Acabou o “Let’s go João, let’s go”. Sousa perdeu e disse adeus
João Sousa bateu com a mão duas vezes na terra batida do court Millennium, onde em 2018 escreveu a história mais bonita do ténis português, em seguida bateu duas vezes no coração, pegou no saco das raquetes e saiu emocionado e ovacionado, depois de derrotado pelo francês Arthur Fils, prometendo que a despedida é um “até logo”.
Até o carrasco foi digno e percebeu a importância do momento, remetendo-se a um papel secundário perante a despedida do gigante português que tinha tombado em apenas dois sets (7-5 e 6-4). “Para quem se despediu hoje não jogou mal”, atirou o jovem francês, que ficou em campo à espera do adeus de João Sousa.
Foi assim o resultado esperado de uma despedida indesejada, como o tenista de 35 anos admitiu na sua última conferência de Imprensa. Assim que o sorteio colocou o francês de 19 anos, que já é número 37 do ranking mundial, no caminho do tenista português, todos sabiam que o adeus do vimaranense podia acontecer no jogo de estreia do torneio. E foi. Apesar da chuva adiar o encontro por um dia, hoje, depois de dar luta durante uma hora e cinquenta minutos, Sousa entregou a vitória a Fils com uma bola na rede.
Assim, resignado com as barreiras físicas da vida, o português tentou segurar as lágrimas. Não conseguiu. Ao rever as imagens das participações nos seus nove Estoril Open - é o único totalista do torneio - em especial o inesquecível triunfo de 2018, o tenista que um dia chegou a número 28 do ranking ATP (em 2016) emocionou-se, sendo confortado por aqueles que “mais o apoiaram no sonho de ser tenista profissional”: a mãe Adelaide, o pai Armando e o irmão Luís, sem esquecer o treinador de sempre, Frederico Marques.
A vénia dos outros tenistas da sua geração, como Pedro Sousa, Gastão Elias e Rui Machado, e outros da geração que já cresceu a admirá-lo, como Jaime Faria, Henrique Rocha e Nuno Borges, o herdeiro do estatuto de número um nacional, foi um gesto simbólico, mas de grande significado. Afinal, João Sousa era, até ontem, o melhor tenista português de sempre e vai continuar a sê-lo até que alguém vença pelo menos quatro torneios ATP, como ele fez: Kuala Lumpur 2013, Valência 2015, Estoril Open 2018 e Pune 2022.
A partir de hoje já não se ouvirá mais “let’s go João, let’s go”, o grito tradicional do apoio anónimo vindo das bancas nas últimas 17 temporadas no circuito ATP, do qual se despede como 272 do mundo. Fica a garra, o espírito de sacrifício e o fair play - ainda hoje deu como boa uma bola considerada fora pelo juiz de linha no oitavo jogo, quando estava em vantagem -, que o levaram à elite do ténis mundial, quando ninguém ousava pensar que um português conseguiria lá chegar. E mesmo que neste último encontro tenha sido uma sombra daquilo que já foi.
"Em paz" com a decisão de abandonar, João Sousa deixou bem evidente porque se despede. O corpo já não dá para mais e mesmo quando vociferou alguma revolta durante a partida, já o fez sem grande convicção. E se houve momentos em que as bancadas podiam ter puxado mais por ele, também João Sousa podia ter puxado mais pelas bancadas.
“Despeço-me do ténis profissional. Não é um adeus, é um até logo. Agradeço a quem puxou por mim, todas as pessoas que fizeram parte, aos colegas que sempre puxaram por mim, há muitas caras conhecidas que sempre vi. Não podia ter pedido um percurso tão belo e com tanto significado. Vocês são espetaculares. Viva Portugal!”, atirou o tenista de 35 anos ainda em court, confessando que depois de tantos anos dedicados a essa paixão que é o ténis, “não podia ter escolhido um melhor palco para terminar a carreira” do que o Estoril Open.
E menos de uma hora depois de ter encerrado a carreira em singulares, o vimaranense voltou ao... court para o programado encontro de pares, ao lado de João Fonseca, que acabou por perder para a dupla Marcelo Demoliner/Sem Verbeek, por 6-4, 4-6 e 10-5. Um final menos glamoroso e até menos respeitoso pela bonita carreira. Culpa alteração do calendário do torneio por causa da chuva terça-feira e da organização, que bem podia ter evitado que o melhor tenista português de sempre se despedisse ingloriamente, sem tempo para assimilar a ovação do adeus.
"Ser a última enquanto jogador de ténis é sempre especial. Não é momento de tristeza, é de alegria, porque dei sempre o meu melhor. Estou de consciência tranquila. Gostava de ter dado vitórias aos portugueses mas não foi possível, tenho de aceitar isso com naturalidade. Estou muito feliz pela carreira que tive ao longo destes anos", finalizou João Sousa, confessando o que ia na alma: "Diria que me sinto realizado."
No sábado, será brindado com uma homenagem especial. Até lá tem 70 e tal mensagens para ler e passar algum tempo com os amigos.
isaura.almeida@dn.pt