No labirinto de Hollywood, para onde vai o cinema de aventuras? Numa altura em que os super-heróis parecem atravessar um período de carência - este verão, Superman, de James Gunn, não terá sido um fenómeno a justificar grandes euforias -, a crise envolve uma contradição já antiga: a proliferação de personagens digitais não tem sido acompanhada pelo nascimento de verdadeiras estrelas humanas (com Missão Impossível, Tom Cruise transformou-se mesmo na nossa derradeira esperança nostálgica). A não ser que Glen Powell seja capaz de se afirmar como um ícone de renovadas aventuras. É uma hipótese a considerar - aí está o seu novo filme, The Running Man, esta semana lançado no mercado global a tentar, pelo menos, desmentir os mais pessimistas.Convenhamos que a trajetória de Powell não tem favorecido a afirmação de uma imagem com um mínimo de originalidade, até porque a sua filmografia está pontuada por encontros mais ou menos discretos com os veteranos. Vimo-lo, por exemplo, em Os Mercenários 3 (2014), acompanhando Sylvester Stallone em mais um ruidoso capítulo da sua decadência, e Top Gun: Maverick (2022), convivendo com Tom Cruise a tentar rentabilizar uma herança que, em boa verdade, já estava fora de prazo. Enfim, a sua composição em Hit Man/Assassino Profissional (2023), de Richard Linklater, justifica que lhe reconheçamos, pelo menos, uma boa dose de autoironia, matéria não desprezível nestes registos espetaculares.Memórias de SchwarzeneggerO certo é que Powell continua a percorrer caminhos que os seus “mestres” já experimentaram. Assim, The Running Man inspira-se num livro de Stephen King que, há quase quatro décadas, foi adaptado ao cinema com Arnold Schwarzenegger no papel central. Lançado em 1987, com realização de Paul Michael Glaser, entre nós chamado O Gladiador, pertence à época de maior glória comercial de Schwarzenegger, depois dos sucessos de Conan, o Destruidor e The Terminator/O Extreminador Implacável, ambos de 1984.Agora lançado entre nós com o subtítulo Jogo de Sobrevivência (Bertrand Editora), o livro de King, datado de 1982, um dos que assinou com o pseudónimo Richard Bachman, sugere um cenário que, para nossa maior desgraça, se consolidou como uma brutal e desumana vertente do quotidiano mediático. Tudo acontece num mundo distópico em que The Running Man é o nome de um jogo televisivo cujos concorrentes são lançados numa verdadeira corrida de sobrevivência muito para lá de qualquer simbolismo académico: as ameaças que enfrentam são letais e os mais fracos são mesmo friamente abatidos - digamos que estamos perante a mesma miséria conceptual de um qualquer Big Brother, embora com tiros, explosões e cadáveres.A personagem de Ben Richards (o nome do herói de King foi conservado em ambas as versões) surge como um homem desesperado que, perante a necessidade de arranjar meios para defender a família - e, em particular, tratar a doença da filha - arrisca combater o sistema... entrando no jogo que o sistema lhe propõe. Podemos recordar também o dispositivo do filme de Peter Weir, The Truman Show/A Vida em Direto (1998), com o genial Jim Carrey, embora com uma diferença importante: a personagem de Carrey ignora a sua própria condição de marioneta televisiva, enquanto Richards arrisca participar num jogo cruel, “sancionado” pela ruidosa alienação das suas audiências.Tão tecnicamente competente como dramaticamente repetitiva, a realização de Edgar Wright participa da ambiguidade com que tudo acontece. The Running Man acaba por funcionar como um duplo perverso do próprio concurso que justifica as suas peripécias, na certeza de que Richards nunca desilude as nossas expectativas - como se fosse o herói de um videojogo cujo desenlace pode ser sempre adiado.Que futuro é este?Valerá a pena acrescentar que essa perversidade temática do filme (Wright partilha a autoria do argumento com Michael Bacall) ecoa de forma irónica, algo perturbante, o nosso dia a dia televisivo. Este é mesmo um filme que, pedagogicamente, se pode aconselhar a todos os programadores televisivos que defendem a ideia (insustentável) segundo a qual a responsabilidade social do espetáculo pertence apenas e só aos... espetadores.O vazio apocalíptico da sociedade retratada em The Running Man não se pode confundir com qualquer aproximação realista do mundo em que vivemos. O certo é que, no nosso presente, a televisão entendida como uma fábrica de ilusões para um público manipulado até à histeria está longe de ser um pormenor de ficção científica. Enfim, se quisermos ser (ainda) mais perversos, vale a pena referir que, em 1982, o livro de King situava a sua ação num ano muito preciso do futuro. Qual? Pois bem, 2025..'Frankenstein' à deriva na Netflix.'Sete Invernos em Teerão'. Imagens e sons que chegam do Irão