O Tribunal Judicial da Comarca de Faro absolveu o adepto acusado de insultar Chiquinho, jogador do Famalicão, que, a 10 de fevereiro, se queixou de insultos racistas durante um jogo da I Liga com o Farense. A decisão data de outubro e já transitou em julgado e o adepto, que estava impedido de frequentar recintos desportivos, está assim livre para voltar aos estádios..Segundo a decisão judicial a que o DN teve acesso, o acusado virou-se “para o jogador e começou a imitar os sons - “uh, uh, uh” - similar aos efetuados por macacos”. Mas, segundo o juiz, o facto de a vítima ter “cor de pele negra” não chega para o condenar por incitamento ao ódio com base na raça. Por isso, decretou a “absolvição do arguido” de comportamento discriminatório de origem racial e considerou nula a decisão administrativa da Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto (APCVD), que o tinha multado em dois mil euros e interditado de entrar em recintos desportivos por 24 meses, invocando o artigo 39.º, que refere a “prática ou promoção de atos que incitem ou defendam a discriminação em razão da origem racial, cor, nacionalidade (...)”..O tribunal, apesar de dar como provado que o adepto “praticou tais atos discriminatórios e ofensivos da honra do visado”, considerou que o comportamento não levou a que outras pessoas discriminassem o atleta. Por isso, trata-se de um crime de “injúria”, previsto e punido pelo artigo 181.º do Código Penal, e não da contraordenação imputada pela decisão da APCVD - “não se conseguindo aferir em que medida o recorrente atuou com o propósito concretizado de praticar um ato que incitasse ou defendesse a discriminação”..Ou seja, o juiz considerou que a APCVD teria adicionalmente de provar, além dos insultos, que o arguido também incentivou atos de discriminação por parte de terceiros. Não sendo possível recurso da decisão, o agressor sai impune judicialmente, uma vez que o crime de injúria tem uma configuração penal diferente e Chiquinho teria, em seis meses, de apresentar uma queixa e constituir-se assistente num processo-crime contra o arguido, o que não aconteceu..Crime sem castigo.A 10 de fevereiro, durante o jogo da 21.ª jornada da I Liga, disputado no Estádio de São Luís, Chiquinho dirigiu-se ao árbitro Hélder Malheiro e apontou para um adepto em concreto, que foi depois identificado pelas autoridades presentes no estádio. A pessoa em causa, segundo consta no documento judicial, estava num setor das bancadas sem outros adeptos à volta. O jogo esteve interrompido cinco minutos e o speaker do recinto teve de apelar à calma: “Somos pelo futebol e contra o racismo.”.O caso tornou-se mediático e até o então secretário de Estado da Juventude e do Desporto, João Paulo Correia, condenou os insultos, garantindo que a APCVD iria agir. E agiu. Este foi aliás um caso elogiado pela celeridade. A polícia assistiu e reportou, e logo no dia a seguir o adepto ficou impedido pela APCVD de aceder a recintos desportivos. .A entidade liderada por Rodrigo Cavaleiro decidiu depois a 3 de maio, que “face a todo o exposto, e atendendo à gravidade da infração, culpa do arguido e exigências de prevenção e tendo ainda em atenção toda a matéria dada como provada”, entendeu que se justificava “a aplicação ao arguido da sanção acessória de interdição de acesso ou permanência em recintos desportivos pelo período de 24 meses, que se considera adequado e proporcional, sendo que a medida cautelar (…) aplicada continuará a vigorar até ao trânsito em julgado da presente decisão”. .O visado recorreu da decisão, tendo o tribunal decretado a nulidade da decisão administrativa da APCVD, o que lhe permite voltar aos estádios. Uma decisão que vai em sentido oposto a decisões proferidas por outros tribunais, que, em casos semelhantes, têm confirmado as decisões aplicadas pela Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto, bastando a mera prática de ato de discriminação para dar lugar à punição..isaura.almeida@dn.pt