Todo o seu percurso de vida tem a ver com basquetebol. É uma modalidade à qual está ligado há mais de 60 anos. De miúdo, encantado com o fascínio de pôr a bola no cesto, rapidamente percebeu que ensinar aos outros era uma paixão também de vida.Um jovem que se transformou num atleta profissional e depois em treinador. Trabalhou nos Estados Unidos em mais do que uma equipa universitária e trouxe para Portugal vários eventos, entre os quais o Magic Johnson. Foi co impulsionador do 3 para 3 no país. Passou pela Televisão nacional onde foi a voz da NBA. Esteve como diretor do Desporto Escolar durante 4 anos e como selecionador nacional de sub-20.Aceitou conversar com o Diário de Notícias e explicar o porquê do regresso. Com uma carreira tão rica, porquê agora o regresso a Portugal, deixando o cargo de Vice-presidente da NBA Ásia?Já tive a felicidade, em basquetebol, de ter trabalhado nos continentes todos, em 43 países. Fui vice-presidente da NBA no continente maior do mundo, em proporção, que é a Ásia, e estabeleci metas que não eram só minhas, eram metas da NBA: pôr em 10 anos 40 milhões de miúdos a tocarem na bola de basquete e serem inspirados pelo jogo, e não só se conseguiu esse resultado de 40, mas chegámos aos 50 milhões, 2 anos antes desse objetivo. Entre isso, tive o privilégio de lidar com os melhores treinadores do mundo, os melhores dirigentes do mundo, com seleções, enfim, com um trabalho que não é trabalho, porque é a alma mater de uma pessoa que gosta de basquetebol, é lidar com basquetebol, aprender, aprender e aprender. E sempre tive este objetivo de voltar. Quando tive a minha primeira experiência profissional fora do país, como treinador da Universidade em Nova Iorque, sempre pensei que aquilo que eu devo ao basquetebol é para devolver ao basquetebol, e sobretudo devolver ao meu país. Há tantas coisas que eu aprendi que só fazem sentido esses saberes, se eles se puderem transferir para operar transformações que eu acho que são necessárias no basquetebol português.E é por isso que quer ser Presidente da Federação Portuguesa de Basquetebol?DaÍ a minha ousadia de apresentar a minha candidatura de uma maneira perfeitamente independente. Obviamente tenho um grupo de pessoas que me suportam, mas não é uma candidatura contra ninguém, é uma candidatura de usar os saberes para mudar situações, para transformar as coisas, para as melhorar, para as pessoas do basquetebol. Esta é uma modalidade fascinante, fantástica, que é a minha palavra favorita. Que seja mais do que isso. Que seja algo que é de todos e para todos. Eu utilizava muitas vezes esta frase no mundo inteiro, que é ´basquetebol, short or tall, is a game for all´. E é a mesma coisa aqui, não interessa se um miúdo tem 5 anos, se é um adulto que já nem sequer joga basquetebol, se é profissional. O basquetebol é um jogo bonito de se jogar, bonito de ensinar, e que podemos, se formos pessoas qualificadas e boas pessoas, transmitir mais do que apenas as técnicas, podemos ensinar valores, princípios e virtudes.Mas este regresso é só para mudar o basquetebol em Portugal?Não, é um percurso que chegava ao fim. Nós temos percursos na vida e o meu percurso era, para um horizonte de 10 anos. Aliás, quando o convite foi feito eu já trabalhava com a NBA como comentador, já trabalhava como treinador de basquetebol. As pessoas já me conheciam desde 2004, quando fizeram o convite em 2014. Lembro-me de uma pergunta que na altura fiz: mas vocês têm 10 milhões de treinadores na América, porque é que querem que eu passe para esse lado? E a resposta foi, nós temos muitos treinadores, mas não temos nenhum treinador que consiga fazer as pontes como sabes fazer. E os que são as pontes? É ligar as pessoas, é ligar conhecimento, é ligar paixão, é ligar método, é ligar inspiração, eficiência, visão, treino e execução, e assim, eu acho que essa parte do jogo beneficia qualquer organização. Eu tive a felicidade ao longo desses anos de contatar com exemplos fantásticos de organização no Japão, nas Filipinas, na Austrália, que são países onde o basquetebol é tratado de uma maneira diferente.Realidades socioeconómicas completamente diferentes também, não é? Mas é nessa variedade que nasce o engenho de aprender, que é não criticar, é observar e tentar perceber. Como abrir um livro. O livro pode ter pouco interesse, mas tem lá uma página ou duas que nos diz muita coisa. E, portanto, aquilo que eu bebi, aquilo que é a experiência nesses países, é o que é que daqui pode resultar para uma melhor visão, e sobretudo uma maior integração das pessoas. Nós em Portugal somos um país pequeno, não se comparam os nossos 10 milhões com os 400 milhões da Indonésia ou os 30 milhões da Austrália, mas do ponto de vista de organização, de juntar as pessoas, somos muito top-down. Não é de baixo para cima, é de cima para baixo. Um dos meus propósitos nesta candidatura é que as pessoas não sejam as últimas a saber, mas participem no saber. No processo.E quer ouvir quem? Associações, clubes, treinadores? O exemplo que eu tenho da Austrália. Eles acabaram de apresentar o projeto até 2040, dividido em três fases. A apresentação foi lindíssima porque estavam lá os jogadores mais representativos, mesmo aqueles que já se retiraram, estavam lá dirigentes atuais, estavam lá os dirigentes das províncias que votaram, que são oito, não é que votaram, é que participaram. E quando nós participamos estamos envolvidos. Estamos envolvidos na solução e estamos envolvidos no problema porque partilhámos a nossa opinião e essa construção permite consolidar o nós e não o eu. Se eu vou a uma reunião e que me pedem para participar, mas chego lá e já está tudo decidido, eu não tenho vínculo à solução. Até me queixo, mas porque é que eu vim aqui? Perdi o meu tempo e já estava tudo resolvido. Portanto, a ideia é unir, unir as pessoas do basquetebol.Quer fazer mais isso do promover mais qualidade no nosso basquetebol? São fases completamente diferentes. Promover mais qualidade, sim. O desenvolvimento do basquetebol passa por um eixo, que é o desenvolvimento da qualidade dos treinadores. Nós temos de ter coragem e capacidade de perceber e olhar para modelos melhores que os nossos e perceber como é que podemos fazer para que isto seja mais uma vez o nós e não o eu. Os clubes precisam de ajuda e as Associações têm de criar recursos para o desenvolvimento do jogo.E quem é que executa isso? São os clubes e as Associações. O financiamento tem de ser garantido para essas pessoas. O que tem de ser dado é a prioridade para onde se quer gastar o dinheiro. Gasta-se o dinheiro no desenvolvimento, na pipeline dos atletas, para chegarem a melhores atletas? Ok, para lá chegar o que é que precisamos? Melhores treinadores, bons treinadores. E temos das nossas seleções nacionais, técnicos portugueses de qualidade. Portanto, nem sequer há essa questão. Mas é preciso que o edifício todo basquetebol trabalhe no mesmo sentido.Mas isso, se calhar, implica parar um bocadinho esse aumento de qualidade para arrumar a casa? Será isso? É muito difícil parar uma casa em movimento. Uma casa em movimento tem de ter ajustamentos e as pessoas têm de ter capacidade de que, aquilo que não é possível mudar, tem de continuar a mexer. Não se podem parar campeonatos. Não se podem parar as seleções. Não se podem parar os compromissos internacionais. É preciso aí introduzir no sistema visão. Para onde é que vamos, o que é que queremos e como é que vamos lá chegar.Qual é o papel das associações? Qual é o papel dos clubes? Como é que se fomenta o crescimento, se os clubes não têm capacidade financeira? Nós temos de fazer chegar financiamento à base da pirâmide, não ao topo da pirâmide. Há um espaço para o sonho, que há também de respeitar, de haver treinadores profissionais, equipas profissionais. Já houve experiência em Portugal disso, infelizmente não existe neste momento. Agora, é um sonho palpável e realizável também com uma visão de tempo e forma para lá chegar. E aquilo que eu vou apresentar em termos de candidatura é uma candidatura que assenta nos princípios da visão, da evolução, da credibilidade, da eficiência, mas com conceitos e ações. Ações vão aparecer, que vão ser apresentadas aos clubes, às associações, aos treinadores, aos árbitros, aos elementos todos da modalidade, para que eles sintam o que é que se pretende fazer. E há abertura na comunidade do basquetebol para isso? Há abertura, há abertura. Há espaços diferentes aqui. Há que respeitar o processo democrático em que existem pessoas que votam. Isto não é uma candidatura de campanha social. Isto é uma candidatura de campanha para 61 pessoas que votam. Portanto, essas 61 pessoas são quem vai decidir o caminho disto. A mim o que me interessa em primeira análise é que eu olhe para o espelho e sinta o orgulho de fazer parte deste processo, sinta o orgulho de ter cumprido com o meu desejo de que aquilo que eu sei é para transmitir aos outros e aquilo que eu quero é que essa transmissão seja possível de fazer num país que eu acho que precisa de algumas coisas diferentes. Eu não controlo os votos, nem ninguém controla os votos, os votos são secretos. Agora controlo essa conversa, essa motivação. Primeiro de me motivar a mim para estar nesse papel e segundo para apresentar coisas concretas para as pessoas olharem para elas. E, portanto, confio no bom senso. O basquetebol, como o nosso país, tem pessoas extraordinárias, tem pessoas maravilhosas, que devotam as suas vidas e faço aqui uma homenagem, já o fiz publicamente na própria organização, àqueles que durante anos foram presidentes, foram treinadores, foram amantes do jogo. Eu digo amantes do jogo porque dedicavam mais tempo ao jogo do que à família e em casa. E sim, nós devemos a essas pessoas assegurar a continuidade de uma modalidade onde todos se revejam, onde ninguém fica de fora. Eu sei que sou um otimista, sei que sou um idealista, mas sempre fui assim, eu assinava os meus e-mails na NBA com passion and love. Porque, passion and love é o que move as pessoas, é o entusiasmo, é a paixão, é o amor. É preciso ter regras, ter funcionamento. Eu nunca tive problemas com isso, até porque na NBA geria milhões por ano. Portanto, gerir dinheiro não é problema, gerir recursos não é problema. Antes do Covid chegámos a ter 315 pessoas a trabalhar em 9 países diferentes, com 6 línguas diferentes. E para chegar a esses objetivos que nos propúnhamos, trabalhámos em equipa e em equipa chega-se mais longe. Mas como é que se consegue ir buscar mais recursos?Olhe, se calhar ter uma direção comercial que não existe na Federação, se calhar trabalharmos todos juntos para criar o melhor produto, porque se nós tivermos um produto bom, é mais fácil vender. Transformar o basquetebol numa marca, será isso?Transformar o basquetebol numa marca, num produto que as pessoas associem à qualidade.Portanto, arranjar estratégia para que isto volte a ser uma realidade. Eu recordo-me que na viragem do país, no 25 de Abril, houve coisas que aconteceram em Portugal que fizeram crescer o basquetebol. Foi a primeira modalidade a ter uma associação de treinadores, a primeira modalidade com a liga profissional, a primeira modalidade a ter uma escola de formação. E foi produto muitos dos retornados, particularmente dos que vieram de Moçambique, mas de Angola também. Espalharam o basquetebol por este país fora, porque havia poucas associações, havia poucos centros de prática desportiva de basquetebol. Tive a oportunidade de falar com o Sérgio Candeias, que foi o meu primeiro treinador, quando tinha 5 anos, e é tão bom ter estas recordações vivas ainda, essas pessoas influenciaram a minha vida, e essas pessoas acabaram, ao virem para Portugal, por mais difícil que fosse a sua vida, por transformar o basquetebol de certa maneira.Como é que os seus pares da NBA encaram este projeto e esta ambição de mudar o basquetebol em Portugal? Posso dizer que tenho alguma dificuldade em lidar com isso, porque tenho gente das equipas da NBA, a perguntarem: Carlos como é que nós podemos ajudar? E eles não conhecem o nosso sistema. Alguns deles já me mandaram mensagens gravadas a dizer que adoraram trabalhar comigo, mas eu não estou muito nessa de tornar públicas as mensagens, porque as mensagens que eu quero que cheguem às pessoas de Portugal, são as mensagens do projeto que vou apresentar, para lerem, para refletirem, para ouvirem. Ouvirem alguém que fala com o coração, que fala com o saber, que tem argumentos para ajudar o basquetebol português. Mas quer receber dessas pessoas também?Isto não se faz com eu, faz-se com o nós. Portanto, o projeto é este - envolver as pessoas. A liderança só é efetiva se for uma liderança com escuta ativa, não é fingir que se escuta. As perguntas que são feitas são para terem resposta, e se não tiverem resposta, temos de trabalhar juntos para encontrar as respostas. Esta é a fase de vida em que estou, em que tenho que encontrar o nós, num país que tem muitos eus, que tem muitas quintinhas e que não nos ajuda a trabalhar no nós coletivo, para que isto possa andar mais para frente, e melhorar.