Aventura metafísica no deserto de Marrocos...
Aventura metafísica no deserto de Marrocos...

Um filme para lá do mundo material

Foi um dos fenómenos do Festival de Cannes, onde recebeu o Prémio do Júri: Sirât é um filme que, segundo o seu realizador, Oliver Laxe, “nos ajuda a sentir que vivemos num mundo encantado e mágico”.
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No filme Sirât, de Oliver Laxe, Luis (Sergi López) e Esteban (Bruno Nuñez Arjona), pai e filho, chegam a uma rave, algures no deserto de Marrocos, e começam a distribuir panfletos com o retrato de uma jovem... Quem é ela? Trata-se da irmã de Esteban, filha de Luis — desapareceu numa daquelas odisseias de música eletrónica e, esperando encontrá-la, os protagonistas vão acompanhando aquilo que está a acontecer.

Que acontece, então, em Sirât? Muito pouco. Luis e Esteban integram-se na deambulação de um grupo, eventualmente a caminho de outra rave, com o pai a ensaiar algum diálogo filosófico sobre os destinos do mundo... A meio caminho entre uma “reportagem” redundante, em tom pitoresco, e a celebração das paisagens desérticas (impressionantes, sem dúvida), o filme vai-se arrastando num tom repetitivo, aqui e ali introduzindo algumas componentes bizarras que parecem procurar os efeitos de uma comédia do absurdo.

O espetador desconcertado (é o meu caso, confesso) procura algum apoio para esclarecer de onde vem, e para onde vai, o projeto, até porque a proposta de Oliver Laxe é mesmo ambiciosa — com toda a legitimidade, convém acrescentar. Numa entrevista dada a The Upcoming (página do YouTube dedicada aos “mundos do Cinema, da Comida e da Música”), podemos encontrar o seu depoimento, registado no dia 18 de maio, durante o Festival de Cannes (onde viria a receber o Prémio do Júri).

Logo na primeira pergunta, a entrevistadora tem o cuidado de dizer que Sirât evolui num sentido “espiritual e existencial”. Eis o essencial da resposta: “Sinto que há regras no universo. Para lá do mundo material, há uma espécie de outro mundo que vibra subtilmente. Nos meus filmes convido o espetador, já que creio que o cinema nos ajuda a sentir que vivemos num mundo encantado e mágico. Há uma aventura física que é, ao mesmo tempo, metafísica. A minha ideia é fazer com que o espectador olhe para dentro de si próprio.” Olhando para dentro de mim próprio, vejo tais palavras como banalidades new age, algo retardadas, que acabam por resumir Sirât como uma espécie de Mad Max transfigurado em tese, metafísica sem dúvida, sobre aquilo que escapa às nossas perceções correntes.

Mad Max é mesmo uma das inspirações que alguma crítica francesa cita para situar o filme, a par de clássicos como Zabriskie Point (Michelangelo Antonioni, 1970) ou Estrada Perdida (David Lynch, 1997). Não acredito que seja missão de um crítico de cinema “recomendar” o que quer que seja, mas neste caso, na solidão em que me reconheço, só posso apelar ao leitor/espetador para que não perca Sirât — se possível, sugiro também que reveja os filmes de Antonioni e Lynch, porventura conseguindo organizar as suas ideias sem a inquietação que me assalta.

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