Crónica de uma subida anunciada e abençoada pelo Rei Vicente Lucas

Emoção e invasão de campo no Restelo, após empate com a Sanjoanense (0-0), que permitiu regresso ao futebol profissional. Azuis vão discutir título da Liga 3 com a U. Leiria.
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"Em vez de estar a dormir a sesta como os velhinhos" da idade dele (87 anos), Vicente Lucas foi esta tarde ao Estádio do Restelo ver o seu Belenenses subir de divisão, à II Liga, após um sofrido empate frente à Sanjoanense (0-0). Um regresso emocionante e feliz ao futebol profissional, cinco anos depois de descer ao inferno e começar de novo nos distritais de Lisboa.

Diabético, duplo amputado, cego de um olho e com um ouvido adormecido - "marcas de uma vida bem vivida", segundo o próprio - é a maior referência viva do emblema da Cruz de Cristo, que serviu entre 1954 e 1967. Maior que ele só o irmão, Matateu, que para ele (e mais alguns da geração dele) era "melhor que Eusébio". O nome de Matateu, que morreu há 23 anos, continua gravado nas paredes do velhinho Restelo e até dá nome a um café. Não deve haver clube no Mundo com dois irmãos como lendas maiores. "Ainda vão nascer", atirou, dizendo que quem gosta de futebol quer multiplicar grandeza e não confiná-la numa geração.

Chegou ao estádio na companhia de Afonso Sousa, um jogador que passou pelo Belenenses nos anos 60, que se tornou no grande amigo nascendo uma bela amizade. É a pessoa mais próxima do antigo internacional português (28 jogos). Vai visitá-lo ao lar todas as semanas e como não podia deixar de ser foi buscá-lo para almoçar antes de o levar ao "grande jogo".

O DN acompanhou o Pezinhos de Lã, como ficou conhecido, por roubar bolas a adversários de forma silenciosa e sem falta, mesmo que o adversário fosse o outro rei, Pelé. Vai sempre ao Restelo, apesar das limitações físicas. E recebe doses abismais de carinho. É reconhecido de imediato e abrem-se alas, literalmente, para passar numa imensa guarda de honra azul. Entre cumprimentos e dedos apontados - pais mostram ao filhos a lenda. Muitos ouviram falar dele e sabem quem é porque os feitos estão registados nos livros que contam a história do Clube Futebol Os Belenenses.

E Vicente Lucas ainda se pode orgulhar de ter sido contratado por Américo Tomás, o ex-presidente da República (1958), que também foi líder do clube do Restelo (1944), mas rezam as crónicas populares que foi Morais Cascalho, que serviu o clube durante 44 anos até morrer em 2019, que o trouxe a ele e ao irmão de Moçambique. A filha, Maria José Cascalho, trabalha nas modalidades do clube e esperou carinhosamente por Vicente Lucas.

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Foi preciso carregar a cadeira de rodas para o encaminhar para a tribuna de Honra, onde assistiu ao jogo ao lado do presidente Patrick Morais de Carvalho. Essa é uma das muitas limitações do recinto que terão de ser corrigidas para poder jogar no Restelo na II Liga 2023-24.

A tribuna dá-lhe um olhar privilegiado para "o estádio mais bonito de Portugal" e "a melhor vista de Lisboa", onde ao Rio Tejo, a Ponte 25 de Abril, o Cristo Rei e o Mosteiro dos Jerónimos abraçam o Estádio do Restelo. Diz que gosta do barulho das bancadas e que "não há som mais bonito do que um estádio cheio" e por isso tem "andado tão triste" por ver um mar azul de cadeiras despidas. Não quer saber das guerras administrativas (com a BSAD), só quer ver o Belenenses jogar, mesmo que "joguem pouco".

Sabe que a Liga 3 é amadora, mas para quem foi tão grande é difícil olhar para essa realidade. E aquele falhanço de baliza aberta de Clé, aos 65 minutos, deu-lhe razão. Avassalador no início do jogo - Pedro Martelo acertou na barra e falhou um desvio aos três minutos e Clé desperdiçou duas boas oportunidades de golo - a equipa de Bruno Dias acanhou-se no segundo tempo, provavelmente tolhida pelo peso da subida, mas foi salva por David Grilo.

O guarda-redes azul fez três enormes defesas, a remates de Benedict aos 45", Joel Silva 50" e Danrlei aos 62", que permitiram esperar ansiosamente pelo apito final, que selou a subida de divisão sem golos e permitiu uma épica e pacífica invasão de campo, onde os adeptos se misturaram com os jogadores. E Vicente Lucas saiu "emocionado e muito feliz".

Fundado num banco de jardim, na Praça Afonso de Albuquerque, em Belém, em 1919, o Belenenses é uma das cinco equipas que já foram campeãs em Portugal (época 1945-46) e vai agora discutir o título da Liga 3 com a União de Leiria, outro histórico de regresso ao futebol profissional. Já o Vilaverdense goleou o Amora (5-0) e apurou-se para o playoff de acesso à II Liga, com o Sp. Braga B, que venceu o Alverca.

Promoção à II Liga: U. Leiria e Belenenses

Playoff de subida à II Liga: Lank Vilaverdense e Sp. Braga B

Mantêm-se na Liga 3: Varzim, Fafe, Canelas 2010, Anadia, Sporting B, Oliveira do Hospital, Académica e Caldas.

Despromovidos ao Campeonato de Portugal: Montalegre, S. João de Ver, Paredes, V. Guimarães B, V. Setúbal, Real, Fontinhas e Moncarapachense

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isaura.almeida@dn.pt

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