"Ricardo III" vem fazer a passagem de ano no Teatro Nacional D. Maria II

Próxima temporada vai ter um espetáculo sobre "fake news" e outro sobre o juiz Neto de Moura. A programação de 2019/20 foi apresentada esta terça-feira.
Publicado a
Atualizado a

Na próxima temporada do Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, vai haver um espetáculo sobre redes sociais e fake news e outro inspirado no polémico juiz Neto de Moura. Vai haver um Ricardo III que vem da Alemanha para passar a noite de ano novo no Rossio e vão regressar as Bacantes - Prelúdio para uma purga, da premiada Marlene Monteiro de Freitas (que no ano passado recebeu o Leão de Prata na Bienal de Veneza).

No entanto, da temporada 2019/20, Alzira Paixão escolheu apresentar o espetáculo Depois do Medo, de Bruno Nogueira, que ali estará em outubro. Sobre stand-up comedy não sabe muito, mas sobre o medo ela sabe tudo: "Desde a minha meninice nunca tive medo de nada, nem dos animais de grande porte nem de andar sozinha na rua", conta, de pé, no palco, perante uma Sala Garrett quase lotada. Alzira veio do centro do país para Lisboa com 25 anos e há 50 que mora na rua Augusta: "O medo só o senti há um ano, aquele medo que quase nos leva à loucura, quando recebi uma ordem de despejo. Quase deixei de ser eu, fiquei triste, estava sempre sozinha em casa, não ia às aulas [da Universidade Sénior]".

Uma das coisas que a ajudou a melhorar foi o teatro. Há um ano, Alzira Paixão entrou pela primeira vez no Teatro Nacional D. Maria II e desde então, graças ao projeto "Primeira Vez", que já levou àquele teatro quase 400 pessoas, tem visto vários espetáculos. Ri-se quando Tiago Rodrigues, diretor artístico, diz que ela devia mudar o nome para "Alzira Paixão pelo Teatro" e esta terça-feira até levou dois beijinhos de Graça Fonseca, ministra da Cultura, que se confessou emocionada com a sua história.

Repetindo a fórmula de há um ano, para apresentar a sua próxima temporada, o Teatro Nacional convidou 38 espectadores a subirem ao palco e a falarem dos espetáculos que aí vêm. Joel Almeida, que "foi" um dos amantes de Raquel André em Coleção de Amantes, falou-nos do que espera do novo projeto desta artista, a Coleção de Artistas (em setembro). A professora Ana Cristina contou a sua experiência com o projeto Boca Aberta, que leva espetáculos aos jardins de infância de Lisboa. Graça Santos explicou como a existência de sessões com audiodescrição lhe permite desfrutar dos espetáculos e aconselhou o Romeu e Julieta, de John Romão, que se estreia no seu dia preferido do ano, o Dia dos Namorados. Jasmim, de 16 anos, teve que sair mais cedo do palco porque tinha que participar num concerto com o seu violoncelo, mais ainda teve tempo para apresentar Sem Planos, o novo espetáculo de Sílvia Real (estreia a 31 de outubro).

Thomas Ostermeier e Jeanne Balibar no Rossio

Entre os espetáculos estrangeiros que vão passar por aquela casa, o destaque vai para Ricardo III, de Shakespeare, pela Schabühne de Berlim, com encenação de Thomas Ostermeier. Vai estar em cena em Lisboa a 31 de dezembro e depois a 2 e 3 de janeiro. "Assim, ninguém pode dizer que não vem porque já tem outro espetáculo no mesmo dia", brincou Tiago Rodrigues, que há muito andava a tentar trazer esta peça, protagonizada pelo ator Lars Eidinger, ao Rossio.

Mas também há, vindo de França, Bajazet: Considerando o Teatro e a Peste, com encenação de Frank Castorf (que dirigiu durante muitos anos a Volksbühne, em Berlim): é um espetáculo que mistura a tragédia neoclássica, de Racine, em versos alexandrinos, com o teatro da crueldade de Artaud. Trata-se, diz Tiago Rodrigues, de "uma pesquisa muito teatral e ao mesmo tempo com um elenco absolutamente fenomenal, liderado por Jeanne Balibar" (que trabalhou com Jacques Rivette e entrou no documentário Ne Change Rien, de Pedro Costa): "Vai ser uma oportunidade de o público ver um dos grandes nomes do teatro e do cinema francês em palco". Apresenta-se aqui a 19 e 20 de junho.

Antes disso, logo em outubro, chega Ibsen House, dirigido pelo australiano Simon Stone, uma produção do Toneelgroep Amsterdam que junta muitas peças de Ibsen misturadas como se fossem a história de uma só família.

Em novembro, é apresentado a última criação do artista francês Philippe Quesne, Crash Park, que conta um relato de sobrevivência de alguns passageiros, depois de um desastre de avião numa ilha e é "um espetáculo de uma beleza plástica incrível", segundo o diretor do teatro.

Dos clássicos ao presente

"Defendemos a absoluta liberdade de criação dos artistas, mas parte do serviço público é fazer a ponte entre liberdade de criação e temas que devem ser debatidos, fenómenos sociais que devem ser refletidos e pensados criticamente pela arte e, neste caso, pelo teatro", explicou à Lusa Tiago Rodrigues. Exemplo disto, é o espetáculo Fake, de Inês Barahona e Miguel Fragata (a dupla que fez, por exemplo, Montanha Russa), que se estreia em março e que tem por tema as fake news, as redes sociais, a forma como o fenómeno da desinformação se tem propagado e "tem tido um efeito transformador e muito negativo, naquilo que é a forma como nos organizamos e pensamos enquanto sociedade, com o impacto político e social e de mentalidades que esse fenómeno tem".

Outro caso referido pelo diretor artístico do TNDM é o espetáculo Aurora Negra, criado e interpretado por três mulheres negras - Cleo Tavares, Isabel Zuaa e Nádia Iracema - e que trata a questão da mulher negra em Portugal. "Estamos a trabalhar uma temática importante na sociedade portuguesa: a representatividade das mulheres e dos homens negros, neste caso das mulheres, na sociedade, a falta de igualdade no acesso aos lugares de chefia, de liderança, de decisão, e aqui, curiosamente, no teatro há o reflexo, não há muitos espetáculos criados e dirigidos por mulheres ou homens negros no teatro português", diz Tiago Rodrigues. Este estará no Nacional em maio.

O próprio Tiago Rodrigues escreveu e encena Catarina e a Beleza de Matar Fascistas, em que "um juiz português com um polémico historial de decisões a favor de homens que agridem mulheres, é raptado por um grupo de atrizes e atores". "O rapto é ficcional, mas o juiz existe mesmo. Chama-se Neto de Moura", avisa a sinopse. Estreia em junho do próximo ano.

A abertura da temporada acontece já depois do verão, no fim de semana de 14 e 15 de setembro, com a já habitual "Entrada Livre" e a estreia de uma Antígona, de Sófocles, com encenação de Mónica Garnel. Entre as muitas propostas, haverá ainda um novo espetáculo de Jacinto Lucas Pires, Canto da Europa (em janeiro) e uma nova criação (a 120ª) da coreógrafa Olga Roriz, intitulada Seis Meses Depois. Bruno Bravo encena Bruscamente no Verão Passado, de Tennessee Williams (em fevereiro), David Pereira Bastos aventura-se por À espera de Godot, de Becket (em março), e Tonan Quito mergulha em Tchekov com o espetáculo A Vida Vai Engolir-nos (em julho).

Toda a programação no site do teatro. Os bilhetes já estão à venda.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt