Giorgio Sinedino
Giorgio Sinedino

Traduzir a história e o pensamento chineses (I)

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Existe ainda um conhecimento relativamente limitado sobre a riqueza da literatura chinesa, mas há todo um trabalho que continua a ser feito para promover a sinologia junto dos países de língua portuguesa. Quem o diz é Giorgio Sinedino, académico recentemente galardoado com o 18.º Special Book Awards of China, uma das maiores distinções oferecidas a tradutores, autores e editores estrangeiros pelo trabalho de promoção da cultura chinesa no exterior. Mais do que resolver desafios linguísticos, as traduções devem reproduzir o valor - intelectual, artístico e estético - que as obras chinesas têm no seu contexto de origem, salienta o professor assistente do Departamento de Português da Faculdade de Letras da Universidade de Macau.

O que significa para si o Special book awards of China e o que representa para o trabalho que tem desenvolvido?

É o prémio mais importante no campo das publicações oferecido pelo Governo chinês, um prémio nacional atribuído desde 2005, com duzentos e poucos especialistas oriundos de mais de 60 países agraciados, o que significa que tem um estatuto elevado para o Governo chinês e uma representatividade grande em termos de alcance internacional.

É uma grande honra poder receber um prémio que não é muito frequentemente concedido a nacionais de países de língua portuguesa. Isso é uma grande alegria para mim: poder partilhar essa realização. É um reconhecimento do trabalho que tem sido feito em língua portuguesa, e, mais uma vez, é um galardão que acentua a qualidade do trabalho que vem sendo realizado por nós.

Como tem sido o seu percurso na área da tradução?

A oportunidade para iniciar o trabalho de tradução surgiu num momento em que estava a realizar o mestrado na Universidade de Pequim. As coisas foram acontecendo, todos os meus interesses académicos foram-se desenvolvendo, as obras saíram e, nestes 20 anos - sobretudo a partir da minha vinda para Macau, em 2013 -, com muitos trabalhos de longa extensão.

Temos agora esses três livros publicados, um quarto que está na calha e mais dois projectos em mãos. No que toca ao meu trabalho de intercâmbio entre os países de língua portuguesa e a China, [ele] tem tido lugar na área da tradução e da divulgação da literatura clássica chinesa e literatura moderna da china nesses países, por meio dos meus parceiros, editoras já bem estabelecidas no Brasil, e agora também [através das] Edições em Línguas Estrangeiras, a editora mais importante da China voltada para o exterior.

Quais os principais desafios na tradução de obras clássicas chinesas para português?

No trabalho de tradução, a maior parte das pessoas diria que se trata de um problema linguístico, de como encontrar equivalentes da língua arcaica chinesa ou da língua moderna chinesa no nosso património linguístico.

Na minha opinião, a maior dificuldade é conseguir calibrar esses trabalhos para que respondam às expectativas do público de língua portuguesa. É a forma de pegar no que estas obras têm de melhor, no original, e verter os conteúdos de uma maneira que não apenas a língua, mas também o que eles têm de valor Intelectual, artístico, estético, etc. possa ser representado em português.

O desafio principal no trabalho de tradução do chinês para português é esse: conseguirmos, além de resolver os desafios linguísticos, representar em português essas obras, reproduzir o valor que elas têm no seu contexto de origem.

Obras traduzidas por Giorgio Sinedino.
Obras traduzidas por Giorgio Sinedino.

Afirmou no passado que a sua edição comentada de “os analectos” de confúcio representaram um marco na tradução para português. O que tornou esse trabalho único?

É importante salientar dois pontos. Primeiro, a reacção do público. Esses trabalhos têm uma Vantagem significativa, considerando o nicho de mercado destas obras e todas as condicionantes.

A resposta dos leitores tem sido muito positiva, e estas obras têm conseguido despertar discussão, um interesse mais profundo. As pessoas, depois de comprar o livro, não o esquecem na prateleira, e eu penso que esse é um ponto principal: conseguimos gerar uma resposta dos leitores em língua portuguesa.

O segundo ponto é o estilo de tradução que se adoptou para essa obra. Regra geral, quando falamos de traduções de texto chinês, a ênfase é dada ao texto original. Mas os textos chineses têm uma característica de intertextualidade, de transtextualidade, que multiplica bastante o volume desse texto. Por exemplo, no texto original, os “Analectos” têm apenas 10.000 ideogramas, mas, se agregarmos a riqueza dos comentários que foram sendo progressivamente feitos sobre esse livro, o texto expande-se para centenas de milhares de caracteres.

Como vê a percepção, no panorama internacional, que se tem da cultura Chinesa, nomeadamente na área da literatura?

Temos de fazer trabalho, que é o de mostrar o que está: uma história intelectual muito rica que os chineses possuem, a eterna actualidade dessas obras. É algo interessante para nós, dos países de língua portuguesa, ver que os chineses de hoje lêem uma obra com 2500 anos para procurar respostas para a vida, para o trabalho, etc. Penso que essa eterna actualidade destas obras tem uma razão de ser, dado o contexto cultural chinês; é algo que desperta interesse nas pessoas, gera discussões mais profundas e, de facto, promove efectivamente essas trocas culturais. (continua)

O texto desta página é extraído da reportagem da Secção de Pessoas, publicada na Revista Macau, em Setembro de 2025.

Iniciativa do Macao Daily News

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