Situado na zona do Intendente, em Lisboa, o edifício da Fábrica Viúva Lamego é um dos mais notáveis, mas também raros, exemplares da arquitetura oitocentista existentes na capital. Decorada na íntegra com azulejos figurativos, da autoria do então diretor artístico da fábrica, conhecido por Ferreira das Tabuletas, esta fachada parece contar histórias a quem passa, quase como se fosse uma banda desenhada, mas o melhor de tudo é que esta não é uma relíquia perdida, vestígio apenas de um tempo que passou. Faz parte de uma história que continua viva e que festeja agora 175 anos de ininterrupta atividade. .Falamos da Fábrica Viúva Lamego, especializada no fabrico de azulejos, cuja história é contada no Museu Nacional do Azulejo, em Lisboa, na exposição “Uma perspetiva do presente, uma visão do futuro”. Estará patente até 29 de dezembro, altura em que este museu encerra para uma temporada de obras de requalificação, como anunciou, durante a visita para a imprensa, o diretor, João Pedro Monteiro, que não deixou de salientar que este é “o museu do Estado mais visitado do país.” .Fotografia: Paulo Spranger.A exposição sobre aquela que é uma das importantes fábricas de azulejo em Portugal, com um papel fundamental na história da azulejaria nacional, tem curadoria dos investigadores Rosário Salema de Carvalho e Francisco Queiroz. No piso térreo, encontramos peças de 17 autores contemporâneos, que fizeram residências artísticas na Fábrica Viúva Lamego. Entre eles, estão Bela Silva, com a peça Batucada de Cor, ou francês Hervé Di Rosa, com Subaquática, dois nomes que representam os artistas atualmente residentes, herdeiros dos famosos casulos (nome das residências artísticas desenvolvidas na Viúva Lamego a partir da década de 1930). .A artista brasileira Adriana Varejão, que tem usado o azulejo como referência, apresenta Azulejão, enquanto autores como Vhils e Add Fuel trazem para o azulejo a cultura urbana contemporânea. Já o suíço Noël Fischer explora um caminho artístico iniciado nas peças Rede, enquanto Manuela Pimentel explora um jogo ilusório de múltiplas dimensões. Quanto a Rita João/Estúdio Pedrita, recupera a azulejaria industrial da segunda metade do século XX. Ainda entre os artistas com obra feita e que mais recentemente trabalham com a Viúva Lamego estão a ilustradora francesa Henriette Arcelin, o designer francês Noé Duchaufour-Lawrance e o coletivo Oficina Marques, da dupla de criativos Gezo Marques e José Aparício Gonçalves. De referir ainda as artistas visuais, também com referências à arte urbana, Kruella d’Enfer e Tamara Alves, que desenvolveram residências artísticas em 2024, bem como André Trafic, Rico Kiyosu e Klasja Habjan, finalistas do concurso dirigido a novos artistas, lançado no âmbito das comemorações destes 175 anos da Viúva Lamego. .A Comissária da Exposição Rosário Salema apresenta a obra de Rita João/Estúdio PedritaFotografia: Paulo Spranger.Para enquadrar estas abordagens contemporâneas na linhagem que as precede, há uma segunda a sala, situada no piso superior, onde se evocam processos de fabrico e sua evolução, em matéria de tecnologias e matérias-primas, mas também onde se conta a longa história da relação entre esta empresa e alguns dos maiores nomes das artes plásticas em Portugal, recorrendo, para isso, ao próprio acervo do Museu do Azulejo. Lá estão obras de Almada Negreiros, Jorge Barradas, Manuel Cargaleiro, Maria Keil, Maria Emília Araújo, Menez, Eduardo Néry, Vieira da Silva, Siza Vieira, entre outros..Uma ligação que é sublinhada por Gonçalo Conceição, CEO da empresa: “Esta exposição, que ajuda a revisitar o legado da Viúva Lamego, dá a merecida ênfase à ligação umbilical que a fábrica-atelier tem com os artistas, arquitetos, designers e artesãos, que permanece imutável com o passar das décadas.” Pessoalmente, Gonçalo diz ao DN que se sente “o fiel depositário de um legado com quase 200 anos. “Mas - acrescenta - tal não significa que estejamos parados no tempo, e que não acompanhemos, não só as mudanças de gosto dos clientes, como a necessidade de alterarmos processos de fabrico e até as matérias-primas são outras, bastante mais sustentáveis do que as tradicionais.” Ao imperativo da sustentabilidade juntam-se os próprios desafios colocados pela criatividade dos artistas. Um bom exemplo disso mesmo é a peça de Siza Vieira incluída na exposição, em que os azulejos foram revestidos a platina. .Esta história começou em 1849, na oficina de olaria de António Costa Lamego, cuja viúva, que assumiu a direção da empresa após a sua morte, deu nome à fábrica. Hoje é continuada por uma equipa fixa de 47 trabalhadores, a que se juntam alguns temporários, em épocas de trabalho mais intenso. Alguns desses trabalhadores, frisa Gonçalo Conceição, “têm mais de 40 anos de casa e acumulam um know-how, que é único.” Entre elas está a equipa dos pintores (maioritariamente feminina) que assegura a qualidade de sempre aos azulejos de hoje.