A festa do 25 de Abril continua a celebrar-se todos os anos, mas o dia da Revolução não foi bom para todos os portugueses.
A festa do 25 de Abril continua a celebrar-se todos os anos, mas o dia da Revolução não foi bom para todos os portugueses.D.R.

Tudo o que acabou há 50 anos

Dois livros sobre os dias antes do 25 de Abril de 1974 e dois outros sobre o pós-Revolução, e um quinto com memórias sobre os dias de antes e depois.
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PIDE. Com tudo o que Irene Flunser Pimentel já investigou sobre a PIDE, dificilmente se pode afirmar que os brandos costumes portugueses venceram no julgamento da História sobre estes elementos que denunciavam o vizinho, o familiar, o comunista. A justiça no pós-25 de Abril pode ter falhado e perdoado aos pides tudo o que tinham feito durante o Estado Novo, situação que se pode conhecer em factos e números que a investigadora tem vindo a publicar nos vários volumes que escreveu sobre esta polícia. Desta vez, Pimentel debruça-se sobre A cumplicidade com as secretas internacionais num volume com mais de meio milhar de páginas e muita informação sobre outras “pides”, outros ditadores, outros regimes e outros perseguidos, bem como a troca de informações e de formação entre polícias de outros países, como a da União Soviética, dos EUA, de França, da Bélgica, da Holanda, de Espanha e da Alemanha. Entre os muitos relatos sobre a atividade da PIDE há um (p.321) que vale a pena replicar, o da apresentação do bailado Romeu e Julieta em Lisboa, pela companhia do coreógrafo Maurice Béjart, a convite da Gulbenkian, quando no fim do espetáculo os bailarinos gritam “Make love not war” e logo a PIDE proibiu mais representações e prendeu Béjart. A ler.     

RELAÇÕES PERIGOSAS

Irene Flunser Pimentel

Temas e Debates

579 páginas

MAIS PIDE. O jornalista José Pedro Castanheira tem vindo a reunir vários trabalhos para o semanário Expresso escritos ao longo de mais de meio século e publicou recentemente o primeiro volume. Logo na apresentação coloca um título bem realista: “O que fez a PIDE?! 29 510 presos falam por si”. A partir dessa página inicial, vai desfilando muitos dos seus artigos, que mostram como esta polícia política atuava na repressão sobre os portugueses que não apoiassem a cem por cento o regime, baseado em testemunhos e consultas nos arquivos, como o da Torre do Tombo, que classifica como um “repositório ilimitado de histórias fantásticas, quase todas trágicas, e que ilustra muito bem o sistema de governo que dominou Portugal durante meio século, mas que agora muitos insistem em ignorar ou branquear”. São muitas as histórias, que vão além dos círculos do poder, mostrando a teia que, mais do que qualquer outra, sustentou a ditadura de Salazar.

HISTÓRIAS DA PIDE

José Pedro Castanheira

Tinta da China

317 páginas

DESCOLONIZAÇÃO. Não será uma surpresa para os “seus” leitores o novo livro da historiadora e jornalista Marta Martins Silva, África (para sempre) Minha, que vem no seguimento do anterior, Retornados – E a vida nunca mais foi a mesma. A autora prossegue a narrativa desse primeiro volume, dando agora um passo em frente no que aconteceu e nos desejos de quem foi expulso dos “territórios portugueses” em África logo após a Revolução do 25 de Abril. Desta vez, recolhe vários depoimentos sobre quem voltou, na maioria com o carimbo de retornado, e que não quer continuar sem ver esse continente mais uma vez, no qual passaram grandes partes de vida. As independências devolveram esses países aos que lá viviam, mas nem todos puderam ficar, designadamente os colonos portugueses, muitos dos quais já estavam desligados do continente ou nascidos em Angola, Moçambique e Guiné. Além da Guerra Colonial, foi este regresso desorganizado e sem apoio militar e das autoridades portuguesas um dos maiores desastres da história de Portugal nas últimas décadas. Estes relatos passados a livro provam bem o quanto o fim do império colonial português se transformou numa época de desespero e desrespeito para com os seus cidadãos. Uma das piores consequências da Revolução e um desastre humanitário que, entretanto, a História oficial relegou para segundo plano.

ÁFRICA (PARA SEMPRE) MINHA

Marta Martins da Silva

Contraponto

207 páginas

NACIONALIZAÇÕES. Tal como o desastre da descolonização, também a expropriação de empresas e propriedades no pós-25 de Abril foi outra incontinência revolucionária descontrolada. Esta é uma época em que a História oficial também ignora a deriva de extrema-esquerda que destruiu a economia nacional, sem proveitos maiores para o país e para os trabalhadores, e que raramente é referida. Filipe S. Fernandes e Hermínio Santos trazem esse momento de crise nacional e mostram como os acontecimentos de então desfizeram uma economia débil e um crescimento em curso. Era um tempo de, como se refere no livro, em que o “país tornara-se um el dorado para o chamado «capital nómada» atraído pelos baixos salários, pela ordem social e sindicatos domesticados”. Todo esse bom comportamento deixa de existir ainda em 1974 e desaparece totalmente em 1975, principalmente a seguir à tentativa de golpe de 11 de Março e das consequentes nacionalizações.    

EXPROPRIADOS DE ABRIL

Filipe Fernandes e Hermínio Santos

Clube do Autor

311 páginas

MEMÓRIAS. O mais recente romance de Faria Artur faz um retrato de uma época conturbada pela Revolução dos Cravos. Seguindo-se a uma trilogia em que a guerra colonial e o 25 de Abril dominam a narrativa, este Segredos à Solta no Cais dos Amantes não diverge da temática que o ex-jornalista do Diário de Notícias tem vindo a abordar na sua obra de ficção e regressa aos “tempos quentes da Revolução”. Poderá ser um romance que anuncia o fecho de um ciclo empenhado em contar mais sobre os bastidores dos últimos anos do Ultramar e dos meses do Verão Quente de 1975, entre muitos outros cenários por onde o autor navega, revelando particularidades de um tempo e de acontecimentos pessoais e nacionais de várias personagens que viveram experiências totalmente diferentes e que por elas os portugueses nunca mais passarão.

Faria Artur situa o epicentro físico desta sua história no Palace Hotel, em São Martinho do Porto, sobre o qual refere conter um “razoável acervo de histórias de amores e desamores, encontros e desencontros” devido à clientela que por lá se hospeda, irradiando a partir desta localização a matéria-prima deste Cais dos Amantes: a memória. Não a das tristezas, mas as das vivências que identificam os vários personagens e protagonistas deste livro. Sem carregar demasiado em factos de grande violência da “nossa” guerra, a descrição do autor deixa nas páginas muito do que ainda está por registar nos livros de História a esse nível, bem como do desenhar da personalidade dos que combateram e ficaram marcados pelos confrontos. Este desenho pessoal é expresso em atos e aventuras que só quem as viveu conhece bem e agora partilha com os leitores, deixando ver um pouco do reflexo no espelho de quem foi obrigado a mudar de vida. Daí que, mesmo a chegar ao fim, haja um subtítulo que sintetiza em muito o romance: “Carregar com as memórias”.

SEGREDOS À SOLTA NO CAIS DOS AMANTES

Faria Artur

Âncora

210 páginas

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