Através do continuado e persistente labor da chamada distribuição cinematográfica independente, continuamos a poder descobrir filmes que se distinguem pelas suas singularidades temáticas, estéticas e experimentais - ou ainda pelas relações analíticas e críticas com contextos muito particulares do mundo contemporâneo. Esta semana, faz sentido dizer que a sociedade iraniana está especialmente em foco: primeiro, através da estreia de Foi Só um Acidente, de Jafar Panahi, Palma de Ouro de Cannes, proveniente do catálogo da Midas Filmes; depois, com o lançamento de Sete Invernos em Teerão, uma realização da alemã Steffi Niedrzoll, com chancela da Zero em Comportamento.Sete invernos, uma duração a que talvez possamos atribuir algumas ressonâncias simbólicas, acaba por ser um tempo muito concreto na vida de uma jovem mulher, Reyhaneh Jabbari (1988-2014). A sua história trágica é o fulcro do documentário que resulta de uma coprodução Alemanha/França.Foi em 2007 que Jabbari encontrou Morteza Abdolali Sarbandi, um homem cuja proposta de trabalho parecia corresponder à sua vontade de consolidar uma carreira como decoradora de interiores. Sarbandi encomendou-lhe a tarefa de decorar um apartamento, com ela combinando um encontro para conhecer e avaliar as possibilidades do espaço em causa. O encontro saldou-se pela morte de Sarbandi: segundo Jabbari, ele tentou violá-la, levando-a a usar uma faca para se defender da agressão - Jabbari seria julgada e condenada à morte.Não estamos perante um documentário vulgar, além do mais muito distante de qualquer forma de sensacionalismo típica de algumas narrativas de raiz televisivo. Tendo em conta que, ao longo do seu processo, Jabbari foi deixando muitos testemunhos, Sete Invernos em Teerão organiza-se como uma antologia das muitas informações disponíveis (imagens e sons). Com um esclarecimento logo a abrir: “Este filme é baseado em vídeos e áudios gravados secretamente e contrabandeados do Irão. A filmagem não autorizada de instalações públicas é passível de pena de prisão de, pelo menos, cinco anos.”Paradoxalmente ou não, a contundência informativa e também a carga emocional de tais informações surge ampliada pelo facto de as palavras de Jabbari serem lidas, em off, por uma atriz, a franco-iraniana Zar Amir Ebrahimi (que vimos recentemente em Ler Lolita em Teerão, de Eran Riklis). Como se a vibração de tais palavras tivesse tanto de angustiada confissão como de programa moral para discutir a condição feminina na sociedade iraniana - o filme tem data de 2023, mas a sua atualidade e pertinência mantêm-se intactas. .'Frankenstein' à deriva na Netflix.'The Running Man'. O apocalipse está na televisão