Portugal foi suspenso pela Federação Internacional de Judo (IJF) até 23 de maio de 2025, devido a uma dívida de 800 mil euros. Uma decisão extremada que acontece a cerca de duas semanas dos Mundiais de Budapeste, para os quais Portugal tem inscritos seis judocas, entre os quais o Bicampeão Mundial Jorge Fonseca (2019 e 2021) e a atual Campeã Europeia Patrícia Sampaio. O DN questionou o Federação Internacional de Judo, que respondeu enviando todo o processo disciplinar instaurado à Federação Portuguesa. Neste pode ler-se que a “decisão está sujeita a recurso, para a Comissão de Recursos Disciplinares da IJF”. O que terá de acontecer no prazo de 15 dias. A participação dos portugueses “não está em risco”, segundo Sérgio Pina, presidente da Federação Portuguesa de Judo (FPJ). Já o organismo mundial refere que decidiu ser brando com a FPJ para não atingir os judocas portugueses, permitindo que participem em eventos internacionais sob a bandeira da IJF. Ou seja, se algum judoca conquistar uma medalha, a bandeira verde-rubro não será exibida e a A Portuguesa não será escutada. “Se a dívida for paga integralmente, a suspensão poderá ser levantada antes do término do período completo de um ano”, explica o organismo que rege o judo mundial.Entenda o imbróglio e como se foi acumulando a dívidaSegundo a IJF, a FPJ não cumpriu as obrigações de pagamento, conforme estipulado nos Acordos de Organização de Eventos, celebrados ”e realizados em Portugal". A saber: Campeonato Mundial Júnior de 2023, em Coimbra, 300 mil euros, o Grande Prémio de 2023, em Odivelas, 250 mil, e Grande Prémio de 2024, mais 250 mil, num total de 800 mil euros.Ao não-pagar o acordado, a Federação Portuguesa violou o Código Disciplinar da IJF. Disso mesmo deu conta à entidade portuguesa, notificada no dia 12 de fevereiro, de que teria 14 dias para regularizar a dívida ou a IJF rasgaria os acordos. O que aconteceu a 27 de fevereiro. Já em março, foi emitida uma advertência legal e, como a 8 de abril a federação continuava sem mostrar intenção de pagar e continuava sem pagar as licenças, a Federação Internacional de Judo suspendeu o judo português.No documento a que o DN teve acesso, a IJF explica ainda que, qualquer federação que não tenha pagado as licenças anuais até 31 de maio de cada ano não será autorizada a participar dos Jogos Olímpicos, Campeonatos Mundiais ou qualquer outro evento realizado sob a égide da organização internacional (esse é outro problema a resolver). Para já a FPJ está suspensa, mas, em último caso, pode acabar expulsa. Segundo a IJF, a associada portuguesa “não contestou a dívida” e pediu desculpa pelo incumprimento, justificado com o caos em que se encontrava a federação desde a expulsão do antigo presidente (Jorge Fernandes, que nega a dívida), a quem, o atual elenco diretivo responsabilizou pela “catástrofe financeira da instituição”.Queda do Governo foi argumento para adiar pagamento“Quando assumi a presidência, comecei a perceber que a dívida da FPJ era astronómica. Algo que ninguém, exceto o ex-presidente, sabia. O orçamento da FPJ depende exclusivamente do apoio do Estado, e o valor anual não ultrapassa 1,2 milhão de euros, que são necessariamente canalizados para as suas atividades, o que torna impossível para a FPJ pagar a sua dívida com a IJF sem apoio adicional de instituições estatais”, justificou Sérgio Pina. Em carta datada de 5 de maio, o atual presidente respondeu estar a tentar o apoio do Estado para apresentar uma plano de pagamento parcelado, mas que a queda do Governo atrasou esse entendimento e que teriam de esperar pelo resultado das legislativas de 18 de maio. A IJF tinha dado até ao dia 13 de maio para os portugueses regularizarem a dívida, altura em que a FPJ disse ter pagado 50 mil euros e solicitou 45 dias para fazer um segundo pagamento, no valor remanescente da dívida. Mas “a Federação Internacional não acusou a receção dos 50 mil euros” e perdeu a paciência, instaurando um processo disciplinar, que resultou na suspensão de um ano.E podia ter sido pior. A Federação Internacional explica ainda no documento enviado ao DN, que optou pela sanção menor, uma vez que a suspensão podia ser de dois anos (e isso iria afastar os judocas do apuramento para os Jogos Olímpicos) ou de um ano e uma multa... de 50 milhões de euros, algo, que pareceu descabido ao Conselho Disciplinar, dado a FPJ não ter dinheiro para pagar a dívida.Telma Monteiro: "Tenho pena porque são sempre os atletas que ficam prejudicados"Telma Monteiro confessou-se "triste" com a suspensão, que não considera ser "uma grande surpresa". "Acho que o que está a acontecer agora é o reflexo e a consequência de decisões que foram tomadas nos últimos anos. Acaba por não ser uma grande surpresa, na minha opinião e para a comunidade do judo. E é triste, por tudo aquilo de que nos queixámos não há tantos anos, como isso agora acaba por se comprovar. É triste, não sei como é possível resolver a situação e tenho pena porque são sempre os atletas que ficam prejudicados", lamentou a antiga judoca à agência Lusa.A medalha de bronze olímpica no Rio2016 assinalou as consequências nefastas que esta situação poderá acarretar para o judo português já nos Mundiais, que decorrerão entre 13 e 18 de junho em Budapeste."Temos atletas que possivelmente podem não competir com a bandeira de Portugal, podem ter que competir com a bandeira da Federação Internacional de Judo, temos uma federação que pode perder o estatuto de utilidade pública e os prejudicados são sempre os mesmos, que são quem trabalha para trazer prestígio à modalidade. Portanto, isso é triste, mas, como disse, é uma consequência e teve mais destaque pelo impacto direto e a entidade grande que é a Federação Internacional de Judo", referiu Telma Monteiro que se despediu dos tatamis este ano. isaura.almeida@dn.pt