A expectativa era elevada sobre a passagem pela sala de leilões da Christie’s, em Paris, de "uma das peças mais raras da história da ciência". A “La Pascaline”, considerada a primeira máquina de calcular do mundo, deveria ter ido a leilão esta quarta-feira, 19 de novembro, mas um tribunal administrativo parisiense travou a autorização de exportação da peça, impedindo que esta pudesse sair de França caso fosse comprada por um licitante estrangeiro."Dado o seu valor histórico e científico", esta máquina de calcular, segundo o tribunal, "provavelmente será classificada como um tesouro nacional", o que "impede a emissão de um certificado de exportação", afirmou em comunicado . Esta decisão é provisória, mas enquanto fica pendente uma sentença definitiva "proíbe a Pascalina de sair do país".A decisão surgiu depois de um apelo urgente de cientistas e investigadores franceses, para quem permitir que a peça deixasse o país seria “perder um marco material da história da matemática e da tecnologia”. A Pascaline não é apenas um instrumento antigo: "representa a primeira tentativa de substituir operações mentais humanas por um mecanismo automático", lembrava a prestigiada sala de leilões no anúncio sobre a peça.A Christie’s confirmou entretanto que suspendeu a venda por instruções do proprietário, após a decisão provisória do tribunal. O processo segue agora para apreciação definitiva pela justiça francesa, algo que pode levar vários meses. O certificado de exportação tinha sido emitido em maio pelo Ministério da Cultura francês, que se defende argumentando que foram seguidos os procedimentos habituais e que dois peritos, um do CNAM (Conservatório Nacional de Artes e Ofícios) e outro do Museu do Louvre, tinham validado essa autorização.Agora, a decisão judicial foi recebida com satisfação na noite de terça-feira por Thierry Lambre, presidente da associação de amigos do Centro Internacional Blaise Pascal: “É um verdadeiro alívio. A comunidade científica possibilitou a correção dessa falha de avaliação, com inúmeros membros da Academia de Ciências a intervirem. Isso foi crucial, porque, no dia seguinte à venda, teria sido muito mais complicado recuperar quaisquer direitos sobre este objeto.”Criada aos 19 anos para ajudar o paiCriada em 1642 por Blaise Pascal, matemático, escritor e filósofo francês, quando tinha apenas 19 anos, a máquina foi concebida para ajudar o pai, Etienne Pascal, responsável por reorganizar as contas fiscais na Normandia. Como se pode ler na página da Christie's, "para simplificar esse trabalho, Blaise Pascal projetou máquinas de calcular que, pela primeira vez na história, possibilitaram a mecanização do cálculo mental. Elas são de três tipos: decimais (para adição, subtração, multiplicação e divisão), contábeis (para cálculos monetários) ou reservadas para o cálculo de distâncias e chamadas de topográficas". No total, apenas nove exemplares de Pascalines sobrevivem em todo o mundo. Estão todos em museus europeus, à exceção deste, o único ainda em mãos privadas - integrava a venda da biblioteca do colecionador Léon Parcé, apaixonado pela obra de Pascal e detentor de várias edições raras, incluindo uma das primeiras edições de Pensées, obra de pensamentos escritos por Blaise Pascal.Este exemplar é também o único modelo conhecido dedicado a cálculos topográficos. Mede 36 x 12,5 x 6,5 centímetros, combina latão com uma caixa revestida com tiras de ébano e possui oito rodas numeradas, que continuam funcionais apesar de quase quatro séculos de existência. "Apesar da idade, que exige um merecido descanso, as rodas de 10, 6 e 12 raios desta máquina aritmética do século XVII ainda funcionam", assegura a leiloeira.A Christie’s tinha estimado o valor de venda entre dois e três milhões de euros e a expectativa era que a Pascaline se tornasse a estrela do leilão, descrevendo mesmo a máquina como "o instrumento científico mais importante alguma vez apresentado em leilão." "A sua invenção marca uma ruptura, um 'salto quântico' cuja importância e significado assumem um sentido muito particular hoje em dia”, reforçava a leiloeira. E citava ainda um texto de 1712 de Gilberte Périer, irmã de Pascal, para sublinhar essa dimensão: (…) Esta obra foi considerada uma novidade na natureza por ter reduzido a uma máquina uma ciência que reside inteiramente na mente e por ter encontrado os meios de realizar todas as suas operações com completa certeza, sem a necessidade de raciocínio (…)” Argumentos que reforçaram a pertinência do pedido dos cientistas franceses junto do tribunal. O futuro deste raro exemplar de La Pascaline permanece agora em aberto.