“Pizza frita é o prato de maior sucesso no Sine, e a Michelin também o elegeu como representativo do meu restaurante”

O que levou um napolitano a abrir um restaurante em Milão?O amor [risos]. Cheguei a Milão em 2011, vindo de Paris, onde trabalhei no hotel Bulgari, e depois conheci a Martina. Felizmente apaixonámo-nos. Hoje vivo feliz em Milão com a minha mulher e com uma menina de quase três anos, chamada Giorgia. Estou feliz por ser cidadão milanês porque Milão é uma cidade muito estimulante a todos os níveis. É, claro, também uma cidade muito competitiva do ponto de vista gastronómico. Isso permite-me subir cada vez mais a fasquia, o que me permitiu ganhar agora a minha primeira estrela Michelin. Sou uma pessoa que nunca está satisfeita, por isso quero sempre fazer mais. Quero comparar-me com quem é realmente bom no meu trabalho, por isso tenho muita admiração pelos grandes chefs italianos do mundo, aqueles que conheço. O meu desejo é pegar no exemplo destes grandes chefs e tentar fazer também um pedaço de história no meu restaurante..Os milaneses têm curiosidade pela cozinha napolitana? É muito diferente da cozinha milanesa?A cozinha italiana muda de região para região, e certamente a cozinha do norte e a cozinha do sul são totalmente diferentes porque é uma questão de clima. Por isso no sul temos mais legumes, comemos mais azeite virgem extra, no norte mais caldos, mais carne também. Portanto, basicamente são duas cozinhas diferentes. E sim a minha cozinha é uma cozinha napolitana mas eu defino-a também como pessoal, dou-lhe personalidade própria. Sou um chef napolitano que cozinha napolitano, portanto é uma cozinha que tem sempre algo napolitano lá dentro mas a minha cozinha não pode ser definida como napolitana. A minha cozinha é certamente uma cozinha de base mediterrânica, uma cozinha de sabor, uma cozinha da barriga e não do cérebro. No meu restaurante, quero que em alguns pratos haja uma técnica francesa, noutros uma técnica japonesa, noutros ainda uma técnica da minha mãe. O importante é o prato final, e, claro, é o convidado, o cliente, ficar feliz. Então como é que chego lá, se chego a esse objetivo graças a um prato inspirado na minha mãe ou numa experiência que tive no estrangeiro ou num chef com quem trabalhei, não é o importante, o importante para mim é a felicidade das pessoas que vêm comer ao restaurante..Falou da sua mãe, qual é o lendário prato da sua infância que ela fazia?Um prato que saia mal, o panado estorricado [risos]. A minha mãe trabalhava, por isso não era a clássica mãe italiana, ou napolitana, que ficava em casa a cozinhar. A minha mãe trabalhava todos os dias e depois voltava para cozinhar e para os filhos. Trabalhava fora de casa e tinha depois de cozinhar para uma família numerosa, por isso não tinha tempo. E muitas vezes os pratos eram bons mas normais, não fazia algo especial todos os dias. Fiz um prato dedicado à minha mãe chamado panado do último filho que está estorricado, porque ela cozinhou-os demasiado e eu comi por último, e o meu estava preto. E hoje faço um panado, que é um prato mais típico de Milão, não de Nápoles. Faço um panado de vitela, rosado por dentro mas preto, totalmente preto por fora, que cheira a queimado, mas não está queimado. E isso traz muita gente, que quer provar, saborear e guardar aquele momento, porque é inspirado na minha mãe e nos seus panados estorricados, mas muita gente em Itália reconhece-se nesta história..Existe um prato emblemático do Sine, o seu restaurante?Sim, pizza frita [risos]. Faço pizza frita. Trazer a comida de rua napolitana para a alta gastronomia foi uma missão difícil. Mas era o que eu queria fazer. Queria falar de Nápoles, falar da minha vida, falar da minha família, das minhas experiências, mesmo através de coisas que não combinam com um jantar requintado. Em Nápoles comemos pizza frita na rua, com as mãos. O prato de maior sucesso, que nos representa, que a Michelin também elegeu como prato representativo do meu restaurante, e por isso ganhei a estrela, é a pizza frita. Por ser uma massa muito leve, trabalhamos bastante a massa. Não absorve óleo, por isso é leve, é crocante, é macia. É preta, porque coloquei tinta de choco lá dentro em homenagem ao Vesúvio, o vulcão de Nápoles, uma terra negra, portanto. Por cima temos duas versões, uma de verão e outra de inverno. No verão, colocamos um creme de curgete com manjericão, e no inverno um creme de friarielli, que são grelos napolitanos. E em cima um belo peixe cru, que é um pequeno atum mediterrânico de Nápoles, marinado com um molho talvez ligeiramente asiático, porque tem soja, yuzu e citrinos diversos, confit de creme de tomate e amêndoas. E cortamos em quatro fatias, pois é o prato que as pessoas pedem para partilhar, no início da refeição. Não é para comer sozinho. Recomendamos a partilha, é muito bem-vinda, por isso esta pizza frita diz-nos muito..Já tinha sido convidado pela embaixada a vir a Portugal quando recebeu a estrela Michelin. Faz muita diferença para um chef essa distinção?Trabalhámos muito para o conseguir. No ano passado, já estávamos a torcer para isso acontecer, mas quando não veio a chamada telefónica, não desisti, arregacei as mangas, continuei rumo ao meu objetivo, sabia quais eram as coisas que tinha de melhorar. O objetivo não é a Estrela Michelin, é a felicidade do cliente, foi o que pensei. O Guia Michelin é um guia para clientes, não é um guia para chefs. Têm de dizer aos clientes quais são os melhores sítios para comer, e eu tenho de trabalhar para os clientes, quero um restaurante cheio, não quero um restaurante vazio, um restaurante cheio de pessoas felizes que estão felizes por virem comer na minha casa. Se eu fizer toda a gente feliz, e se houver um inspetor Michelin entre eles, vou deixá-lo feliz também. Era esse o objetivo, fazer com que todos os clientes saíssem felizes do restaurante, e conseguimos..Como funcionou o jantar feito em Portugal a quatro mãos com o chef Hugo Candeias?O Hugo tem um conhecimento muito enraizado da cozinha portuguesa, dá para perceber, mas tal como eu, também utiliza diferentes técnicas para valorizar a cozinha tradicional. Então o que notei nos pratos do Hugo que provei é que ele não se fica pela tradição, mas tenta inovar a cozinha portuguesa, um pouco como eu, pegando na cozinha italiana, napolitana, acrescentando aquele toque pessoal. E percebi que o principal para ele também é que o prato seja bom, e isso uniu-nos na hora de cozinharmos. Foi bastante fácil, porque encontrei um acolhimento incrível, ajudaram-nos imediatamente, fizeram com que me sentisse em casa, fizeram com que me sentisse parte da equipa da cozinha..Que pontos de contacto existem entre a cozinha italiana e portuguesa? Somos definitivamente uma cozinha mediterrânica também, mesmo que a geografia nos mostre atlânticos?Talvez a cozinha portuguesa esteja sobretudo próxima da cozinha do sul de Itália. Tive o meu avô que era famoso em Nápoles porque tinha uma loja de bacalhau. No mercado de Nápoles o meu avô vendia bacalhau, por isso em minha casa o bacalhau estava sempre na mesa. Portanto, existem algumas semelhanças. Um dos pratos que trouxe, que é um petisco de boas-vindas, foi criado para valorizar a minha terra, que é um tipo de babá, bolo típico de Nápoles, por isso em vez de fazermos babá doce, embebido em rum, fazemos um pão brioche com sabor a babá, depois torramos como uma torrada francesa e por cima colocamos umas anchovas, com manteiga. Aqui quis usar antes sardinha. Grelhámos as sardinhas e colocámos por cima com um gel de limão, e devo dizer que foi a entrada, porque era pouco, mas foi o que os portugueses mais gostaram, porque viram como uma pessoa que não é de cá destacou um dos seus ingredientes, e isso deixou-me feliz. Mas foi fácil, porque a ideia era a mesma, não mudei nada. Troquei a anchova pela sardinha, grelhei porque é mais alta, marinámos primeiro, e o prato ficou perfeito..Quando diz que é chef e acrescenta a palavra italiano, acha que isso lhe confere um estatuto especial?Sim e não. Como estive no estrangeiro muito tempo, sei que temos uma identidade que fora do país se define como sendo massa e pizza. O que está bem, porque as fazemos muito bem. Mas hoje os chefs italianos conseguem descrever melhor o território, por isso sim, fazendo massa, devemos ser embaixadores destas coisas incríveis que herdámos, porque temos sorte. Nós chefs italianos herdámos uma enciclopédia de receitas, não um livro, muitos livros, e devemos ser guardiões desta tradição e transmiti-la para que não se perca, mas ao mesmo tempo o chef italiano hoje é um profissional, é uma pessoa que quer inovar ainda mais. Para nós é mais difícil, porque se tivermos de criar uma receita nova já temos dois mil que nos acompanham, por isso queremos fazer mais. Comparo-me com os meus colegas, certamente que ser italiano é uma vantagem porque somos reconhecidos como bons chefs, sabemos cozinhar, mas ao mesmo tempo pode ser uma limitação. Aqueles que vêm até nós esperam certas coisas e devemos fazê-las. E sim, faremos sempre, mas confie em nós porque também podemos fazer algo diferente do que espera.

“Pizza frita é o prato de maior sucesso no Sine, e a Michelin também o elegeu como representativo do meu restaurante”

Artigos Relacionados