A fundação Justice for Players (JFP) ameaça entrar com uma ação coletiva, em nome dos jogadores de futebol, contra a FIFA, se a entidade não mudar o Regulamento relativo ao Estatuto e à Transferência de Jogadores (RETJ). Segundo a fundação neerlandesa, que representa futebolistas e ex-futebolistas, cerca de 100 mil jogadores estão a ser (ou foram) vítimas da não aplicação da normativa europeia. O pedido de compensação pode ser de milhares de milhões de euros.A ação judicial ainda não foi protocolada. Para já, foi enviada uma carta prévia ao organismo liderado por Gianni Infantino, mas a fundação pretende entregar o processo, no início de 2026, no Tribunal Distrital de Midden-Nederland, nos Países Baixos, com base na Lei de Liquidação de Danos Coletivos em Ação Coletiva, que permite ações em nome de grandes grupos - neste caso, jogadores profissionais de futebol.A ação decorre, depois de, em outubro do ano passado, o Tribunal de Justiça Europeu (STJE) considerar, na sequência do caso Lassana Diarra, que os regulamentos da FIFA tornam extremamente difícil para um jogador rescindir o seu contrato de trabalho, sem justa causa, e violam dois princípios fundamentais do direito europeu: a livre circulação de trabalhadores e a concorrência leal. Nessa altura, o organismo que rege o futebol mundial admitiu mudar o artigo 17.º, mas depois anunciou apenas a adoção de “um quadro regulamentar provisório”. Segundo os regulamentos atuais, se o clube quebrar o vínculo de forma unilateral só tem de pagar o valor dos salários ao atleta, mas se for o jogador a rescindir e procurar outro clube, a FIFA faz uma mitigação de danos, normalmente, com base na cláusula de rescisão. É esta desigualdade da penalização consentida pela FIFA que está a ser contestada.Ao DN, uma porta voz da fundação holandesa clarificou que a fundação Justice for Players foi “criada para representar os interesses dos jogadores e reivindicar indemnização pelos danos sofridos por todos os jogadores profissionais de futebol que foram ou ainda são afetados pelas regras de transferência da FIFA”. A ação coletiva contra a FIFA estender-se-á a outras cinco associações nacionais de futebol - Alemanha, Países Baixos, França, Dinamarca e Bélgica - por terem regras de transferência, que, além de estarem “feridas de legalidade”, dificultam, inclusive, o desempenho dos jogadores. “As associações de futebol também estão a ser processadas por implementarem e aplicarem as normas de transferência da FIFA que foram consideradas ilegais pela legislação da União Europeia”, explicou a porta voz da JFP.Escolher as federações dos países geograficamente mais próximas dos Países Baixos também é estratégico por terem assento nos órgãos de decisão, como a UEFA e FIFA. E, no caso da federação belga, porque a ação decorre de uma decisão sobre o processo original movido por Lassana Diarra, que ainda está em tramitação na Justiça da Bélgica..Miguel Poiares Maduro: “Falta de controlo torna o Desporto apetecível para entidades e agentes criminosos”.Diarra: um lugar na históriaJogou no Arsenal, PSG e Real Madrid, mas é pela luta fora dos relvados que pode ficar na história. Devido a uma redução drástica do salário, o francês rescindiu o contrato com o Lokomotiv de Moscovo, que considerou a rescisão unilateral abusiva e recorreu à FIFA, que condenou o jogador a indemnizar o clube russo, no valor da cláusula de rescisão: 20 milhões de euros - posteriormente reduzidos para 10,5 milhões - pelos danos causados.Entretanto, o Charleroi, que estava interessado no internacional francês, desistiu de contratar o francês temendo ter de assumir parte das penalizações financeiras - por solidariedade - como consta do regulamento de transferências da FIFA. O futebolista, que ficou uma temporada sem jogar, decidiu contestar algumas normas do regulamento de transferência, por dificultaram a sua contratação pelo clube belga. Diarra alegou que o direito ao trabalho está consagrado no artigo 15.º da Carta dos Direitos Humanos da União Europeia, por isso, quando uma entidade impede um futebolista de jogar, isso viola a normativa europeia. E, em outubro de 2024, o Tribunal de Justiça da União Europeia deu-lhe razão e considerou que as regras da FIFA não estavam em conformidade com a legislação da UE, por não permitir a livre circulação de trabalhadores, no caso jogadores de futebol, e a preservação de concorrência em mercados internos. Segundo a decisão do tribunal europeu, as normas da FIFA, “são suscetíveis de dificultar a liberdade de circulação dos futebolistas profissionais que pretendam desenvolver a sua atividade, assinando com um novo clube estabelecido no território de outro Estado-Membro da UE”.Por isso, o Caso Diarra é mais revolucionário do que foi o Caso Bosman, que levou a uma abolição, em 1995, das restrições sobre a transação de jogadores comunitários. A decisão do STJE permitiu a jogadores com passaporte de países da Europa trabalhar em qualquer país do continente europeu e fez a FIFA reavaliar as regras de transferência.Algo que a fundação Justice for Players, que está a ser assessorada pelo escritório Dupont-Hissel, fundado por Jean-Louis Dupont, o mesmo advogado do histórico caso Bosman, espera que também aconteça agora e com uma dimensão estratosférica. Porque, segundo eles, todos os jogadores profissionais que foram afetados por essas regras ilegais e em vigor desde 2001, podem exigir uma compensação por danos. Por isso, estão convencidos de que esse “preço a pagar” por violar as leis da UE vai forçar a FIFA a mexer no Regulamento relativo ao Estatuto e à Transferência de Jogadores . Até ao dia de ontem, o organismo liderado por Gianni Infantino ainda não respondeu à missiva da fundação holandesa criada pelos advogados Lucia Melcherts (presidente), Dolf Segaar e Franco Baldini, que ameaça avançar com uma ação bilionárias contra o organismo mundial. E, segundo um estudo preliminar da Compass Lexecon, os jogadores profissionais ganharam, em média, 8% menos, ao longo da carreira, devido aos regulamentos impostos pela FIFA. Por isso, muitos especialistas em direito desportivo, como Rosalía Ortega Pradillo, presidente do Instituto Ibero-Americano do Direito Desportivo, defendem que, como frisou numa entrevista ao DN, “os jogadores estão reféns das cláusulas de rescisão” e e deviam “lutar pela sua abolição”. isaura.almeida@dn.pt.Rosália Ortega Pradillo: "Os jogadores estão reféns das cláusulas de rescisão. Deviam lutar pela abolição"