Adriano Quintanilha, Hugo Veloso e Nuno Ribeiro, dirigentes da extinta equipa de ciclismo W52-FC Porto, foram acusados pelo Ministério Público de "elaborarem um esquema", que passaria por "utilizar práticas dopantes", incluindo "o recurso persistente à manipulação sanguínea", "com benefício próprio, uma vez que os bons resultados da equipa traduziam-se sempre em vantagem para os próprios ciclistas e dirigentes"..Por isso estão acusados de tráfico de substâncias e métodos proibidos entre outros crimes. Os três ex-dirigentes encabeçam a lista de 26 arguidos que resulta da Operação Prova Limpa e que acusa ainda os ciclistas João Rodrigues, Rui Vinhas, Ricardo Mestre, Samuel Caldeira, Daniel Mestre, José Neves, Joni Brandão, Ricardo Vilela, José Gonçalves e Jorge Magalhães do crime de tráfico e utilização de substâncias e métodos proibidos..Segundo a acusação do MP a que o DN teve acesso, o antigo diretor desportivo da equipa de ciclismo ligada aos dragões, Nuno Ribeiro, "instruiu" os ciclistas sobre os métodos para "introduzirem as substâncias no organismo sem que fossem posteriormente detetadas nos controlos antidoping"..As indicações iam ao ponto de lhes "indicar" em que dias deviam ser administradas, tendo em consideração as datas das provas em que iriam participar. No documento é descrito que uma das técnicas era beber soro: "O arguido Nuno Ribeiro disse ao arguido Amaro Antunes [citação como está no documento, embora não tenha sido acusado] para e como fazer transfusão/manipulação de sangue, tendo-lhes este recomendado que, antes do controlo, urinassem, bebessem soro e medissem os "valores", para que controlassem os níveis detetáveis no controlo antidopagem.".Outra das indicações era não comer hidratos de carbono no dia em que tinham "força", termo usado para definir a toma da hormona de crescimento, segundo a acusação, que chega a transcrever várias conversas onde o termo é usado: "Nuno Ribeiro disse a Joni Brandão que administrasse "força".".Os arguidos tinham cuidado para não referir as substâncias proibidas pelo nome e o MP acredita que lhe deram abreviações ou códigos: "Branca" para referir Betametasona,"feminina" para dizer hormona luteinizante ou "Insu" para pedir Insulina Humana. Substância proibidas tanto em competição como fora dela..A rede envolvia várias farmácias, que forneciam medicação sem receita, e até familiares de ciclistas, com o treinador adjunto, José Rodrigues, como peça fundamental. Pelo menos três das mulheres dos ciclistas foram ouvidas e não acusadas apesar das suspeitas de "terem conhecimento da atividade desenvolvida pelo marido, designadamente por encomendar, receber e entregar aos ciclistas substâncias proibidas". Num dos casos, as encomendas tinham como morada de entrega o trabalho de uma das mulheres. Há ainda o caso de uma pessoa que, segundo o MP, foi a casa dos pais de Nuno Ribeiro "buscar a Genotropin ou Saizen [ver caixa]"e "deixou-lhe 300 euros em pagamento"..A operação Prova Limpa resultou de uma denúncia anónima na PJ e foi para a rua no dia 24 de abril de 2022. A investigação ficou a cargo Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto, que não tem dúvidas que "os arguidos conheciam a natureza, qualidade, quantidade e composição daqueles produtos que adquiriam, vendiam, detinham ou cediam" e que "praticaram os factos supra descritos, sempre de forma livre, voluntária e consciente". Pelo que "violaram a verdade desportiva, incentivando e promovendo dopagem de praticantes desportivos, revelando desprezo pela sua integridade física e pela sua saúde, havendo concreto e fundado receio de que, podendo, possam vir a continuar esta atividade criminosa"..O vencedor da Volta a Portugal em 2017, 2020 e 2021 foi o único dos 11 ciclistas da extinta W52-FCPorto que não foi suspenso desportivamente e também não foi constituído arguido, por falta de "indícios suficientes da prática de ilícito criminal". Isto, "apesar de terem sido apreendidas caixas de tamoxifeno [medicamento oncológico usado como tratamento do cancro da mama] na sua residência, que justificou apresentando a guia de tratamento/receita, em nome da irmã", segundo a acusação..Amaro Antunes anunciou há dias a reforma aos 32 anos: "O falecimento precoce da minha mãe e o processo crime Prova Limpa [...] conduziram a que perdesse toda a motivação e o gosto pelo treino, indispensáveis para enfrentar mais uma época." O ciclista da ex-W52 FCPorto, equipa que dominou o ciclismo nacional na última década, ainda pode perder os títulos, caso a União Ciclista Internacional conclua que foram conquistados com recurso ao uso de doping..Entre as muitas substâncias proibidas apreendidas e que terão sido das consumidas/usadas estão: insulina (modulador metabólico), Genotropin (hormona de crescimento injetável), TB-500 (fator de crescimento), Eprex (EPO), Insulina-Like1 (modelador de fatores de crescimento), Aicar (modulador metabólico), Soro Ringer (solução expansora de plasma), Pervitin (metanfetamina), Captagon (droga psicoestimulante) e Evogene (hormona de crescimento)..Segundo a discrição de provas, num frigorífico em casa do arguido José Rodrigues foram encontrados 8 frascos de Evogene, três kits de injetáveis, um kit para transfusão, 49 comprimidos de Carvasin, 18 agulhas, três frascos pervitin injetável e dezenas e ampolas contendo várias substâncias proibidas. Na garagem, 11 kits de transfusão de produtos hemáticos, 60 pastilhas de efedrina e 96 agulhas hipodérmicas entre muitas outras substâncias, que se destinavam "à entrega aos ciclistas, bem como à administração aos mesmos"..Já no quarto de Nuno Ribeiro, no hotel onde foi supreendido pela PJ, em abril de 2022, em Trancoso, foram apreendidas 227 agulhas (incluindo duas usadas e caixas vazias de mais de 300 no total), 230 embalagens de seringas de insulina (50 com vestígios hemáticos - sangue) e 17 cateteres..isaura.almeida@dn.pt