Euro2024 mostrou que Ronaldo já não decide e lançou Vitinha como novo maestro
EPA/ABEDIN TAHERKENAREH

Euro2024 mostrou que Ronaldo já não decide e lançou Vitinha como novo maestro

Capitão terminou sem golos apesar dos 23 remates. Posse de bola e acerto no passe contrabalançam com excesso de jogo lateral e cruzamentos ineficazes. Martínez promete uma equipa com margem para crescer, mas tem de tomar uma decisão sobre CR7. Frieza de Diogo Costa nos penáltis deu que falar.
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Portugal melhorou o resultado do Euro2020, quando foi eliminado nos oitavos-de-final pela Bélgica de Roberto Martínez, mas será isso suficiente para tornar a participação no Euro2024 positiva? Pelo desempenho de Pepe, Vitinha, Nuno Mendes, Diogo Costa ou Rúben Dias sim, pelo desempenho de Cristiano Ronaldo não.

O selecionador recorreu às estatísticas mais básicas como a posse de bola (média de 64,8% e os 90,4% de acerto no passe) e até os pontapés de canto (47 em cinco jogos) para tentar mostrar que Portugal não esteve assim tão mal. O problema é que os golos foram apenas cinco e sendo que dois foram da autoria dos adversários. Os outros foram de Francisco Conceição, Bruno Fernandes e Bernardo Silva.

Portugal esteve 364 minutos (excluindo compensação) - o que corresponde a seis horas - sem conseguir marcar um golo e isso foi um problema. As únicas seleções com idêntica posse de bola, a espanhola e a alemã, tiveram mais do dobro de golos nos mesmos cinco golos.

O método de chegada à baliza ou forma de jogar... com a exploração de situações de ir à linha e cruzar. Foram 153, mas apenas 32 bem-sucedidos. A referência ofensiva portuguesa foi Cristiano Ronaldo, mas o capitão ganhou apenas um dos dois duelos aéreos que teve.

E não foi por falta de tentativas que Cristiano Ronaldo ficou em branco pela primeira vez em Europeus ou Mundiais na 11.ª prova. CR7 fez 23 remates na competição (um terço deles enquadrado com a baliza), mas nenhum resultou em golo - o que marcou no desempate por grandes penalidades diante da Eslovénia não contou para estabelecer um novo recorde e marcar em seis europeus seguidos. 

Como ele próprio disse este foi o seu último europeu, mas aos 39 anos, o avançado do Al Nassr não pretende deixar a seleção enquanto sentir que tem condições para representar Portugal e por isso terá de ser Roberto Martínez a avaliar se ele ainda é a melhor opção para o ataque português. Na Alemanha, o técnico deixou claro que tanto a jogar em 4x3x3 como em 3x4x3, CR7 era a aposta única.

Gonçalo Ramos teve apenas 25 minutos em campo neste europeus e nem no jogo em que fez experiências, diante da Geórgia (derrota, por 2-0),o avançado do PSG teve oportunidade de jogar de início. A falta de pontas de lanças fixos volta assim a assombrar a seleção.

O balanço do desempenho de Cristiano Ronaldo teve momentos em que nem foi mau, foi inexistente. Sem ser servido em profundidade nunca conseguiu libertar-se da marcação ou fazer os dribles ou piques que outrora o fizeram estratosférico. Este Europeu talvez tenha mostrado ao próprio Cristiano Ronaldo que já não é diferenciador como o foi nos últimos 20 anos.

E não há muito tempo para tomar decisões drásticas. Em setembro já há jogos para a Liga das Nações. 

Frieza e Diogo Costae talento de Vitinha

De positivo, há a retirar várias coisas. A começar pelo “segredo oculto” que era e deixou de ser Diogo Costa. O guarda-redes português que entrou na história ao defender três grandes penalidades no desempate por penáltis, frente à Eslovénia, mas a defesa que fez com os pés a impedir o golo antes dos 120 minutos desse jogo mostra mais sobre a sua frieza e talento entre os postes que o desempenho que teve na marca dos 11 metros.

E se este Portugal teve dedo de Martínez desde o início, esse dedo foi Vitinha. Quando muitos esperavam que o maestro do jogo português fosse Bernardo Silva ou Bruno Fernandes, o técnico espanhol deu a batuta ao médio do PSG e nesse aspeto deu-se bem. Vitinha foi talvez o melhor de Portugal neste Europeu, a par de Nuno Mendes e do cada vez mais sólido e discreto líder da defesa Rúben Dias. Mas também é preciso destacar que a nova função no campo, mais ao estilo do que ocupa no Manchester City obrigou Bernardo Silva a correr muito mais e depois de uma época ultradesgastante. Frente a França voltou a ser o que mais correu e fez mais de 16Km e terminou com 55.6 Km em quatro jogos.

Já Nuno Mendes contribuiu para uma ala esquerda ágil e veloz com Rafael Leão, outro que sae com um bom desempenho. Fez quatro dos cinco jogos não se ressentiu de lesões, que o têm atormentado ano após ano. Aliás a sua entrada na lista dos 26 chegou a ser questionada porque vinha de uma lesão grave e podia não ter ritmo ou andamento para um Europeu. Teve e ao mais alto nível. Aliás a parte física da seleção e a ausência de lesões musculares é algo que merece um parecer positivo. Martínez trabalhou sempre com o grupo completo à exceção dos dias que antecederam o segundo duelo da fase de grupos,  em que Diogo Jota, João Félix e Gonçalo Ramos treinaram condicionados, mas recuperaram para o duelo com a Turquia (vitória, por 3-0).

A amplitude de João Palhinha, que se prepara para reforçar o meio campo do Bayern Munique, foi notório, até pelo excelente acerto do passe, quando a missão dele “é meter o pé” e destruir. É o segundo jogador com mais desarmes na prova apesar de ter jogado só 45 minutos em dois dos jogos e não ter sido opção logo no jogo de estreia. E isso foi penalizador para ele (e talvez) para a equipa. Podia ter dado logo tranquilidade à equipa no duelo com a Rep. Checa, que Portugal ganhou (2-1) num rasgo digno do cognome “espalha brasas” que o selecionador atribuiu a Francisco Conceição quando justificou a sua convocatória en detrimemto dos campeões Pote e Trincão. O abraço demorado que o dragão deu a Roberto Martínez ao despedir-se dele no aeroporto, no regresso do Europeu, mostra também o espírito de grupo apregoado desde o primeiro dia por todos (e que nunca esteve em causa diga-se).

O selecionador mencionou vezes sem conta que a equipa iria crescer durante o torneio e irá continuar a crescer daqui para a frente. Resta saber se os males do Euro2024 foram dores de crescimento para algo maior que a conquista do Euro2016. Portugal era a única das 24 seleções presentes no Campeonato da Europa que tinha passado sempre a fase de grupos, mas já passaram oito anos desde essa conquista, em França, com um golo de Eder e a equipa das quinas continua à espera da consolidação de títulos. Basta comparar com a seleção gaulesa, que, para além da final do Euro2016 perdida, venceu o Mundial 2018, esteve nas meias finais do Euro2020 e na final do Mundial 2022, e agora volta a estar nas meias finais. Portugal caiu nos oitavos do Mundial2018 e do Euro2020 e foi eliminada nos quartos-de-final do Mundial 2022 e do Euro2024.

Roberto Martínez é o principal responsável pelos resultados e este torneio mostrou que uma fase de qualificação é bem diferente de uma fase final de um europeu ou de um mundial. Com uma média de idade de 26,6 anos, a equipa nacional não precisa de uma renovação drástica. E sem os 41 anos de Pepe, que irá anunciar o adeus à seleção dentro de dias, apenas Cristiano Ronaldo (39 anos), Rui Patrício (36) , Danilo (32), José Sá (31), João Cancelo (30) e Nelson Semedo (30) estão na casa dos 30 anos.

isaura.almeida@dn.pt

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