É entre a desistência da vida e o imperativo da fuga que tudo começa. Um taxista de olhos tristíssimos está à beira do suicídio quando duas jovens e alegres assaltantes, carregadas com o embrulho de uma estátua, lhe pedem boleia no meio de nenhures, surpreendidas pela aparente sorte grande que lhes caíra do céu. De tão animadas, ao sentarem-se no banco de trás, nem se apercebem do semblante pesado de Richie, esse taxista que não contava chegar com vida ao fim do turno da noite. Elas, que se apresentam com os diminutivos Dan e Nico, estão, por sua vez, dispostas a tudo para chegar à fronteira com a obra de arte roubada - nem que tenham de matar o dito rapaz deprimido ao volante da viatura amarela (o que, para ele, entenda-se, seria o arrumar do assunto). Mas como a dupla de fugitivas não sabe usar as mudanças manuais do carro, só lhe resta obrigar o desalentado condutor a embarcar na aventura... Por outras palavras: desde o início, seja pela adrenalina de um ato ilícito ou pelo nervosismo perante a iminência da morte, os batimentos cardíacos aceleram em Yellow, a série que esta terça-feira se estreia mundialmente, e em exclusivo por cá, no TVCine Edition (22.10)..Pois bem, os corações batem e nós vemos uma ilustração visual desses batimentos, ou não fosse a comédia dramática de Sofía Auza um exemplo mimoso do tipo de ficção que pega em temas funestos ou violentos para lhes dar um tom engraçado, respeitando a melancolia nas entrelinhas..Aliás, já era assim com a anterior, e primeira, longa-metragem da cineasta mexicana, Adolfo, que lhe valeu um Urso de Cristal no Festival de Berlim de 2023: aí, uma rapariga vestida como a pioneira da aviação Amelia Earhart, um menino tristonho e o seu cato encontram-se numa isolada estação de autocarros, acabando por partilhar uma noite extravagante e sarar mágoas pelo caminho....Convenhamos que, a partir desta sinopse, poderá ficar mais claro para o leitor de onde vem a essência de Yellow e os seus cinco episódios de 20 minutos. A saber, enquanto argumentista, realizadora, e agora co-show- runner (com Silvana Aguirre), Auza parece ser dona de uma imaginação colorida que persegue a beleza dos encontros improváveis, no caso da nova série, contrabalançando as dores de alma de um taxista, ex-piloto de Fórmula 1, com o espírito temerário de duas amigas secretamente apaixonadas..Mais contratempo, menos contratempo, os três juntos percorrem o deserto mexicano com a promessa de que, chegados à fronteira, Richie verá cumprido o seu adiado desejo de morrer. Mas será mesmo assim?.«Talvez. Embora a certa altura passem a estar na mira de uma detetive implacável e workaholic, chamada Rojo (vermelho, em português), que, apesar de ter sido diagnosticada com uma doença degenerativa e dispor de poucos meses de vida, não se presta a cuidados médicos, nem inestéticas batas de hospital, como a própria resmunga..Efeito Wes Anderson.Sofía Auza filma tudo isto com um carinho e uma graça visual que fazem lembrar o cinema de Wes Anderson (sem incorrer naquele grau puro de geometria) e a sua habilidade para enternecer pelas imagens o que de outro modo seria uma viagem dura..Assim, independentemente do desfecho, ao longo dos episódios somos expostos à pequena luz que o taxista Richie contém na sua tristeza e ao que de bonito pode haver por trás de um assalto entre amigas..Este último, um aspeto que tem pontos de contacto com o filme mexicano Museu (2018), de Alonso Ruizpalacios, onde Gael García Bernal interpretava um dos assaltantes do roubo que, em 1985, subtraiu mais de uma centena de artefactos da cultura Maia e mesoamericana ao Museu Nacional de Antropologia. Filme esse igualmente marcado por uma abordagem lúdica da ideia de assalto, ou não fosse a personagem de Bernal um estudante universitário, com uma tese por concluir, vindo de uma família de classe média e filho de médico. O que é que, afinal, pode levar alguém assim a cometer um furto de grande dimensão?.A história concebida por Auza traz uma espécie de resposta doce à perspetiva criminal, com uma banda sonora eclética, que vai mantendo a alegria na estrada, mesmo quando as sirenes dos agentes da ordem tentam interromper a aventura da amizade forjada, em circunstâncias excecionais..Em suma, entre a “animação” dos carros da polícia e um táxi amarelo, as almas quebradas e o roubo como forma de identidade de grupo, os olhos tristes de Richie e a emoção da fuga, Yellow é uma miniatura em ponto de rebuçado, para quem a apanhar - depois da passagem pelo TVCine Edition, a série fica disponível no serviço de video on-demand TVCine+.