Jorge Costa cresceu, viveu e morreu ligado ao FC Porto. Traído pelo mesmo coração, que fez dele um defesa central aguerrido na defesa do seu clube em campo como defesa central. Morreu às 14h17 desta terça-feira, dia 5 de agosto de 2025, na sala de urgências do Hospital de São João. Não resistiu a uma paragem cardiorrespiratória sofrida no centro de treinos do FC Porto, onde desempenhava a função de diretor para o futebol profissional. Tinha 53 anos. E como ele dizia: “Aconteça o que acontecer, faço parte da história do meu clube do coração.” Foi essa a frase que o FC Porto destacou quando anunciou o adeus ao lendário capitão portista, que representou também o Penafiel, Marítimo, Charlton e o Standard Liège. Dos 530 jogos que fez na carreira, 383 foram de dragão ao peito entre 1992 e 2005 - ficou também na história como um dos seis jogadores do FC Porto pentacampeões nacionais.Cansou-se de tanto erguer troféus. Fica na história como um dos jogadores com mais títulos em Portugal (24), com oito campeonatos, cinco Taças de Portugal , oito Supertaças e três mais importantes troféus internacionais: a Liga dos Campeões (2004), uma Taça Intercontinental (2004) e uma Taça UEFA (2003).."Nunca serás esquecido." FC Porto diz adeus a Jorge Costa e marca velório público para amanhã no Dragão.Vivia intensamente e à imagem do que fazia em campo e que lhe valeu a alcunha de “O Bicho”, imposta pelo melhor amigo e então colega de equipa, como contou em 2020: “Foi o Fernando Couto, talvez pela minha forma de jogar, a minha entrega ao jogo. O Fernando é que poderia explicar, mas acho que era isso, eu era um animal, era um bicho, era alguém que dava tudo o que tinha dentro do campo.”Conversava com os árbitro de dedo em riste, assustava adversários e tranquilizava colegas de equipas, como destacou Ricardo Quaresma: “Hoje partiu uma das pessoas que mais admirava e que muito me ajudou no mundo do futebol. Em momentos importantes, cuidou de mim, levantou-me a moral e ensinou-me muito sobre este mundo. Obrigado, Capitão! Obrigado, Bicho!”Um dos que mais tempo privou com ele no balneário foi Vítor Baía, que perdeu “um capitão” e um “amigo” e um jogador que era “a alma do balneário, um exemplo de coragem, entrega e amor à camisola”. A liderança era-lhe inata. Como defesa central que fazia jus ao lema - ou passa a bola, ou passa o jogador, os dois é que não. Que o diga George Weah, o antigo avançado do AC Milan, que viria a ser presidente da Libéria, que ficou com a aliança partida cravada no dedo depois de um pisão de Jorge Costa, que correu Mundo. Enfrentou até José Mourinho, que viu nele um exemplo de liderança: “Tive capitães que não eram líderes. Tive um no FC Porto, o Jorge Costa, que, num jogo com o Belenenses, que perdíamos 0-2 ao intervalo, me disse ‘espera dois minutos fora do balneário, por favor’. Eu estava furioso e os jogadores podiam ver-me a fumegar. O Jorge Costa entrou no balneário, fechou a porta e fez o trabalho sujo por mim. Depois, abriu a porta e disse ‘dê-nos instruções’. Ele fez tudo o que eu faria. Ganhámos 3-2. Ele era central, nunca marcava golos, e bisou. Há os capitães e há os líderes e os líderes não se compram nem se formam. Quando os tens, a tua equipa está um passo à frente.” Quem o conhecia, com ele se cruzou em campo ou só o conhecia de o ver jogar, reconhece-o neste trecho de Mourinho, treinador que esteve ligado às maiores conquistas dele no FC Porto, clube onde conquistou o estatuto de lenda. “Fica para a história, além do jogador, treinador e dirigente, ficará um homem de convicções, simples no trato e forte na personalidade”, segundo a Federação Portuguesa de Futebol.Internacional A por 50 vezes (118 em todos os escalões) e campeão mundial sub-20, em 1991. Quando ia à seleção dividia o balneário e o quarto com Rui Costa. “Era uma pessoa, um jogador, um atleta, um desportista e um homem que marcou uma geração de jogadores em Portugal. É, para mim também, um dia muito triste. Tenho memórias com eles desde os meus 17 anos e partiu um grande homem, um grande amigo. Tivemos memórias enormes sobretudo na Seleção, fomos campeões do mundo juntos. É um dia muito triste também para mim”, reagiu o atual presidente do Benfica..Um atropelamento e golo na estreia pelo FC Porto traçou-lhe o destinoNascido a 14 de outubro de 1971, no Porto, Jorge Costa tinha o destino traçado. Passou a infância a brincar com uma bola e ainda jogou voleibol antes de se tornar uma defesa central de nível mundial - “um central à Porto” - simples no trato e forte na personalidade, em campo e fora dele.Chegou a jogar voleibol no Fluvial , mas um acidente “feliz”, segundo o próprio, impediu uma carreira de voleibolista. “Fui atropelado três vezes. (...) E essa foi a minha sorte porque como parti a clavícula, tinha de ser operado passado dez meses para retirar as placas e parafusos, e perdi também alguma mobilidade na clavícula esquerda, o que me obrigou a deixar o voleibol. Tinha 13/14 anos. Por isso é que digo que foi a minha sorte, porque me dediquei exclusivamente ao futebol”, contou numa entrevista ao Expresso, descrevendo assim como foi desviado para um caminho de glória no futebol.Chegou ao FC Porto com 16 anos, vindo do FC Foz com um desprendimento que lhe valeria alguns raspanetes e avisos por faltar aos treinos. Atinou e com 20 anos, no dia 25 de agosto de 1992, estreou-se na equipa principal diante do Estoril (1-0). Não podia ter corrido melhor. Só precisou de 17 minutos para marcar o primeiro golo da carreira e dar a vitória aos portistas, que nessa época (1992/93) seriam campeões nacionais.Representou os dragões durante 13 temporadas, mas a despedida dos relvados foi com a camisola do Standard de Liége, em outubro de 2006. Meses depois começou a carreira de treinador, como adjunto de Rogério Gonçalves e só deixou o banco, depois de subir o AVS à I Liga, para regressar ao Dragão como diretor para o futebol pela mão de André Villas-Boas, que lhe escreveu uma longa e emotiva carta de despedida..André Villas-Boas despede-se de Jorge Costa, "a eterna lenda" do FC Porto.Preparava a época 2025/26 com entusiasmo e falou sobre isso, numa entrevista à Sport TV, quando se sentiu mal e pediu par a acabar a entrevista dentro das instalações do centro de treinos, onde acabaria por perder os sentidos. Já tinha sofrido um enfarte em abril de 2022, tendo então sido submetido a um cateterismo. Depois de recuperar deu uma entrevista ao jornal A Bola e que dizia quer viver muito mais. Mas foram apenas mais três anos. As cerimónias fúnebres começam hoje, às 15h00, no Estádio do Dragão, e o FC Porto viu a Liga Portugal aceitar adiar o jogo agendado para sábado, com o Vitória de Guimarães, adiado para segunda-feira (20h45) para que o clubes se possa despedir do “Capitão”, que jamais será esquecido.isaura.almeida@dn.pt