The Apprentice ou como filmar as entranhas da mediocridade.
The Apprentice ou como filmar as entranhas da mediocridade.

Trump. Inventário da criação de uma besta humana

De um lado um olhar feroz sobre Trump: 'The Apprentice', de Ali Abassi, do outro veneração por Lula da Silva em 'Lula', de Oliver Stone e Rob Wilson, torpedo contra a extrema-direita e a imprensa brasileira. Mas houve também ternura de Ron Howard pelo homem que nos deu 'Os Marretas' e 'Labirinto'.
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O jovem Trump a tornar-se um monstro pela mão do advogado Roy Cohn. É assim The Apprentice, de Ali Abassi, cineasta iraniano radicado na Escandinávia, um dos filmes mais aguardados desta competição mas que ontem acabou por ser muito mal recebido pela imprensa internacional. Ainda assim,  há algo nesta obra que finta as coordenadas do mero biopic, sobretudo na forma como manda às urtigas as regras narrativas certas e os procedimentos dos flashbacks. Trata-se realmente de uma vertiginosa parábola sobre poder e falta de ética numa Nova Iorque a mudar dos anos 1980 aos 90. Um olhar sem coração para acompanhar a ilusão e a transformação de um homem que se julgava o Robert Redford dos empresários.

Sebastian Stan, o ator do momento!

O Donald Trump do espantoso Sebastian Stan (o ator que venceu em Berlim melhor interpretação pelo magistral A Different Man) é-nos apresentado numa altura em que a empresa imobiliária do pai está em crise com dívidas acumuladas. Um Trump solteiro e a querer ser arrivista nos clubes privados de Nova Iorque, ele que é repescado pelo infame advogado Roy Cohn, famoso pela suas façanhas de corrupção. A partir dessa aliança, Trump vai conseguindo o seu sonho de se tornar num mogul do investimento imobiliário, mesmo quando não se abstém de apunhalar pelas costas parceiros, família e amigos. Abassi acompanha ainda a forma como Donald compra o amor a Ivana, uma ambiciosa modelo checoslovaca.

Filmado em diversos formatos e em estilos antagónicos, The Apprentice é uma daqueles filmes que sem grandes ebulições dramáticas ou emocionais vai-se entranhando. Só lentamente vamos vendo o despertar da pele do monstro. Um fedelho mimado que se torna num vigarista apaixonado pela sua imagem e poder. E é aí que o filme fascina por mostrar essa ideia de decadência moral, mesmo quando muitas vezes falha por não ter um golpe de coração. Seja como for, é de Donald Trump que estamos a falar... O mesmo Trump que falava nas festas com Andy Warhol e depois viria a fazer dele próprio no segundo Sozinho em Casa. Mas o filme é toda uma conquista de Sebastian Stan.

Lula por Oliver Stone

Cannes também está a dar que falar com os documentários, em especial Lula, de Oliver Stone e Rob Wilson , uma crónica sobre o regresso de Lula ao poder do Brasil sustentada em entrevistas com o atual presidente. Trata-se sobretudo de um compêndio sobre  Lula no caso Lava-Jato e a revelação de como o hacker Walter Delgatti terá sido instrumental em anular a conspiração da máquina Bolsonaro. Os realizadores talvez insistam em recapitular em demasia todo o processo da prisão de Lula da Silva mas o filme é feito sobretudo para ser didático e informativo para um público americano. Tal como eram os seus documentários sobre outros políticos da América Latina...

Na promoção aqui na Croisette, Stone estava muito sorridente e taxativo contra o “fascista” Sérgio Moro. Mas quanto a documentários, no Cannes Classics passou um objeto notável: Jim Henson - Idea Man, de Ron Howard, um tributo sincero e criativo sobre Jim Henson, o cineasta e marionetista de Os Marretas e Rua Sésamo.

Na Sala Agnés Varda os aplausos foram sentidos para um olhar sobre vida e obra de um verdadeiro génio que mudou a cultura popular americana. Ron Howard não inventa no dispositivo de cabeças falantes mas sabe jogar bem com imagens de arquivo e tocar naquilo que era de mais íntimo em Henson: o vício do trabalho e a forma como não conseguiu conciliar a arte e a vida amorosa. Um filme sem medo de estar do lado mais sentimental - chega dia 31 à Disney+.

Em Cannes

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