Do Guincho à "inesquecível" nota 10: Frederico Morais vive dia histórico

Português vai pela primeira vez às meias-finais de uma prova do circuito mundial, após eliminar o campeão John John Florence, em J-Bay, com uma onda perfeita. "Isto é só o princípio", perspetiva o antigo diretor técnico nacional
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O destino de Kikas estava traçado desde o dia em que a bodyboarder Dora Gomes ofereceu uma prancha ao seu pai. Com o desporto nos genes, um talento inato para o surf e uma dedicação extrema em busca do objetivo (que se tornou projeto familiar), Frederico Morais "desde muito novo mostrava condições para ser um atleta de elite", recorda o antigo diretor técnico nacional da modalidade, Rui Félix. Agora, quase 20 anos depois de enfrentar as primeiras ondas na praia do Guincho (Cascais), o surfista português começa a concretizar todos os sonhos: ontem, apurou-se pela primeira vez para as meias-finais de uma etapa do circuito mundial, ao obter uma "inesquecível" nota 10, diante do atual campeão do mundo, o havaiano John John Florence.

Não é primeira vez que um luso chega às meias-finais numa prova do World Championship Tour, a divisão principal da liga mundial de surf - Tiago "Saca" Pires conseguiu-o na Indonésia, em 2008, na França, em 2009, e na Austrália, em 2011; e Vasco Ribeiro fê-lo em Peniche, em 2015. Nem foi o primeiro 10 (nota máxima) recebido por um português no circuito mundial - "Saca" alcançou-o em Pipe Masters (Havai). No entanto, não é exagero dizê-lo: Frederico Morais viveu um dia histórico para si e para o surf nacional.

Após, na terça-feira, ter derrotado as vedetas Mick Fanning e John John Florence (depois repescado), para se apurar para os quartos-de-final do J-Bay Open, etapa do World Championship Tour que decorre na Baía de Jeffreys (África do Sul), ontem Kikas voltou a brilhar, numa bateria épica contra o campeão mundial - já depois de a prova ter sido interrompida devido à presença de tubarões nas águas de J-Bay. Com pontuações de 9.57 e 9.10, o havaiano deixou o português sob pressão - obrigado a uma performance perfeita nos últimos minutos, para passar à fase seguinte. E Frederico respondeu à altura, com um 10 do júri, na sua última onda.

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Meia-final contra Gabriel Medina

"Foi um heat perfeito, só faltou fazer outro 10. Todos os que tive contra o John John foram muito renhidos, com notas altas. E este foi mais um deles. Inesquecível, sem dúvida", celebrou o surfista português, de 25 anos, depois de comentar o incidente que atrasou a bateria ("sou sincero, odeio tubarões mas concentrei-me na prova"). Em ano de estreia na divisão principal do circuito mundial, Kikas chega pela primeira vez às meias-finais, onde hoje (se as condições o permitirem) terá pela frente o brasileiro Gabriel Medina. "É um ótimo resultado para mim. Agora, [há que] continuar focado e querer sempre mais", apontou o atleta, que deverá subir - no mínimo - à 13.ª posição do ranking mundial, no qual é o segundo melhor novato (só atrás do australiano Connor O"Leary).

Na verdade, Frederico ameaça ir mais além (podendo tornar-se o primeiro português a chegar à final ou a vencer uma etapa da liga mundial). "Jeffreys Bay é uma onda ao estilo dele e pode chegar à final e à vitória. Se não for este ano, tenho a certeza de que vai acontecer no futuro", aponta, ao DN, Rui Félix. O antigo diretor técnico nacional da Federação Portuguesa de Surf (2000--2013), que trabalhou com o atleta cascalense durante cerca de 10 anos, diz que "isto é só o princípio" do que promete ser a carreira de sucesso de Kikas entre a elite mundial. "No primeiro ano, contra as feras todas, ele não se intimida. Quanto mais difícil é a competição, mais se empenha", elogia o técnico.

É "o fruto do trabalho familiar"

Esse perfil, de "um atleta com muita força de vontade, que não se deixava ficar pelo mediano e queria sempre o máximo", é a imagem de marca de Frederico Morais desde tenra idade. O pai, Nuno (ex-jogador de râguebi, internacional português durante 12 anos e irmão do antigo selecionador Tomaz Morais), incutiu-lhe a dedicação e paixão pelo desporto, mal viu como o filho - com 5 ou 6 anos - se ajeitava em cima de uma prancha que lhe fora oferecida por Dora Gomes. E, durante quase 20 anos, deu-lhe as condições para chegar ao topo.

"O meu pai é a razão por trás de tudo isto. Ele fez tudo por mim, todos os sacrifícios", sublinhou Kikas, ao DN, em finais de 2016, após conseguir a promoção ao World Championship Tour, recordando como desde 2003 a sua família passava o Natal no Havai e a Páscoa na Austrália, para que pudesse aprimorar a técnica, nas ondas mais exigentes. "A família toda é muito ligada ao desporto. O pai acompanhou-o desde muito cedo, preocupou-se em colocá-lo a participar nas melhores competições e a trabalhar com os melhores treinadores: aí está o fruto do trabalho familiar", aponta Rui Félix.

O resultado foi esta ascensão, da praia do Guincho até à nota 10 de J-Bay. Com 7 anos, Frederico Morais já escrevia cartas para a revista Surf Portugal a dizer "ainda vão ouvir falar muito de mim". Agora está a cumprir todas as promessas.

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