com o líder federativo, que lhe permitiu ser humilde o suficiente para colocar o futuro nas mãos dele e assim abrir a porta de saída.

Na apresentação, Santos avisou que ia "ficar muito tempo" ... e ficou oito anos (!), dando estabilidade técnica à seleção e troféus ao Museu da Federação. O "teimoso moderado", como se chama a si próprio Fernando Santos, não teve tarefa fácil no início. Optou por uma espécie de revolução silenciosa, que passou, em grande parte, pela recuperação de jogadores como Tiago (tinha renunciado à seleção e voltou) ou os proscritos Ricardo Quaresma e Danny.

Estreou-se como selecionador frente à França de Didier Deschamps (derrota por 2-1), a 11 de outubro de 2014, em Paris, no Stade de France, estádio onde voltou dois anos mais tarde para conquistar o Euro 2016. Sem Ronaldo (lesionou-se no início do jogo), foi um golo do "patinho feio" Eder, aos 109 minutos, a reservar-lhe um lugar na história.

Destaquedestaque"Quando se lideram grupos tem-se que tomar decisões difíceis, é normal, nem todos ficaram contentes com as escolhas que fiz. Mas as que tomei foi sempre a pensar no melhor para a seleção."

Momentos que ilustraram a mensagem de despedida, que Fernando Santos gravou e em que confessou "o enorme privilégio" que foi ser selecionador nacional. Depois agradeceu a todos os jogadores "sem exceção" com quem trabalhou, à equipa técnica que o acompanha agora na saída, ao staff e em particular a Fernando Gomes e aos portugueses: "A partir de agora vou ser mais um de entre tantos milhões que vibram e apoiam a seleção, estarei de corpo e alma como sempre, não no campo, mas nas bancadas e onde quer que esteja, a cantar nosso hino e a desejar que a equipa de todos nós nos dê muitas alegrias."

Santos abordou ainda o lado menos bom de tudo: "Quando se lideram grupos tem-se que tomar decisões difíceis, é normal, nem todos ficaram contentes com as escolhas que fiz. Mas as que tomei foi sempre a pensar no melhor para a seleção." Uma delas foi deixar Cristiano Ronaldo no banco no jogo com a Suíça e que deu origem a uma discussão com o capitão, que assim que deixou Doha pediu para que cada um tirasse "as suas conclusões". E foi o que o selecionador e o presidente da FPF fizeram.

Apesar de ter apontado ao título mundial no Qatar, a seleção ficou-se pelos quartos de final do Mundial 2022, depois de perder com Marrocos (1-0). E se é verdade os portugueses não chegava tão longe desde 2006 (ficou-se pelos oitavos em 2010 e 2018, e na fase de grupos em 2014), também é verdade que o desempenho desiludiu no Mundial 2018, no Euro 2020 e na recente não qualificação para o playoff final da Liga das Nações por exemplo.

Com Fernando Santos saem Ilídio Vale (treinador nacional), João Costa, Ricardo Santos (treinador assistente), Jorge Rosário (treinador assistente), Fernando Justino (treinador de guarda-redes).

CitaçãocitacaoEder: "Mister, obrigado pela paciência e pela confiança depositada em mim. Obrigado por ter ajudado Portugal a conquistar os 2 títulos mais importantes da sua História. O melhor da vida para si."

A direção da FPF terminou o comunicado de despedida de Fernando Santos a dizer que "iniciará agora o processo de escolha do próximo selecionador nacional". Nomes não faltam. José Mourinho (AS Roma), Jorge Jesus (Fenerbahçe), Abel Ferreira (Palmeiras), Leonardo Jardim (Al Ahli), Bruno Lage (livre). Uns mais desejados que outros e nem todos livres.

O desejado por Fernando Gomes é José Mourinho. Já em 2012, depois da saída de Paulo Bento, o então presidente Fernando Madaíl o abordou para acumular o cargo de treinador do Real Madrid com a seleção, mas o clube disse que não. E mais tarde Mourinho admitiu que "não seria muito ético" aceitar. Agora o special one continua ocupado e completamente seduzido pela AS Roma e com o objetivo de ser campeão até 2024. Esta quinta-feira, à chegada do Algarve, onde os italianos vão estagiar antes de voltarem à competição, o técnico sorriu às perguntas sobre a seleção e não quis falar aos jornalistas.

Nesta altura a estrutura federativa está a traçar o perfil do desejado, que sabe o DN terá plenos poderes para reformular todo o projeto futebolístico das seleções. O eleito pode só ser conhecido em 2023. A FPF tem margem para encontrar a melhor solução, porque a seleção só volta a ter jogos em março e o planeamento para o Euro 2024 ainda foi feito pelo agora ex-selecionador. E com essa certeza: Fernando Santos e os portugueses terão sempre Paris!

isaura.almeida@dn.pt

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