Se há produções que nascem com um propósito de responder aos apetites dos fãs estabelecidos, Wicked é sem dúvida uma delas. Menos certo é que o público sem ligação emocional ao espetáculo homónimo se deixe transportar pela “grandiosidade”... digital, aqui habitada por duas atrizes merecedoras de atenção. Mas antes de chegarmos a Cynthia Erivo e Ariana Grande (esta última creditada com o seu nome completo, Ariana Grande-Butera), vale a pena contextualizar: Wicked está há 20 anos em cartaz na Broadway e tornou-se um verdadeiro fenómeno cultural, com o tema Defying Gravity a unir legiões de crianças e adultos. Baseado no romance revisionista de Gregory Maguire, The Life and Times of the Wicked Witch of the West, esta é a história da personagem conhecida, precisamente, como a Bruxa Má do Oeste, que tanto no livro de L. Frank Baum, O Feiticeiro de Oz, como na lendária adaptação cinematográfica de 1939 não era, de todo, flor que se cheirasse - não por acaso, a sua intérprete original, Margaret Hamilton, viveu o resto da vida conotada com esse papel..Wicked vem, pois, propor uma leitura alternativa à ideia simples da bruxa má, narrando as origens complicadas da personagem Elphaba, que a dada altura terá sido obrigada a fazer uma escolha oposta à da “bruxa boa” chamada Glinda..E é com Glinda, ou melhor, com Ariana Grande, que arranca a festa: no vibrante início musical de Wicked, celebra-se a morte da Bruxa Má do Oeste, quando alguém decide perguntar a Glinda se a conheceu noutros tempos. .Dentro da sua bolha cor-de-rosa, a bruxa boazinha põe-se então a contar como os seus destinos se cruzaram na Universidade de Shiz (entramos em modo Harry Potter), onde Elphaba iria só deixar a sua irmã de cadeira de rodas... Porém, ao mostrar poderes telecinéticos, na sequência de uma irritação momentânea - e isso conjugado com a cor verde da sua pele -, ela desperta o interesse da reitora feiticeira, que obviamente a converte em companheira de quarto de Glinda, a figura mais contrastante que poderia existir..Ariana Grande e Cynthia Erivo, uma dupla bonita.O mundo de Wicked vive dessa permanente disparidade entre o cor-de-rosa e o verde de cada uma delas, que delimita territórios por demais evidentes. A saber, a Glinda de Grande é o algodão doce popular, espécie de boneca narcisista socialmente ardilosa (e que bem que a cantora americana se sai na brincadeira!), enquanto a Elphaba de Erivo, justíssima também, representa a inteligência contrária à futilidade, assumindo uma vencedora expressão vulnerável e humana, que nada tem que ver com uma pessoa má..Tudo correto no papel, e dinâmico no desempenho das atrizes, com um sabor leve e agradável a conto de fadas. Não obstante, a fragilidade do empreendimento dito espetacular sente-se na execução: Jon M. Chu, realizador que surpreendera com o musical Ao Ritmo de Washington Heights (2021), assina agora um filme em que a magia se cinge à letra da história. Quer dizer, quase nada no ecrã nos chega como uma realidade material, uma experiência de texturas ou um lugar concreto. Os números musicais, fiéis ao registo da Broadway, limitam-se a figurar em paisagens geradas por computador que não devem assim tanto à imaginação ou profundidade criativa. Já para não referir que a mensagem do “ser diferente / verde é bom” é um tanto ou quanto martelada sem necessidade..Pressente-se que havia um bom filme por baixo dos excessos insípidos de Wicked, da sua ostentação um pouco vã. Depois das duas horas e 40 minutos desta primeira parte (outro exagero), teremos de esperar pelo menos um ano para tirar a teima.