No cinema do século XXI, o maneirismo veio para ficar. Entenda-se: a transformação da narrativa numa exibição do estilo ou, como diz o dicionário, numa afectação do estilo. Encontramos tal complacência formal em cineastas tão interessantes como o tailandês Apichatpong Weerasethakul ou em filmes como Dune (duas partes), de Denis Villeneuve, correspondendo, como é fácil perceber, a um gosto dominante nas plateias de todo o mundo. Sob a Chama da Candeia, coprodução luso-francesa escrita e dirigida por André Gil Mata, é um filme da mesma árvore genealógica.Estamos perante um drama intimista do Norte de Portugal, centrado na relação — mesmo se o silêncio é a componente mais forte dessa relação — de uma velha senhora (Eva Ras) e da sua empregada (Márcia Breia): depois de muitas décadas de convivência, as duas mulheres habitam a sua casa assombrada, no sentido poético que a palavra pode adquirir, por onde circulam memórias das personagens que foram ou que com elas lidaram...O filme tende a secundarizar as singularidades das personagens e até as componentes psicológicas e sociais do contexto da acção, optando antes pela acumulação de um conjunto de exercícios formais (repetidos movimentos “descritivos” da câmara, dilatação das durações, etc.) cuja sofisticação técnica, com destaque para a direção fotográfica de Frederico Lobo, não basta para justificar a sua pertinência narrativa — daí o maneirismo, ou seja, neste caso, a sensação de que tal “excesso” formal não é um meio, mas o objectivo do próprio filme.Lendo várias abordagens críticas de Sob a Chama da Candeia, nomeadamente na imprensa especializada estrangeira, destaca-se um aspeto a que o espectador potencial do filme poderá ser sensível: semelhante construção é, hoje em dia, tida como modelo de uma modernidade vanguardista. Trata-se, a meu ver, de um equívoco, a não ser que nos entreguemos a um revisionismo cinéfilo em que, de Marguerite Duras a Béla Tarr, passando por Straub/Huillet, haja uma genuína modernidade que foi banalizada pelos ventos das estéticas contemporâneas. É possível, sem dúvida, mas cada espetador saberá encontrar o seu próprio pensamento.