Wagner Moura e Paulo Branco, diretor do Leffest, em conferência de imprensa no Cinema Nimas.
Wagner Moura e Paulo Branco, diretor do Leffest, em conferência de imprensa no Cinema Nimas. Gerardo Santos

Wagner Moura: “Quanto mais democrático for o governo, mais ele vai entender que cultura é importante”

Em conferência de imprensa no Cinema Nimas, que exibe na noite desta sexta-feira (7) 'O Agente Secreto', o ator falou sobre arte, política e o grande momento do cinema brasileiro.
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Em Lisboa para participar de uma sessão especial do recém-estreado filme brasileiro O Agente Secreto, de Kleber Mendonça Filho, o ator Wagner Moura concedeu uma conferência de imprensa na tarde desta sexta-feira, 7 de novembro, no Cinema Nimas. O espaço é um dos que recebe a programação do LEFFEST 2025 (Lisbon & Estoril Film Festival), que começa esta sexta-feira com um ciclo dedicado ao consagrado ator.

Na conversa com os jornalistas, moderada pelo produtor Paulo Branco, diretor do festival que exibe o filme, Wagner Moura, que interpreta o protagonista da nova longa-metragem de Mendonça Filho, falou durante quase uma hora sobre a produção, política e o bom momento do cinema brasileiro.

“A cultura, a arte, andam juntos com a democracia. Quanto mais democrático for o governo, mais ele vai entender que cultura é importante e, hoje, no Brasil, vivemos um momento muito bom — ou, no mínimo, muito melhor do que entre 2018 e 2022. O cinema brasileiro está num bom momento na medida em que a democracia brasileira vive um momento bom. São coisas interligadas”, disse o ator em resposta ao DN.

Um dos principais atores do Brasil e reconhecido internacionalmente por participações em produções como Narcos, Sergio e Guerra Civil, Moura, em O Agente Secreto, volta a atuar em produções brasileiras depois de 12 anos. No período, realizou o elogiado Marighella, filme cujo lançamento enfrentou constrangimentos e sucessivos atrasos, numa fase em que o país, então governado por Jair Bolsonaro, mantinha o setor audiovisual praticamente paralisado.

O Agente Secreto nasce desse momento: da perplexidade minha e do Kleber [Mendonça Filho] diante do que vivemos no bolsonarismo. A perseguição aos filmes, a história de Marighella… A pergunta era: ‘o que fazer? Como reagir como artista com o que você faz?’ Acho que o artista é mais forte com o que faz do que com o que diz. E eu sou um artista que fala muito, mas o que a gente faz é que tem muito poder. Tanto que qualquer regime fascista quer acabar com arte, artista, universidade, jornalismo”, sublinhou o ator, formado em jornalismo em Salvador, na Bahia, cidade onde nasceu.

Wagner Moura posa para foto em frente ao Cinema Nimas, em Lisboa.
Wagner Moura posa para foto em frente ao Cinema Nimas, em Lisboa.Gerardo Santos

Candidato do Brasil ao Oscar 2026, O Agente Secreto, a exemplo de Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, vencedor do prémio de Melhor Filme Internacional na última edição da cerimónia, também é ambientado no período dos anos de 1970, em plena Ditadura Militar. Para Moura, o sucesso do filme de Salles — que pode ser repetido por O Agente Secreto, embora “ainda seja cedo”, nas palavras do artista — tem a ver não só com um movimento dos cineastas e profissionais da cultura em reagir a um momento político, mas também de um “desabafo” do público.

Há uma demanda reprimida. Depois de tanto ataque, tanta restrição, vem uma vontade: ‘Agora vamos fazer, vamos falar.’ A beleza de Ainda Estou Aqui foi reconectar o espectador brasileiro com o cinema brasileiro. Já tivemos outros momentos de grandes bilheteiras, mas a extrema-direita foi muito eficaz em produzir a falácia de que artistas são aproveitadores da lei de incentivo, inimigos do povo”, pontua. “Então quando Ainda Estou Aqui foi indicado ao Oscar, foi muito bonito ver brasileiros torcendo, dizendo: ‘Esses artistas nos representam.’”

Aclamado pela crítica nacional e internacional, O Agente Secreto é apontado por muitos veículos especializados como um dos grandes lançamentos deste ano. De acordo com a sinopse, o filme é um thriller político ambientado no Recife, em Pernambuco, no Nordeste do Brasil, que acompanha a história de Marcelo (Moura), um professor de tecnologia que, após um passado misterioso e turbulento em São Paulo, regressa à sua terra natal para encontrar paz junto da família.

A trama desenvolve-se em torno deste professor, que logo entende como sua cidade está sob intensa vigilância e corrupção do regime autoritário. O filme também marca o primeiro trabalho de Moura com Mendonça, o qual considera “um irmão”.

“Kleber Mendonça é um diretor que admiro há muito tempo. Quando vi O Som ao Redor, achei um dos maiores filmes da história do cinema brasileiro. Tentei trabalhar com ele várias vezes. Admiro-o muito, penso nele como um irmão estético e político. Vemos arte e política de forma parecida. Esse filme nasce de uma inquietação nossa, passa-se nos anos de 1970, mas nasce dessa ferida recente, dos anos do governo Bolsonaro”, relembrou.

Wagner Moura e Paulo Branco na chegada à conferência de imprensa.
Wagner Moura e Paulo Branco na chegada à conferência de imprensa.Gerardo Santos.

Em maio, no prestigiado Festival de Cannes, O Agente Secreto ganhou três prémios: melhor diretor (com Mendonça Filho igualando o feito de Glauber Rocha em 1969), melhor ator para Wagner Moura e melhor filme pela Federação Internacional de Críticos. Agora chega aos cinemas comerciais com a promessa de retratar o Brasil de que, apesar dos pesares, Wagner Moura tanto se orgulha. Em Portugal, o filme está em exibição em mais de 40 salas.

“O Brasil é um país atravessado por uma história de brutalidade, autoritarismo, elitismo, racismo, misoginia. Mas também é um país de diversidade, cultura, empatia, arte, de uma produção da qual a gente se orgulha e exporta. É bonito ver Ainda Estou Aqui e O Agente Secreto com essa visibilidade, dois anos seguidos, porque vivemos democracia — com todas as contradições. Como dizia Tom Jobim, o Brasil não é para principiantes.

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