Na década dos 20 anos é possível criar hábitos de leitura que ficam para vida. É Meg Jay, psicóloga clínica, professora universitária e autora do livro A Idade Decisiva, obra que acaba de ser editada em português, quem o diz. O lançamento do livro no mercado nacional coincidiu com a vinda da autora a Portugal para participar no evento Book 2.0 - O futuro da leitura, promovido pela APEL - Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, que começou esta quarta-feira, dia 3, em Lisboa, e que termina amanhã."Os 20 podem ser ainda mais importantes para criar hábitos de leitura do que a infância", defende Meg Jay, porque enquanto para as crianças ler e fazer exercício físico é divertido, com o tempo tornam-se tarefas a cumprir e muitos jovens acabam por deixar essas atividades para trás, afirmou a psicóloga em entrevista ao DN."Apesar de sabermos que a leitura - assim como o exercício físico - é um ótimo hábito a ter, muitos jovens adultos têm dificuldade em fazê-lo. É muito mais fácil fazer scroll nos telemóveis. Então, um dos grandes desafios dos 20 anos é realmente voltar a tornar a leitura um hábito".A boa notícia é que nessa idade o cérebro humano passa por uma grande transformação que potencia o desenvolvimento de novas rotinas. .76% dos portugueses leram pelo menos um livro em 2024. Jovens entre os 25 e 34 anos são os que leem mais ."Há um grande salto de crescimento que começa na puberdade e vai até aos 20 anos, o cérebro está a religar-se para a idade adulta. Tivemos um grande aumento da atividade cerebral e crescimento quando nascemos e durante a aprendizagem da linguagem e o do movimento. E depois temos outro grande impulso na adolescência e nos 20, quando estamos a reajustar-nos para sermos os adultos que vamos ser, e é por isso que se desenvolver o hábito de leitura nos seus 20, é mais provável que fique com ele durante a idade adulta", explica Meg Jay. A investigação diz-nos que ler torna-nos mais "felizes, saudáveis, mais inteligentes, mais ágeis e mais sociáveis", garante a psicóloga, que também observa um aumento do bem-estar dos seus pacientes na sua prática clínica. "A leitura é um ótimo redutor de stress, porque ativa o córtex pré-frontal, que fecha a amígdala e os centros de preocupação do cérebro. Então, se quiser parar de focar-se em pensamentos negativos ou ansiosos, precisa de colocar a mente noutra coisa, como um livro"."A leitura torna as pessoas mais inteligentes, aumenta o seu vocabulário, o seu conhecimento do mundo. A conectividade cerebral faz as pessoas mais rápidas, desenvolve a capacidade de se resolver problemas quando se é novo, e quando se é mais velho, baixa e desacelera o declínio cognitivo, mesmo começando a meio da vida", diz Meg Jay.Torna-nos também mais competentes socialmente, porque "se está a aprender sobre a vida de outras pessoas e as perspetivas de outras pessoas, e isso cria ou aumenta a empatia e a compaixão", sublinha. Ler em ecrãs em detrimento do papel é também uma tendência, mas será que o efeito da leitura é o mesmo nos dois formatos?"Nós sabemos algumas coisas sobre ler em ecrãs versus ler em página. Quando se lê no ecrã é mais provável que ande a saltitar, é possível acompanhar o movimentos dos olhos e ver as pessoas a saltar de um lado para o outro, mais do que se as pessoas estivessem a ler numa página. Dito isso, penso que a melhor leitura é aquela que se faz, por isso, se tem um livro no telefone e o lê efetivamente, é melhor do que não ter um livro disponível". A psicóloga e autora dá mais dicas para começar a ler mais, além de ter um livro sempre à mão, seja ele em papel ou formato digital. Por exemplo, "go audio", ou seja, se não tiver tempo para ler, ouça audiolivros enquanto faz outra coisa qualquer. "A investigação demonstrou que os livros que ouvimos têm o mesmo efeito nos nossos cérebros que os livros que lemos. Então, pode ouvir audiolivros no carro, quando está a cozinhar, ou quando está caminhar. É outra forma de fazer isso". A idade da incertezaNo livro A Idade Decisiva - Como aproveitar ao máximo a tua vida entre os 20 e os 30 anos, lançado este mês pela editora Lua de Papel, Meg Jay escreve que toda a gente quer ter 20 anos exceto os que realmente os têm. "Os 20 anos devem ser provavelmente o único momento da vida em que tudo é incerto ao mesmo tempo. O trabalho é incerto, o amor é incerto, finanças, casa, amizades, tudo é instável, e o cérebro não gosta disso, interpreta a incerteza como perigo", explica. "A maioria das pessoas de 20 anos e mais vivem com esse tipo de stress crónico de baixo nível, com angústia sobre se a vida vai funcionar, se vão ficar bem. Porque eles simplesmente não têm essas fontes adultas de segurança, que são a segurança de habitação, segurança de alimentação, segurança de relações, segurança de trabalho. Isso pode soar como coisas aborrecidas para se ter, especialmente quando se é mais velho e já as temos, mas quando se é mais jovem, não as ter é muito desagradável", acrescenta a autora deste livro cuja primeira edição é de 2012. O livro foi revisto ao longo dos anos, sendo a versão disponível em português a mais atualizada.. Nas duas últimas gerações, os 20 anos tornaram-se ainda mas incertos, adiando o alcançar dos típicos marcos da vida adulta para mais tarde. "Nos EUA, e acho que é similar em Portugal, a idade média de casamento é de cerca de 30 anos, a idade média do primeiro filho de 30, a idade média da primeira propriedade de 35 anos, a idade média de segurança ou de satisfação no trabalho é no início dos 30. Essas fontes adultas de segurança acontecem agora dez anos depois da saída da escola secundária ou da universidade, o que causa muita incerteza e é difícil de gerir". A investigação indica que o que acontece durante a década dos 20 anos determina em grande medida como será a vida futura nas várias áreas, trabalho, amor e relações sociais. "Há muita muita pesquisa interessante sobre isso, uma das minhas partes favoritas é um estudo da Universidade de Boston e da Universidade de Michigan, que mostra que 80% dos momentos mais definidores da vida ocorrem até aos 35 anos. Um exemplo disso é que sabemos que a curva de rendimentos nos 20 anos prevê a curva de rendimentos nos 30 e 40 anos e mais além".Meg Jay sublinha que não está a dizer aos jovens de 20 anos que vão ter o emprego mais bem pago com essa idade, ou que vão ficar presos para sempre ao trabalho que tiverem nessa década das suas vidas, "mas a aprendizagem que se faz ou não se faz nos 20 anos é o que prevê o arco da carreira depois disso. Aos 30 anos mais de 50% dos jovens adultos já casaram, encontraram parceiro e começaram a formar família, a curva de crescimento do cérebro está feita no final dos 20, por isso é realmente o alicerce de tudo o que vem depois, o que não quer dizer que a vida acaba aos 30 e que não há a possibilidade de mudar e melhorar a vida depois disso, todos sabemos que continuamos a fazer escolhas definidoras ao longo da vida, mas as escolhas grandes e fundacionais acontecem cedo". Meg Jay faz questão em dizer, no próprio livro, que ele é dirigido aos jovens que estão na casa dos 20 anos, é com eles com quem a psicóloga quer dialogar, e não com pais ou professores. E ela tem alguns conselhos a dar, como, por exemplo, o de que a confiança cria-se de fora para dentro e não de dentro para fora. "Muitos jovens adultos dizem que não são confiantes, ou que não se sentem confiantes no trabalho, o que está errado comigo? E eu digo: mas porque é que estarias confiante? Isto é novo para ti, nunca fizeste isto antes, sabemos que leva, literalmente, milhares de horas a fazer algo antes que sintamos que conseguimos fazê-lo, e haverá uma parte de nós que questionará sempre durante a vida se realmente conseguiremos, isso é normal. Então, é ajudar os jovens adultos a entenderem que se querem sentir-se confiantes ou competentes em algo, isso significa colocar horas de trabalho e essa confiança virá, não é um precursor para se fazer um trabalho, é o resultado de se fazer o trabalho."Para ultrapassar a angústia da incerteza, a solução é ser intencional e agir, diz a psicóloga. "É fazer algo e criar essa certeza, dentro e fora, ao invés de as pessoas esperarem para se sentirem confiantes, ou esperarem para terem certezas, ou esperarem para que algo aconteça. Porque, como sabemos, isso não acontece quando saímos da escola".O segredo, revela, é ir dando pequenos passos e não ficar quieto. "A beleza disso é que a maioria são pequenas mudanças, ou pequenas correções de curso. Pode fazer pequenas mudanças nos 20 anos, que terão uma grande recompensa mais tarde. Costumo dizer que trabalhar com jovens nos 20 é como trabalhar com aviões após a descolagem, uma pequena mudança de curso pode fazer uma grande diferença em termos de onde as pessoas chegam. Não tem que ter tudo resolvido, é realmente apenas uma questão de um passo de cada vez, um ano de cada vez, uma correção de curso de cada vez, mas ser mais intencional nesses passos pode realmente fazer uma grande diferença."