Diogo Ribeiro, tricampeão mundial júnior de natação.

Natação

Melhor nadador português de sempre? "Com treino serei melhor do que isso"

Aos 6 anos fez chantagem com uma professora para o ensinar a nadar mariposa. Superou a morte do pai e um grave acidente, foi Tricampeão Mundial júnior e é esperança para Paris 2024. O DN acompanhou as rotinas do jovem no regresso aos treinos.

No quarto 320 da Residência do CAR Jamor mora um dos mais promissores atletas do desporto português. Essa seria uma enorme pressão para qualquer um, mas Diogo Ribeiro tem ombros largos e costas quentes para aguentar isso e muito mais. À pergunta se está preparado para o mediatismo e a pressão de poder vir a ser o melhor nadador português de sempre, responde confiante: "Com treino serei melhor do que isso". Diogo entrou na história com apenas 17 anos - é um dos três nadadores portugueses medalhados (ganhou o bronze nos Europeus de Roma deste ano), juntamente com Yokochi (prata, nos Europeus 1985) e Alexis Santos (bronze, nos Europeus 2016).

O rapaz das sobrancelhas expressivas já foi reguila, agora "é normal". Pelo menos para os parâmetros de normalidade de quem já é fora do normal, segundo a avaliação antropométrica. Diogo tinha seis anos (!) quando a professora de natação o colocou perante a necessidade de fazer uma escolha entre o futebol e a piscina. O miúdo reguila resolveu colocar a professora perante um dilema semelhante: "Só fico na natação se me ensinar a nadar mariposa." E foi através desta pequena chantagem que nasceu o fenómeno da natação portuguesa.

Não gosta de estudar. A geografia dos livros tem sido um verdadeiro Cabo da Tormentas. Pode saber onde fica Coimbra (onde nasceu em 27 de outubro de 2004), o Jamor (onde treina e vive desde o ano passado), Roma (onde conquistou a primeira medalha absoluta, bronze nos 50 metros mariposa nos europeus) ou Lima (onde conquistou três títulos mundiais júnior, nos 50m e com recorde mundial - 22,96 s, nos 100m mariposa e nos 50m livres). Mas isso não impediu que tivesse negativa por "falta de comparência". Danos colaterais do treino bidiário (exceto domingos), numa média de 40 horas semanais.

A idade júnior já deu as últimas. Fez 18 anos no dia 27 de outubro. Agora já pode assinar contrato profissional com o Benfica. E deixar a asa protetora do tutor, Daniel Moedas, fisioterapeuta da Federação Portuguesa de Natação (FPN). Pelo menos a nível institucional. Têm uma relação de proximidade e até cumplicidade, mas isso não impede que o tutor leve com um "não me chateies" de vez em quando. Daniel só por uma vez recorreu à medida drástica de lhe tirar a PlayStation (e com autorização da mãe ). Afinal, o brinquedo geracional é o único passatempo deste adolescente sem adolescência.

Gosta de viver na Residência do Centro de Alto Rendimento do Jamor, até porque assim poupa dinheiro para cumprir um sonho - uma casa só para ele -, mas a alimentação deixa a desejar, segundo o nadador. Apesar de cumprir os requisitos nutricionais dos especialistas do Instituto Português da Juventude, não é a ideal para atletas de Alto Rendimento, segundo o tutor. Não haver empresas de catering em Portugal especializadas na área desportiva tem adiado a solução para esse problema.

As queixas têm fundamento e consequências. O treino de água começa sempre (ou quase) com uma picada no dedo para medir os níveis de glicemia. Se apresentar valores negativos, volta a ser picado no auge do treino para saber se tem reservas ou precisa ingerir hidratos extra durante a sessão.

Os valores de Diogo têm oscilado muito e isso significa que a alimentação não tem sido adequada, segundo Igor Silveira, responsável pela preparação física, na equipa técnica liderada por Alberto Silva, que inclui ainda o biomecânico Samie Elias, que tem no computador um aliado na projeção de performance.

A vida tatuada na pele

Diogo voltou aos treinos no dia 26 de setembro, depois de três semanas de férias. Como as cargas bidiárias de treino aumentaram, agradece aquela horinha da fisioterapia com Daniel Moedas, onde relaxa. Quem decide o rumo da sessão é o corpo e a omoplata direita chegou-se à frente no pedido de socorro...

Assim que tira a camisola salta à vista a abismal envergadura (1,90 metros) superior à estatura (1,83 m), assim como a retidão posicional e a quase ausência de massa muscular (73 kg).

O tronco nu também destapa as cinco discretas (e quase minúsculas) tatuagens cravadas na pele. São um resumo de vida: Uma estrela de David que significa o pai perdido para céu aos quatro anos de idade, o número da sorte (11.11), um círculo no braço com a data da morte do pai embutida, a imagem de um relâmpago (da equipa Lake Lytal Lightning Swim Team) e uma frase I which I could explain (gostava de poder explicar), que tem a ver com o acidente sofrido em julho de 2021, que o atirou para uma cama de hospital e o obrigou a ficar internado com hematomas pelo corpo todo, queimaduras nas pernas, um ombro deslocado, um pé fraturado e uma lesão interna no peito, para além de ter perdido parte do indicador direito.

Diogo também gostava de conseguir explicar. A piscina é o bálsamo ideal para ser livre de espírito e movimentos. Na água voa e luta contra os centésimos de segundos do cronómetro de Alberto Silva, técnico nacional desde setembro de 2021, quando "o menino", como lhe chama, ainda estava impedido de treinar devido ao acidente.

A presença de um júnior no grupo de elite que iria treinar, com vista à presença nos Jogos Olímpico Paris 2024, foi notícia. O júnior anónimo era Diogo, que ainda tinha 16 anos e acabado de se mudar de Coimbra para o CAR Jamor. Só começou a treinar em outubro, mas estava sempre a ficar doente e pedia para ir para casa. A própria Federação questionou o técnico sobre se não estava "a ser muito brando com o menino", mas Albertinho respondeu que "não". Porquê? "Não adianta eu ter um currículo para ele admirar, ele não me conhecia, não tinha ligação ou amizade comigo. Por isso quando começou a faltar fui a Coimbra falar com a mãe para lhe dizer que toda a vez que ele pedisse para ir para casa eu ia deixar." E foi assim até dezembro. Nessa altura tinha 44% de assiduidade nos treinos, entre ginásio e água. Em janeiro ficou próximo dos 100% e não voltou a ficar doente (mas continua a sentir saudades de casa).

"O menino pode chegar lá"

Alberto Silva é um brasileiro com passaporte e coração português (neto de três avós portugueses), que em finais de 2019 decidiu usar a experiência de mais de 30 anos num dos maiores clubes de natação do Brasil (Pinheiros) e na seleção brasileira (onde treinou César Cielo, Thiago Pereira, Gustavo Borges ou Nicholas Santos entre 2004 e 2021) para formar um grupo de atletas europeus e treinar em Portugal.

Falou com o presidente da Federação Portuguesa de Natação e António Silva baralhou-lhe os planos, convidando-o para ser técnico nacional. O início foi mais difícil do que esperava. A comunidade da natação portuguesa não estava contra ele, mas também não estava a favor. E ele "não se sentiu tão em casa assim". Ninguém questionava a competência, mas o valor da competência, e isso entristeceu-o.

Um ano depois o cenário mudou, muito por culpa do sucesso relâmpago de Diogo Ribeiro, "um menino que tem muito que aprender", mas que "pode chegar lá". Lá onde? A pergunta ficou sem resposta porque Albertinho viu algo que (convenientemente) precisou corrigir durante a sessão na piscina ... onde Phelps persegue Diogo Ribeiro. Literalmente.

A publicidade à marca do nadador mais medalhado da história olímpica (28) que tem vestido a seleção está presente a cada braçada: "Eu já falei para ele: "Você não é o Michael Phelps português até porque pode ser que seja melhor que ele. Também pode ser muito bom e não ganhar as medalhas que ele ganhou. Você vai ser o primeiro Diogo e não o segundo Phelps ou o segundo ninguém..."

Albertinho é um treinador envolvido e "adora dar treino". Diz o que pretende e como pretende. E quando Diogo termina o exercício com apetrechos e pergunta se "é para continuar sem nada?", o técnico responde: "Só com sunga por causa das fotos". Ele sabe que o mediatismo faz parte e Diogo tem de "aproveitar a onda para divulgar a natação num País que só liga ao futebol" - o interesse de vários patrocinadores é prova disso).

Mas "já cansa" e é preciso "respeitar" o espaço dos outros atletas do grupo de treino: Diogo Lebre, Tiago Costa, Rita Frischknecht, Rafaela Azevedo, Gustavo Ribeiro e Miguel Nascimento, alguns dos nomes da nova geração de nadadores que está a quebrar diversos recordes nacionais e a alcançar resultados inéditos, numa modalidade onde Alexis Santos ainda é o nome maior.

Os mundiais júnior já acabaram há mais de um mês e continua-se a falar do jovem nadador do Benfica: "O menino fez o resultado e está no momento de se expor. Para a modalidade é bom, para mim é um sinal para ter cuidado. E se ele começar a deslumbrar-se, leva um tapinha na orelha para acordar. Precisamos ter humildade, mesmo sabendo que foi muito grande o que ele fez, ainda não é nada comparado com o que ele quer e eu quero que ele faça por Portugal."

Melhorar a viragem indo aos mundiais de piscina curta?

A qualificação olímpica abre em maio de 2023, mas os tempos que o campeão mundial júnior anda a fazer dão algumas garantias de o conseguir mais cedo ou mais tarde. Segundo o selecionador, o objetivo deixou de ser "ir a Paris 2024" e passou a ser "chegar a uma final em Paris 2024".

A época deve abrir daqui a umas semanas. Ainda não decidiram se vai ao meeting do Algarve ou aos nacionais de Leiria. A época depende dessas decisões. O planeamento é meticuloso, focado em objetivos ambiciosos e muito específicos. As medalhas ganhas até agora assim o exigem e assim o provam. O ano passado o Benfica questionou a não presença no Europeu júnior e Albertinho teve de explicar que "não estava a ser arrogante, nem a menosprezar o Europeu júnior", apenas sabia que o nadador atingiria o pico de forma em 9/10 semanas e do Europeu ao Mundial júnior eram 16 semanas de distância, o que comprometeria o desempenho em ambas s provas.

Agora quer levá-lo ao Mundial de piscina curta (25 metros) na Austrália em dezembro. Só ele tem mínimos para ir, o que implica um investimento considerável para a federação, mas a nível desportivo a presença é justificada com o crescimento competitivo ao nível da maturidade, tendo em vista os Mundiais do Japão em 2023 e sem a pressão dos tempos feitos na piscina de 50 metros. E ainda o ajudará a melhorar a viragem.

Treinar num ambiente de pura confusão onde os atletas de alta competição dividem o espaço com dezenas de outros nadadores, alguns de ocasião, e até aulas de hidroginástica para sexagenários na piscina curta, "não chega a atrapalhar", segundo o brasileiro. Diz que já filtrou os sons que ecoam pelo fechado Complexo de Piscinas do Jamor, onde ao fim duas horas e meia dá o treino por terminado. Diogo ainda tem uma sessão de ginásio pela frente e despede-se. Altura ideal para o DN perguntar se o técnico sabia da história da chantagem feita com a professora para aprender a nadar mariposa. Diogo sorriu e Albertinho atirou: "E aprendeu?"(risos)

isaura.almeida@dn.pt

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