Solveig Dommartin em Até ao Fim do Mundo (1991): que futuro para o cinema?
Solveig Dommartin em Até ao Fim do Mundo (1991): que futuro para o cinema?

Wim Wenders, 80 anos: até ao fim do mundo

O 80º aniversário de Wim Wenders será assinalado, a partir de amanhã, em Lisboa, com um ciclo no cinema Nimas — sem esquecer que a obra do autor alemão tem também uma componente portuguesa.
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Wim Wenders nasceu em Düsseldorf, a 14 de agosto de 1945 — o que quer dizer que amanhã celebra o seu 80º aniversário. A sua filmografia envolve um curioso paradoxo. Por um lado, identificamo-lo como uma figura indissociável de uma certa “nova vaga” germânica dos anos 60/70, ele que em 1972 assinou A Angústia do Guarda-Redes no Momento do Penalty, um dos títulos resultante da sua colaboração com Peter Handke; ao mesmo tempo, por outro lado, há no seu trabalho um incansável desejo de viagem, para sempre cristalizado em Paris, Texas (1984), filme que, junto de muitos cinéfilos, lhe deu o estatuto de “autor de culto”. 

A partir de amanhã, precisamente, no cinema Nimas, a Medeia Filmes propõe uma revisitação de seis filmes de Wenders que poderão definir uma espécie de “núcleo duro” da sua trajetória. Não são exatamente revelações, já que, felizmente, o mercado português sempre acolheu as suas produções: lembremos os exemplos recentes de Dias Perfeitos e Anselm - O Som do Tempo, uma ficção e um documentário, ambos revelados no Festival de Cannes de 2023. Estamos perante momentos emblemáticos de uma visão em que a pluralidade geográfica decorre de um novo mapa cultural em que as fronteiras se diluem nas emoções vividas e, por assim dizer, transportadas pelas personagens. 

Destaquemos, por isso, neste ciclo que se prolonga até 1 de setembro, a presença de um dos objetos mais radicais de Wenders, dos mais incompreendidos ou, pelo menos, dos menos vistos. Chama-se Até ao Fim do Mundo (1991) e funciona como uma verdadeira fábula moderna centrada num conjunto de personagens a viver um nomadismo reforçado pela descoberta das novas tecnologias, em particular dos poderes sedutores e perturbantes da Realidade Virtual. Escusado será sublinhar que o seu simbolismo não se perdeu, antes se reforçou. Ponto importante: difundido em várias montagens “abreviadas”, o filme será mostrado na versão do autor (com a duração de 287 minutos). 

Resultante de uma coprodução Alemanha/França/Austrália/EUA, Até ao Fim do Mundo é, literalmente, um dos títulos mais internacionais de Wenders, desde logo graças a um elenco que inclui Solveig Dommartin, William Hurt, Sam Neill, Rudiger Vögler, Jeanne Moreau e Max von Sydow. O seu espírito cumpre-se também através de uma fascinante panóplia de lugares, de Veneza a Sydney, passando por Berlim, Paris e Portugal (com uma cena no interior do Eden, na Praça dos Restauradores, em Lisboa, para lembrar aos mais distraídos que já houve ali um cinema...). 

Aliás, como não lembrar que há na obra de Wenders um peculiar capítulo português? Dois filmes servirão de testemunho: primeiro, O Estado das Coisas (1982), centrado num equipa que tenta sobreviver num modelo de trabalho ligado a um certo cinema independente; depois, o bem chamado Lisbon Story/Viagem a Lisboa (1994), uma quase sequela do anterior em que um engenheiro de som procura garantir a prossecução de um projeto ameaçado, numa deambulação que contém uma breve reflexão sobre o cinema e a verdade, proposta por uma figura de insólita alegria burlesca interpretada por... Manoel de Oliveira! 

"On the road” 

Nesta mini-temporada surgem também Alice nas Cidades (1974) e As Asas do Desejo (1987). O primeiro abre uma trilogia — que viria a ser completada com Movimento em Falso (1975), filme de estreia de Nastassja Kinski (com 14 anos), e Ao Correr do Tempo (1976) — habitualmente citada como um conjunto de road movies. A designação é tanto mais sugestiva quanto remete para uma paisagem cultural indissociável dos EUA (on the road), ao mesmo tempo que tais filmes são retratos íntimos de uma Alemanha ainda dividida pelo Muro de Berlim, sendo As Asas do Desejo, outra fundamental colaboração de Peter Handke, a fábula de dois anjos que podem deslocar-se como se o Muro não existisse. 

Wim Wenders, cineasta viajante entre Europa e EUA.
Wim Wenders, cineasta viajante entre Europa e EUA.

Em 1977, Wenders viria a formar a sua própria produtora, dando-lhe o nome de Road Movies Filmproduktion, precisamente a entidade citada a abrir Paris, Texas (também incluído neste ciclo). O que, enfim, pode suscitar um paralelismo revelador: a Palma de Ouro que Paris, Texas arrebatou em Cannes consagrou uma ideia de cinema independente europeu que viria a ter uma rima exemplar, cinco anos mais tarde, com a vitória, de novo em Cannes, de Sexo, Mentiras e Video, do americano Steven Soderbergh. Quem presidiu ao júri que, nesse ano de 1989, atribuiu a Palma de Ouro a Soderbergh? Pois bem, foi Wim Wenders. 

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