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Desporto
16 janeiro 2022 às 00h49

Catarina, a espartana louca e campeã do mundo

Fisioterapeuta portuguesa imigrou para Malta à procura de melhores condições de vida e acabou a competir na mais dura prova de obstáculos do mundo, desafiada pelo namorado.

O que começou como "uma brincadeira" e levou a "uma participação inocente" na mais dura corrida de obstáculos do mundo tornou-se em algo sério. Tão sério que Catarina Gomes se sagrou campeã do mundo de Spartan Race - na categoria age group -, em Abu Dhabi, em dezembro. O feito passou despercebido à maioria dos portugueses, mas confirmou o desejo da atleta amadora de entrar no grupo de elite, onde só estão dois portugueses: Samuel e Filipa Castela.

Para ela, o título mundial "é a prova de que o esforço compensa". Mesmo "com um trabalho a tempo inteiro, sem patrocinadores, sem substâncias proibidas e sem apoios". O esforço exigido "é brutal" e só não é sobre-humano porque ela, uma fisioterapeuta/personal trainer de Aveiro de 31 anos, que adora animais, atividades ao ar livre, viajar, sol e mar e detesta a noite, o frio e perder tempo com coisas desnecessárias... aguenta.

"Frustrada" por investir tanto nos estudos e "não ter oportunidades de trabalho dignas" na área, foi obrigada a emigrar em 2016. Mudou-se com o namorado, Fernando, para Msida, uma cidade perto da capital de Malta, La Valeta, com cerca de oito mil habitantes. Foi o namorado que a desafiou e Catarina não podia estar mais grata por isso: "Ele também gosta de fazer as corridas comigo, o que ajuda bastante a querer continuar."

Malta é "um país de algumas oportunidades, mas pouca montanha", o que se torna um problema para treinar em contexto de prova. Mas nada que não tenha resolvido com treino de ginásio. Tem privilegiado o circuito da Europa Central (Rep. Checa, Eslováquia), mas em 2022 vai aventurar-se nas Spartan Race de Espanha e Itália, que têm mais montanha e são mais desafiantes. Cada prova implica uma viagem e cada viagem implica três/quatro dias e um investimento pessoal e financeiro "considerável", tendo em conta que paga as viagens e o hotel, além da inscrição na prova, que ronda os 100 euros. E no fim recebe... uma medalha e umas palmadinhas nas costas!

Chegar ao fim tem sido um prémio, mas as categorias profissionais têm prémios monetários, e é aí que ela quer chegar. Mesmo sem poder dar-se ao luxo de deixar de trabalhar e dedicar-se a 100% ao desporto, Catarina sonha desafiar a elite profissional, que é como quem diz desafiar-se a si própria e aos seus limites.

Ao DN confessa-se "viciada" naquela sensação de "superação constante a nível físico e mental" e garante que se sente recompensada ao testar os limites do corpo. E tem limites? "Estou a tentar descobrir quais são os meus limites. Há sempre tanta coisa para experimentar e para nos desafiar ainda mais...", respondeu a campeã do mundo, que nunca desistiu de uma corrida, apesar de uma vez quase ter entrado em hipotermia e de outra vez em que sentiu que acusou demasiado a pressão.

A Spartan Race está em franco crescimento a nível mundial. Inspira-se nos treinos dos soldados da Grécia Antiga e exige força, destreza, equilíbrio, velocidade, agilidade mental e superação, dividindo-se em três categorias: elite (profissionais), age group (competição com grupos etários) e open (aberta a todos).

Onze anos depois de ter começado em Vermont (EUA), a corrida de obstáculos cativou milhares de praticantes em mais de 60 países, havendo já um ranking de atletas e um campeonato do mundo (anual). Em Portugal são muitos os que se apaixonaram pelas corridas de obstáculos e há várias provas calendarizadas pela Federação Portuguesa de Corridas de Obstáculos, apesar de nenhuma ter a marca Spartan Race.

Em Espanha há um campeonato organizado e as provas chegam a ter 12 mil inscritos, entre profissionais e amadores, e têm em média 150 a 200 portugueses ávidos por superar obstáculos numa corrida de distância e dificuldade variadas. Carregar troncos, barris ou sacos de areia de 15 ou mais quilos, trepar muros de três metros de altura e saltar, rastejar sob arame farpado e por fossos enlameados, subir dunas de areia movediça no deserto, trepar montanhas de neve ou andar sobre brasas são alguns dos 21 obstáculos possíveis na corrida.

E Catarina adora "andar agarrada a qualquer coisa e estar pendurada", e confessa que "é preciso ter espírito espartano, um pouco de loucura e alguma paixão" para competir neste tipo de provas, que para os participantes "são um modo de vida", e não desporto.

isaura.almeida@dn.pt