Um Pinóquio mais italiano e menos Disney para ver em Lisboa

A história do boneco de madeira que ganha vida e acaba por se transformar num menino de verdade está em cena no Teatro Villaret, em Lisboa. E é uma versão que o encenador Sérgio Moura Afonso quis próxima do clássico de Carlo Collodi.

Estou este domingo no Teatro Villaret a ver o Grilo Falante a tentar pôr algum juízo na cabeça de Pinóquio e recordo-me de na véspera, na conferência "Ciência e Universo", o cosmólogo Carlo Rovelli - que assina, entre outros, Cinco Breves Lições sobre Física - ser apresentado como o autor dos livros mais traduzidos do italiano, com excepção de Pinóquio. Exagero ou não do cientista português Victor Cardoso sobre o alcance internacional da obra de Rovelli, a verdade é que o boneco de que se transforma em criança, criado no final do século XIX por Carlo Collodi, é um dos grandes clássicos da literatura juvenil mundial, capaz de agradar tanto às crianças mais pequenas, como aos pais ou aos avós, como bem o prova a sala quase cheia no teatro lisboeta.

Ao longo de pouco mais de uma hora, os atores da Companhia da Esquina oferecem uma versão de Pinóquio que procura seguir o essencial do escrito de Collodi, que começou como folhetim de um jornal infantil de Florença em 1881 antes de ser editado em livro e mais tarde até adaptações ao cinema ter. "Pinóquio sempre foi para mim a história de todos nos que em determinada idade quisemos crescer mais depressa do que devíamos. Agora gostaríamos de parar de crescer e voltar a ser boneco de madeira. Gosto nas minhas encenações de ser o mais fiel possível à obra literária de origem. Creio que desse modo fica sempre um convite à leitura. Dou como exemplo o clássico de Collodi e a adaptação da Disney que está muito afastada do livro. Assim penso que o espectáculo cumpre um duplo objectivo: educa e diverte", diz Sérgio Moura Afonso, o encenador, pai ele próprio de duas meninas que já viram e já se renderam a este Pinóquio no Villaret, como aliás a minha filha Mariana, de nove anos.

De Gepeto, o carpinteiro sem filhos, à fada que dá vida ao boneco de madeira a quem o nariz cresce quando mente, são várias as personagens do clássico, mas é impossível não destacar a importância do Grilo Falante, que nesta peça é interpretado por André Nunes. "O Grilo nesta versão, é especial para mim, porque para além se ser a consciência do boneco que deseja ser menino, tem também as suas dualidades. Durante a aventura de conduzir o Pinóquio ao bom caminho, sofre várias metamorfoses. Incluindo um taberneiro e raper. Dá-me um grande gozo de interpretar", explica o ator, que no final, na hora das fotografias com o público, é especialmente acarinhado pelas crianças.

Mas e o que pensa Henrique Bispo, que encarna o próprio Pinóquio, da personagem que dá nome à peça? "Evitaríamos grandes desastres se crescessem narizes a alguma pessoas, aos políticos por exemplo. Collodi consegue mostrar o lado mais inocente de uma criança que mente mas que não consegue verdadeiramente enganar, é uma mentira tão evidente que até lhe cresce o nariz. Demonstra também o lado da vergonha que ele sente depois da mentira, do medo de ser apanhado. É um pequeno pormenor que se torna o grande ícone do Pinóquio, ganhando uma expressão popular. Quando se fala em mentiras pensamos sempre num nariz a crescer. É o poder de um texto intemporal, que foi escrito para crianças mas que transporta muito daquilo que é humano e natural. Por isso é que os adultos se identificam também muito com o Pinóquio."

Vejo as crianças a aplaudir com gosto, os adultos também (consigo imaginar o cientista Rovelli um dia numa sala italiana, deliciado igualmente, ele que recusa a ideia feita de tempo e sendo esta uma peça intemporal). É uma daquelas obras que é conhecida pelas várias gerações e isso reforça a sua magia. Este Pinóquio, em exibição no Villaret desde 1 de novembro, vai manter-se em cena até 22 de dezembro, com sessões aos sábados às 16 horas e aos domingo às 11.

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