Touradas não acabam, mas toureiros vão pagar imposto?
Atores, chefes de orquestra, músicos, desportistas e outros artistas, incluindo os tauromáquicos estão isentos do pagamento de IVA nas prestações de serviços, competições e espetáculos. Agora, a lei será alterada para retirar deste lote de atividades culturais os artistas tauromáquicos.
Quem o garante é o deputado do PAN André Silva, que revelou ao Público ter conseguido assegurar na reunião de ontem com o ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, e o líder da bancada socialista, Carlos César, que no Orçamento do Estado para 2019 deverá ser inscrito o fim da isenção. De acordo com o líder do PAN, que já tentara incluir esta medida nos últimos Orçamentos, não será sequer possível a toureiros, cavaleiros e afins pagar a taxa reduzida: a decisão do governo será entre taxá-los pelo valor intermédio de 13% ou pelo máximo de 23%.
A concretizar-se, será a primeira vitória do PAN, que nos últimos meses viu chumbada a proposta levada a votação no Parlamento, com PEV e BE, para acabar com as corridas de toiros -- a Assembleia votou massivamente pela preservação da tauromaquia. O mesmo fim teve tentativa semelhante a nível municipal, com a pretensão do PAN de ver o Campo Pequeno deixar de receber corridas de toiros chumbada pela maioria dos deputados municipais.
Hélder Milheiro, da Prótoiro, garante que não traria, na verdade, muitas mudanças na prática. "Por um lado, os forcados nem sequer recebem dinheiro pela sua atuação -- os grupos de forcados são Associações Sem Fins Lucrativos" --, é normal ser-lhes oferecido o jantar depois do espetáculo, sendo também as despesas de deslocação asseguradas pela organização, mas não ganham pelo serviço artístico. Por outro, "a maioria dos protagonistas do espetáculo já paga IVA, porque tem contrato com empresas". A questão é que, a concretizar-se, esta medida traria desigualdade por comparação com todos outros artistas, que continuam isentos, e até dentro da profissão. "Os toureiros que fazem prestações individuais seriam sujeitos a esse pagamento", enquanto a maioria continuaria a ser contratada através das empresas que os representam e pelas quais já pagam impostos.
Em termos simbólicos, porém, Hélder Milheiro não desvaloriza o que seria ver esta medida inscrita no OE2019. "Se a isenção é aplicada aos artistas de todas as áreas culturais, seria absurdo, trata-se de uma medida discriminatória, de segregação incompreensível, um abuso inadmissível contra uma atividade cultural, quando o Estado tem obrigação de proteger e promover a cultura e o acesso ao património cultural -- e não de dificultá-lo."
Quando o Parlamento chumbou o fim das corridas de toiros, em julho, um dos argumentos mais repetidos foi o dos representantes socialistas de que as touradas "são reconhecidamente parte da cultura popular portuguesa" e é "dever do Estado" proteger as manifestações culturais. São "um legado histórico, social e cultural", defendeu também a bancada do PSD, enquanto o CDS considerou que "o PAN não tem o direito de querer impor a sua opinião a populações inteiras" que têm na tourada "uma forma de vida do meio rural" e o PCP, mais crítico de todos, avisou que "o PAN não admite outras culturas, identidades e tradições, só admite os seus padrões e quer impô-los", acrescentando que a abolição "pela lei e à força" das touradas entraria em "conflito direto com as populações" por se tratar de uma lei que não respeitaria "a diversidade cultural e a universalidade dos direitos".
Agora, o governo poderá incluir o fim da isenção de IVA no OE2019, mas tendo em conta essa votação de há pouco mais de dois meses, será aliás muito difícil fazer passar esta medida na discussão do Orçamento na especialidade, dado que tem a oposição de PSD, CDS e PCP e da maioria dos deputados socialistas.
No que respeita à lei fiscal, não haveria entraves a retirar a isenção aos artistas tauromáquicos. Uma vez que o próprio código do IVA faz uma distinção -- separa-se, na alínea b) do número 15 do art.º 9.º: "desportistas e artistas tauromáquicos, atuando quer individualmente quer integrados em grupos, em competições desportivas e espectáculos tauromáquicos" -- e que todas as exceções ao pagamento do imposto são situações não naturais, logo passíveis de ser anuladas.
Por outro lado, o fim da isenção "pode ter mais efeitos positivos do que negativos", explica ao DN o fiscalista Leonardo Marques Santos. "Essa situação pode favorecer os artistas tauromáquicos porque criando empresas -- sujeitas a IVA -- passam a poder deduzir o IVA sobre os custos que têm no exercício da sua atividade. Estando isentos, isso não era permitido."