A seleção nacional de râguebi regressa hoje a Portugal (às 19.40, no Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa) depois do épico triunfo sobre as Ilhas Fiji (24-23), que fechou a participação histórica dos lobos no Mundial 2023. Portugal (13.º no ranking mundial desde ontem) recebeu elogios dos maiores da modalidade e levou o selecionador Patrice Lagisquet (de saída da seleção) a pedir publicamente à World Rugby que premeie o desempenho da equipa com a qualificação direta para o Austrália 2027 (algo que as regras permitem)..De forma direta ou indireta, a presença no próximo mundial é algo que o presidente da Federação Portuguesa de Rugby (FPR), reeleito para o quadriénio de 2023-2027, aposta de olhos vendados... mas mediante algumas premissas, como a divulgação da modalidade a nível nacional, maior investimento em infraestruturas, a descentralização e o combate ao abandono num desporto praticado por 6808 pessoas: "Com isso vamos progredir com certeza.".Se antes do Mundial 2023, Carlos Amado da Silva dizia aos seus "meninos", como os trata, que estava orgulhoso das exibições, mas triste pelos resultados, agora está "extremamente contente e orgulhoso" por ver o Mundo rendido ao bom râguebi dos portugueses. Tal não era "expectável" frente a equipas do top 10 mundial, 100% profissionais, com orçamentos que envergonham a única equipa semi-amadora das 20 presentes no Campeonato do Mundo: "Por tudo isso, a primeira grande vitória foi chegar ao Mundial e ser uma das 20, num universo de 200 seleções"..Foram três meses e meio de entrega total dos jogadores e equipa técnica: "Fantásticos. Eles foram excecionais e o apoio popular foi incrível. Os portugueses esgotaram estádios e estiveram sempre em maioria nas bancadas a ver os jogadores a praticar do melhor râguebi que se vê no Mundo. Só me pode deixar satisfeito como presidente. É quase um sonho. Um sonho em que acreditei sempre. Uma pessoa como juízo não acreditaria"..Segundo o dirigente, o trabalho invisível que possibilitou o sonho começou por colocar "as pessoas certas no lugar certo" e contratar uma equipa técnica "muitíssimo boa": "O Patrice Lagisquet é um técnico reputadíssimo, que veio para Portugal para mostrar que era possível jogar bonito, atrativo e ganhar. Criou uma mentalidade ganhadora. Frente a equipas deste nível não pensávamos em ganhar, mas em perder por poucos.".Amado da Silva lembrou ainda que "Portugal chegou a um patamar que agora não pode baixar, para não desbaratar todo o trabalho feito". Para potenciar o êxito da participação lusa, "é preciso divulgar mais o râguebi a nível nacional, mostrar que há outra bola e não é redonda". Por isso, "em breve", será iniciado um projeto de divulgação por todo o País, para regressar "rapidamente aos 10 mil" atletas federados. Atualmente são 6233 homens e 575 mulheres inscritas..Mas isso é pensar a médio e longo prazo. É preciso paciência e resultados como os do Mundial. "No imediato é preciso duas coisas: ter mais atletas que joguem em Portugal e termos onde fazer isso. O Centro de Alto Rendimento do Jamor já não reúne as condições ideais. Entregamos projetos para melhorar o campo no Jamor e ter como receber seleções de grande nível, com capacidade para 7/8 mil pessoas e cobrando bilhetes. Precisamos de fazer receita. Hoje cada jogo que a seleção faz dá prejuízo. Não podemos estar à espera que o Estado subsidie tudo, já reduzimos essa dependência de 90 para 30%, mas ainda dependemos do Estado"..A prática, essa, recomenda-se, até pelos valores inerentes à modalidade: " O respeito e a inclusão são salutares e fundamentais para a educação dos miúdos e jovens. O râguebi é uma aposta boa e merece ter mais apoio. Esperamos mais apoio dos órgãos de soberania como a World Rugby e vamos ter.".Descentralizar também é condição essencial. Cerca de 70% dos jogadores são da região da capital. Segundo a radiografia demográfica da prática do râguebi há 39 clubes da região Sul (4737 atletas), 11 da região Norte (1159 atletas) e 8 da região Centro (912 jogadores). Direito, CDUL, Belenenses, Cascais, Agronomia, AA Coimbra e o CDUP (Porto) são os que mais praticantes dão à modalidade..Dos 59 clubes registados na Federação, oito não têm equipas femininas. Mais preocupante, segundo os dados facultados ao DN pela entidade que rege a modalidade, é verificar que nove dos 59 clubes não tem qualquer atleta federado registado esta época - um deles é o V. Setúbal, um dos clubes com ligações históricas ao futebol que abandonou o râguebi (ficaram Benfica, Sporting e Belenenses)..Evitar abandonos precoces de jogadores é outro objetivo desafiante: "O râguebi precisa deixar de se uma modalidade da elite. Temos tido excelentes resultados nos sub-18 e sub-20, mas infelizmente muitos deles não seguem carreira. Muitos jogadores jogam enquanto estudam e depois acabam os cursos e não jogam mais.".Ontem, em jeito de balanço, Patrice Lagisquet falou do "sucesso" que foi a participação portuguesa no Mundial - triunfo sobre as Fiji (24-23), empate diante da Geórgia (18-18) e duas honrosas derrotas, com o País de Gales (28-8) e a Austrália (34-14). "Gostei de construir este grupo, o râguebi que conseguiram jogar, porque foi uma boa experiência para mim adaptar-me ao ADN do râguebi português", disse o selecionador à Lusa, destacando Jerónimo Portela, Raffaele Storti e Rodrigo Marta - que, aos 23 anos, já é o melhor marcador de ensaios de sempre da seleção -, como parte da "geração dourada" que já é o futuro da seleção..Lagisquet está de saída da seleção por opção própria e "deixa uma herança complicada" pelo destaque que conseguiu obter no Mundial, assume o líder federativo. "Quem vier a seguir vai ter de se aguentar e seguir o mesmo rumo. Está escolhido, ainda não posso revelar porque falta fechar a equipa técnica, mas para a semana talvez já seja anunciado", revelou Carlos Amado da Silva ao DN..isaura.almeida@dn.pt