Râguebi. Herdeiros de 2007 e filhos da emigração levam Portugal ao Mundial

Em setembro e outubro, os Lobos vão disputar o Campeonato do Mundo pela segunda vez. A nova geração vai tentar fazer história, mas desta vez ouvir o <em>haka </em>será "quase impossível".
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A geração que nasce no boom do râguebi nacional pós-2007 aliou-se aos filhos da emigração portuguesa em França para levar Portugal de novo a um Campeonato do Mundo. Entre 8 de setembro a 28 de outubro de 2023, em França, a seleção portuguesa, na variante de 15 jogadores, voltará a jogar no palco mundial, depois dessa primeira e única presença portuguesa, que ficou na história pelo confronto com a Nova Zelândia, os míticos All Blacks.

Portugal foi a última das 20 seleções a apurar-se para o Mundial 2023, após um emocionante empate com os EUA (16-16) conseguido na derradeira jogada do último jogo do torneio de repescagem, realizado em novembro, no Dubai. A penalidade de Samuel Marques tornou-se viral nas redes sociais e colocou os portugueses na prova rainha da modalidade pela segunda vez na história. Isto depois de a Federação Portuguesa de Râguebi beneficiar de uma trapalhada, que levou à exclusão da seleção espanhola e à entrada dos portugueses no torneio de repescagem.

Houve sorte, mas também houve muito trabalho para lá chegar. Beneficiando da nova lei da elegibilidade de jogadores para as seleções nacionais da World Rugby, que entrou este ano em vigor - qualquer internacional que não jogue por uma seleção há pelo menos três anos pode representar outra bandeira, desde que tenha nascido nesse país ou prove ter ascendência -, o selecionador Patrice Lagisquet captou o talento luso-francês para os Lobos (alcunha da seleção nacional).

Samuel Batiste Marques, Jean Sousa, Antony Alves, Steevy Cerqueira e Vincent Pinto... os apelidos não enganam e destacam-se por jogarem em França em campeonatos profissionais e semiprofissionais. Tal como eles, também Mike Tadjer Barbosa e Geofrey Moise entraram no radar da seleção não tanto pela portugalidade escondida, mas pela mais-valia desportiva descoberta pelo selecionador português, que orientou a seleção francesa no Mundial 2015. Steevy Cerqueira e Vincent Pinto jogaram o Mundial sub-20 pela França e podem assim vestir a pele dos Lobos no próximo Mundial. E Francisco Fernandes, que começou a representar Portugal no escalão Sub-18 e é o mais antigo internacional português em atividade (desde 2010).

Numa equipa onde a maioria é ainda amadora e joga em Portugal, acrescem outros valores emergentes como Jerónimo Portela, Raffaele Sorti, Nuno Sousa Guedes, Manuel Marta, David Costa, Duarte Torgal, José Lima, Pedro Lucas, João Granate, Vasco Ribeiro, Duarte Diniz, Manuel Cardoso Pinto, Rodrigo Marta, Tomás Appleton e Rafael Simões. Eram demasiado jovens quando Portugal jogou com os All Blacks, em 2007, mas foram, de alguma forma, seduzidos por essa geração dos irmãos Uva e dos irmãos d"Orey e agora esperam repetir o feito.

Foi assim, com ajuda dos filhos da emigração, que os herdeiros da geração de 2007 garantiram o regresso a França, onde a seleção se estreou em mundiais. A seleção portuguesa ficou no Grupo C, juntamente com País de Gales, Geórgia, Austrália e Ilhas Fiji

Para António Henriques, especialista em râguebi e colaborador do DN desde 1995, "o Portugal 2023 vai ser mais equipado e apetrechado do que o de 2007", mas, não deixa de ser curioso que, passados 16 anos, vai continuar a ser "a única seleção com atletas amadores entre as 20 equipas presentes".

Apesar de ainda não ser conhecida a lista de convocados, a seleção irá ao Mundial com 12,13 ou 14 jogadores profissionais, muitos luso-franceses que jogam na primeira divisão do Campeonato francês, o segundo mais importante do mundo, depois do britânico, mas pelo menos metade serão portugueses que jogam no Campeonato Nacional e, como tal, são amadores.

Levar com um centenário e acabar a sorrir. Foi com este título que o DN assinalou o momento histórico que colocou, pela primeira vez, a seleção de râguebi de Portugal frente à da Nova Zelândia no Mundial 2007, que terminou com um triunfo esmagador dos All Blacks. 108-13 foi o resultado, naquela que ainda é a maior derrota de sempre da equipa nacional.

E, como contou o DN na altura, a resistência portuguesa demorou três minutos e, não obstante os 16 ensaios All Blacks, o grande momento da tarde foi o único ensaio dos Lobos. Honra de Rui Cordeiro (Académica), então com 30 anos e 140 quilos, o mais pesado jogador desse Mundial. "Tudo começou numa boa perfuração do António Aguilar... vi a bola à minha frente, captei-a e mergulhei para a área, empurrado lá para dentro por vários companheiros. Sem eles não tinha conseguido. Seguiram-se 40 segundos de ansiedade, foi preciso ir ao videoárbitro para confirmar o ensaio e depois foi a explosão total. Lembro-me de pegar na bola enquanto esperava pela confirmação e da intensidade da troca de olhares entre mim e o número 5 da Nova Zelândia. Foram segundos de grande tensão visual até que ele tirou a mão de baixo da bola", recordou ao DN o agora veterinário, responsável pelas explorações suínas do Grupo Montalvo.

Esse duelo foi memorável, assim como o que se passou a seguir. Os suplentes acabaram a fazer um jogo de futebol... que Portugal ganhou por 3-2. No final, os All Blacks convidaram os portugueses para beber umas cervejas no seu balneário e não esconderam a surpresa por terem defrontado amadores, que eram veterinários, médicos e advogados...

Segundo Rui Cordeiro, ouvir o haka, a dança guerreira maori com que os neozelandeses desafiam os rivais para o combate, foi "inebriante", mas não superou a emoção de ouvir A Portuguesa num Mundial de râguebi pela primeira vez.

Ouvir a haka de novo em 2023, sem ser a partir da bancada ou pela televisão, "é quase impossível". A seleção teria de passar a fase de grupos e fazer história. Para isso, serão precisas pelo menos duas vitórias e, mesmo que Portugal já tenha ganho à Geórgia e possa surpreender as Ilhas Fiji, a missão será hercúlea para a nova geração dos Lobos.

isaura.almeida@dn.pt

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