Hoje, pelas 21.00 horas, centenas de pessoas irão ouvir obras de Grieg, J.S Bach e Antonín Dvorák, interpretadas pela Orquestra Gulbenkian, no exato local em que nessa mesma data, em 1924, foi inaugurado o Tivoli. Foi com o filme Violetas Imperiais que abriu portas ao público uma das salas de espetáculo mais importantes da vida cultural não só de Lisboa, mas do país. .A ideia de abrir uma casa de espetáculos foi do empresário Adolfo Lima Mayer, dono de vários terrenos onde hoje é a Avenida da Liberdade, um deles, um baldio perto da casa onde vivia, serviu para construir o cine-teatro Tivoli, como resposta à pressão das autoridades nacionais para modernizar e estender a avenida. Contudo, Adolfo morreu sem ver o espaço que idealizou. Seria sim o seu filho Frederico a inaugurar o espaço desenhado pelo arquiteto Raul Lino..Sala antiga do Tivoli..Sentados nas mesmas cadeiras que durante décadas estiveram reservadas à família Lima Mayer na sala do Tivoli, Thomaz, neto de Frederico, recorda a sua infância e juventude ligadas intrinsecamente ao local onde falamos. O engenheiro e empresário de 81 anos recorda as vezes que recebeu estrelas internacionais do teatro e da música em sua casa. O pai, Augusto Lima Mayer, assumiu a gestão do Tivoli em 1944 após a morte de Frederico, e apesar da sua vida de empresário noutras áreas, viveu a gestão da sala de espetáculos intensamente. “O pai tinha por hábito convidar os artistas que vinham tocar aqui para irem jantar a nossa casa - lembro-me por exemplo do pianista [Artur] Rubinstein que tinha umas mãos enormes.”.ThomazLima Mayer Fotografia de Reinaldo Rodrigues.Outros tantos nomes internacionais passaram pelo Tivoli na época dos Lima Mayer. Stravinsky, Marcel Marceau, Bela Bartók, foram alguns dos que atuaram no palco do Tivoli.Thomaz recorda outras histórias, mais ligadas ao cinema, a área na qual o Tivoli se tornou fundamental, graças à boa relação que Augusto Lima Mayer tinha com as distribuidoras norte-americanas. Na estreia do filme bíblico A Túnica (de 1953), à entrada do Tivoli estiveram figurantes trajadas de guardas romanos, ou, por exemplo, na estreia do filme Lawrence da Arábia (de 1963), foram trazidos camelos para a avenida da Liberdade.Recorda ainda as obras que o pai mandou fazer: “Fez um palco fantástico, muitíssimo bem equipado. Não havia nenhum em Portugal . E inaugurou o Cinemascope e decidiu trazer outra novidade para o país: o ar condicionado para a sala de espetáculos.”.Livro de memórias.Também este sábado, no concerto de celebração dos 100 anos do Tivoli, será lançado um livro que relata, em textos e imagens, as dez décadas da sala de espetáculos, de autoria da jornalista Teresa Ribeiro. A própria, em conversa com o DN, “culpa” o Tivoli por se ter tornado cinéfila. “Em criança vinha com os meus pais ver filmes de desenhos animados e depois, já adolescente , os primeiros filmes com os amigos”..Teresa Ribeiro, jornalista e autora de um livro sobre o Teatro Tivoli que celebra 100 anos de atividade.Fotografia: Reinaldo Rodrigues.Para escrever a história do Tivoli, a autora quis pegar na relação que os portugueses estabeleceram com o teatro, por isso o livro chama-se Tivoli, 100 anos na nossa vida. A autora deparou-se com inúmeras histórias curiosas e pouco conhecidas, como o facto de a fadista Katia Guerreiro se ter casado no Tivoli, motivado pela “forte ligação que tem com aquela sala de espetáculos”.Mas há mais. Foi no palco do Tivoli que Ricardo Araújo Pereira enfrentou uma plateia pela primeira vez. E descobriu outras histórias, mais antigas, como a vez em que o pintor Almada Negreiros esteve no teatro a apresentar A Branca de Neve e o Sete Anões, ou quando o maestro António Victorino d’ Almeida deu o seu primeiro concerto para piano e orquestra com 18 anos..Programa da atuação do pianista Arthur RubinsteinArquivo Tivoli.Teresa Ribeiro aponta o período da II Guerra Mundial como um dos mais interessantes na história da sala.“Lisboa foi um centro de espionagem absolutamente extraordinário e nessa altura havia elementos da realeza que estavam cá refugiados que frequentavam o Tivoli. Mas não só de saudosismo glamouroso vive a casa de espetáculo lisboeta. Em 1973 o Tivoli deixa de pertencer à família Lima Mayer e é adquirido pelo empresário João Ildefonso Bordallo. Os Anos 80 e 90 foram um desastre. Em 1987, os índices de frequência dos cinemas atingiram o ponto mais baixo dos 40 anos anteriores e a 30 de junho de 1989, o Tivoli realiza a sua última sessão de cinema, o filme em exibição foi Agarrem os Detetives.Nessa altura criou-se um movimento cívico para que o Tivoli não fechasse as portas, “a cidade ainda vivia a ressaca do encerramento do Monumental, no Saldanha”, recorda a autora. Foi então conhecido o novo dono, o espanhol Emiliano Revilla, que, pouco depois, vendeu a maioria das suas ações a uma empresa de capitais espanhóis. Em 2005 o Teatro Tivoli foi adquirido por Herman José e Nuno Artur Silva que em 2011 o venderam à promotora de espetáculos UAU.Paulo Dias, diretor da UAU, explica ao DN que desde o ano da aquisição que o teatro tem crescido em número de espetáculos e de espectadores. “Quando a covid-19 chegou, como toda a gente, fomos abrangidos pela mesma regras e, portanto, os números caíram radicalmente. Mas depois de abrirmos a 100% voltámos ao crescimento e hoje estamos quase a atingir a nossa capacidade máxima, em espectadores e espetáculos”..Sala do Tivoli, atualmente. Fotografia: Reinaldo Rodrigues.Para este ano a sala pode chegar aos 230 mil espectadores no total anual com taxas de ocupação que andam sempre acima dos 95, 96%. Caso para dizer que, 100 anos depois, o propósito da família Lima Mayer continua atual.