Todos sabem que respiro Benfica desde que nasci". Rui Manuel César Costa, 49 anos, sócio 6034, tornou-se oficialmente, na madrugada de ontem, no 34º presidente do Benfica, depois de ter vencido, sem surpresa e com 84,5% dos votos, as mais concorridas eleições da história dos encarnados..Não é caso virgem no futebol um antigo jogador chegar ao mais alto cargo num clube. No próprio Benfica aconteceu com José Rosa Rodrigues (de 1904 a 1906) e Félix Bermudes (em 1916 e de 1945 a 1946) e até podia ter sucedido com Cosme Damião, se este não tivesse recuado por se considerar demasiado novo para a função nas eleições que venceu em 1926. No mundo, nomes famosos como Santiago Bernabéu (Real Madrid), Franz Beckenbauer e Uli Höness (Bayern Munique), Rafael Gordillo (Betis), Fernando Sanz (Málaga) ou Juan Sebastián Verón (Estudiantes) também chegaram à presidência, uns com mais sucesso que outros. Desta vez, foi Rui Costa a subir ao poder..As circunstâncias foram as conhecidas e custaram um cartão vermelho a Luís Filipe Vieira ao fim de 18 anos, pelo que a missão do novo presidente não estará facilitada, mesmo que Rui Costa assuma a presidência numa altura desportivamente favorável. O DN escolheu cinco dos grandes desafios que o novo presidente tem pela frente no seu mandato de quatro anos..O primeiro grande trabalho do presidente eleito será, sem dúvida, restituir a credibilidade externa do clube. Rui Costa tem sido muito cauteloso em relação ao seu antecessor, ao mesmo tempo que se procura distanciar subtilmente. "Há processos em curso e ninguém pode fugir deles. O senhor Luís Filipe Vieira saiu por questões pessoais e não por questões do Benfica. Quero que daqui para a frente acabem os processos e até o Benfica ser acusado não me vou manifestar", disse no debate com o candidato vencido, ideia que vincou na entrevista ao semanário Expresso de sábado: "Ninguém está acusado até saírem os processos. Se estou envolvido em alguma coisa ou se reparei em alguma coisa: não, se estivesse também estava nos processos. O Rui Costa é o Rui Costa, não se exclui das coisas que estão para trás mas pensa naquilo que está para a frente.".O problema foi a diplomacia com que Rui Costa abordou um assunto complicado ter sido dizimada pelo seu antecessor, que acompanhou 13 anos, com as declarações produzidas no dia das eleições, altura em que falou publicamente pela primeira vez desde a detenção, considerando terem "decapitado o Benfica" e que "democracia a mais no Benfica faz mal". Isto além de ter deixado no ar a promessa de "falar à família benfiquista até final do ano ou em janeiro"..Os últimos anos foram conturbados, o que num clube da dimensão do Benfica provoca sempre uma forte divisão entre apoiantes e críticos da direção. "Quem está neste lugar sabe perfeitamente que nunca vai agradar a 100% da massa associativa", admitiu o antigo médio na conversa com o semanário..O seu historial como atleta do clube, o capital de simpatia de que sempre dispôs e a falta de um candidato de oposição reconhecido acabaram por lhe dar uma vitória tranquila e expressiva (nas eleições de 2020, Noronha Lopes atingiu 34% mas decidiu não voltar a avançar) mas nem isso o livrou de críticas. António Simões, campeão europeu em 1962, Gaspar Ramos, ex-dirigente, ou Ricardo Araújo Pereira, humorista e adepto, questionaram a capacidade de Rui Costa se conseguir distanciar do passado recente e do seu papel nas direções de Luís Filipe Vieira, enquanto Rui Gomes da Silva, antigo vice-presidente, foi mesmo mais longe: "Daqui a ano e meio estaremos aqui outra vez, com o Benfica numa grande crise. Espero não ter razão, como tive, infelizmente, há um ano.".Quer se goste ou não, a resolução com sucesso dos dois pontos anteriores vai estar, porém, dependente do fator mais óbvio: o sucesso no futebol. Passam esta segunda-feira 800 dias desde a última vez que um capitão do Benfica levantou um troféu - no caso a Supertaça Cândido de Oliveira, conseguida com uma goleada frente ao grande rival Sporting. E já lá vão duas épocas sem ganhar a Liga, uma delas depois de um investimento recorde; quatro sem conquistar a Taça de Portugal e cinco sem ganhar a Taça da Liga..No seu manifesto eleitoral, Rui Costa diz pretender "construir equipas altamente competitivas com orçamentos sustentáveis"; "diminuir o número de jogadores com contrato com o clube"; fazer o "aproveitamento regular dos jogadores da formação"; e "conceber plantéis com o máximo de 25 jogadores", entre outras intenções, incluindo a de aproveitar a memória e a capacidade de antigos jogadores..Depois de um excelente arranque de temporada apenas ensombrado pela derrota caseira frente ao Portimonense, o novo presidente não deixou de admitir esta ideia: a base do seu projeto desportivo até 2025 é "ganhar, ganhar, ganhar é primordial". "O Benfica tem hoje um ótimo plantel e aquilo que se pretende é que o Benfica melhor sempre e que não ande aqui oscilante", justificou, como já tinha defendido no debate com Francisco Benítez. Se será com Jorge Jesus ao leme é outra questão, à qual não quis dar resposta assertiva, apesar de garantir não "estar distraído" com o facto do contrato do técnico terminar no fim desta época. Mas "uma época no Benfica sem título tem peso", admitiu..A forma como todo o plantel celebrou a qualificação para a fase de grupos da Liga dos Campeões não deixou dúvidas sobre a importância do momento. Não só pelo lado desportivo e financeiro, mas também porque parte da estratégia do manifesto eleitoral de Rui Costa passa muito pela internacionalização da marca Benfica, de chegar a outros mercados, quer criando "conteúdos de referência, produzindo séries e documentários sobre a história e grandeza" do clube "com potencial de visibilidade além-fronteiras em plataformas como a Netflix, Disney e HBO", quer com o reforço da "liderança nas redes sociais"..Será mais uma forma de atrair financiamento, mesmo que o presidente eleito se recuse a prometer que o clube irá ganhar "duas Ligas dos Campeões". "Não estou aqui para ser populista, o objetivo é que, internacionalmente, o Benfica carimbe a sua marca, porque é o Benfica", explicou..Tal como no futebol, as modalidades de pavilhão no masculino também não têm estado no seu melhor nestes últimos anos. Com exceção do voleibol, onde é bicampeão e venceu a liga seis vezes nos últimos dez anos, o Benfica tem visto os seus rivais levarem a melhor no futsal, basquetebol, andebol e hóquei em patins.."Vai haver um acréscimo de qualidade e orçamento para darmos qualidade às equipas" garantiu no único debate ao seu opositor, embora reconheça que "a assistência nos pavilhões é curta" e que o clube tem "de criar mais sinergias" para os encher. "Sou do tempo do sábado à Benfica, quando havia o futebol e as modalidades", assinalou, antes de referir que no feminino têm sido obtidos "resultados fantásticos", sendo "um projeto para crescer cada vez mais". E, segundo o manifesto, tem também a intenção de fazer regressar ao clube o ciclismo, modalidade para a qual procura um parceiro..O alargamento do Benfica Campus e a construção de uma Cidade Desportiva são outros objetivos da direção, bem como a manutenção da aposta no futebol feminino - um exemplo da diversidade que espera poder alargar no clube..dnot@dn.pt